O mundo passa por uma transformação digital que será cada vez mais imprevisível, sofisticada e complexa, sobretudo porque o sucesso dela dependerá sempre de nós, indivíduos.
Nós — humanos de carne, ossos e códigos — fomos personagens centrais do Web Summit por diversos ângulos: no clamor da primeira-dama ucraniana Olena Zelenska para que a tecnologia seja usada a favor da vida, nos cartazes pedindo internet livre no Irão, no crescente protagonismo de diferentes grupos sub-representados e nos múltiplos debates sobre a nossa relação com nossos empregos e com as organizações - das startups às gigantes.
Tive a oportunidade de cruzar com muitas falas, entrevistas e conversas especificamente a respeito desse novo pacto que se configura entre nós e as empresas, quando o assunto é carreira.
A primeira palavra que saltou aos olhos de todos foi flexibilidade. O debate não é mais sobre trabalho remoto, presencial ou híbrido. Não há propriamente uma fórmula a ser copiada - é um tema que depende muito de quem lidera, da cultura em questão e, também, das características de cada negócio. Estamos a falar, sobretudo, da crescente possibilidade de definir o lugar do trabalho na composição das nossas necessidades. Um mundo que seguirá tendo workaholics, mas não poderá mais criminalizar aqueles que redimensionam o peso do currículo sobre suas definições pessoais.
É um panorama que, ao apontar para o futuro, não olha mais para as descrições de cargos ou a extensão do currículo profissional. Obviamente as experiências continuam sendo importantes - mas elas não necessariamente definem o encaixe para uma posição atual. Falou-se muito sobre os empregos baseados em habilidades e competências - sem distinção entre hard e soft skills — afinal, essa separação per se implica um juízo de valor.
Foi inevitável, portanto, abordar o paradigma emergente da liderança nas corporações. Reconheceu-se que ainda falta treinamento suficiente para preparar pessoas realmente inspiradoras, solidárias, motivadoras e que, ao mesmo tempo, entreguem resultados. Entre os principais eixos de desenvolvimento das lideranças, destacam-se a capacidade de se comunicar bem com as equipas e colaborar entre diferentes clubes e parceiros. Não há mais espaço para déspotas encastelados em seus escritórios privativos.
Além disso, definiu-se a importância de líderes como indutores e responsáveis por um ambiente de trabalho pautado pelo bem-estar físico e mental. Como zeladores da segurança psicológica, não podem mais apartar esses pilares da performance das respectivas equipas. Produtividade e resultados estão, de forma indissociável, conectados às variáveis de saúde mental e segurança psicológica. Gerenciar recursos psicológicos será tão crucial quanto administrar métodos, orçamentos, estruturas e processos.
Não foram poucos os CEOs que ressaltaram a cultura organizacional como condição necessária para alavancar a prosperidade e a escala de suas empresas. E, bom lembrar, ela é uma metamorfose ambulante. E quem não se adapta fica pelo caminho.
Cultura, a propósito, não existe sem equidade e inclusão. É fundamental que sejamos intencionais no exercício de reduzir desigualdades e oferecer mais oportunidades. Saímos do QI (quem indica) para a AI (artificial intelligence). Ou seja: com base em mais dados e menos vieses, seremos mais capazes de definir as melhores pessoas para cada posição. Mas vem o desafio: como fazer isso em uma sociedade extremamente desigual?
Um dos caminhos mora, claro, na tecnologia — que pode oferecer inúmeras soluções para reduzir os abismos de habilidades, conhecimentos e competências. Em vez de mitigar os problemas, deve-se ampliar as oportunidades. Essa é uma tarefa ainda mais crítica na indústria tech, que tem 75% de brancos na força de trabalho — uma dos piores neste quesito. E, claro, isso se reflete na maneira pela qual desenvolvemos softwares e desenhamos serviços. No fim, é crucial pensar em quem está faltando à mesa na hora de tomarmos uma decisão importante.
Quando nos voltamos para as grandes questões planetárias não é diferente. Clima, guerra, violência de género, intolerâncias de múltiplas naturezas e pobreza cruzam-se na busca por respostas às nossas perguntas mais difíceis.
Uma coisa sabemos: o mundo passa por uma transformação digital que não é um projeto — mas um processo, uma jornada que será cada vez mais imprevisível, sofisticada e complexa. Sobretudo porque o sucesso dela dependerá sempre de nós, indivíduos.
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