No programa 20 MINUTOS ENTREVISTAS desta quarta-feira (16/06), o jornalista Breno Altman entrevistou Ladislau Dowbor, economista especialista em gestão pública e sistema financeiro, sobre as reformas necessárias para enfrentar o processo de financeirização do Brasil.
“Antigamente, há quatro décadas, para enriquecer, produziam-se coisas. Hoje se passa a remunerar as aplicações financeiras mais do que o investimento produtivo. De certa maneira, o fato de o dinheiro ser imaterial e de o controle das plataformas estar na mão de meia dúzia de pessoas, sem que a gente tenha controle sobre os fluxos financeiros, permitiu gerar esse sistema em que quem enriquece efetivamente não são os produtores. São os intermediários, os bancos. O dinheiro não é deles, mas eles colocam um pedágio ali para que as partes possam usá-lo”, explicou Dowbor sobre a financeirização.
Esse processo não é de agora. De acordo com o especialista, vem desde o fim dos anos 90, com a liquidação do artigo 192 da Constituição, único que protegia a população contra a agiotagem, proibindo que as taxas de juros anuais passassem dos 12% com o controle do Banco Central.
“O nosso sistema de crédito foi cooptado e o agente regulador está na mão dos regulados”, reforçou. Segundo Dowbor, o governo Bolsonaro contribui para o agravamento desse processo com privatizações e medidas de auxílio financeiro para os bancos e de autonomia para o Banco Central.
Ele ressaltou que os grandes bancos privados, essa concentração bancária, são nocivos para o país e representam obstáculos para a gestão pública, pois o dinheiro repassado para os bancos não chega à população.
“O dinheiro tem que ter utilidade. Ele tem que ser repassado a juros baixos para que uma costureira vá e compre uma máquina sofisticada, tenha lucro, pague sua dívida e consuma. Mas se os juros que ela vai pagar são superiores ao lucro dela, ela nunca mais vai sair do processo de renegociar e pagar a dívida. Você tem que ter taxas de juros que sejam inferiores ao que rende o dinheiro das pessoas. E o mesmo para os dividendos para as empresas, porque, se não, gera estagnação, não promove o reinvestimento”, defendeu Dowbor.
Para solucionar o tema, o economista propõe uma reforma financeira, taxando lucros e dividendos e criando uma lei que regulamente a agiotagem, além de uma reforma bancária, “para romper com o oligopólio dos bancos”, descentralizando o sistema e, em alguns casos, promovendo estatizações.
“Temos um pedágio improdutivo no nosso sistema financeiro, os bancos, por que depender deles? Podemos pensar em reformas como a que foi feita na Califórnia, que autorizou os municípios a criarem bancos públicos municipais, imitando a Alemanha. Os alemães não guardam dinheiro no banco, eles têm caixas de poupança da comunidade. O que muda? Você tem o dinheiro nas mãos da própria comunidade. Juntando isso ao dinheiro dos impostos que os municípios recebem, cada cidade pode assumir as rédeas do seu próprio desenvolvimento”, exemplificou.
Para tanto, “precisamos de um Banco Central”, revogando a questão da autonomia para devolver à entidade a condição de agente regulador. Dowbor foi mais além, dizendo que, ao fortalecer o Banco Central, seria possível eliminar completamente os órgãos intermediários, os grandes bancos. As transações financeiras ocorreriam diretamente entre o BC e a sociedade ou pequenos bancos cooperativos, deixando de financiar intermediários. “Hoje ninguém vai mais à agência, é tudo online, então seria possível fazê-lo”, agregou.
Além disso, Dowbor abordou a importância de “pensar a reforma pelo viés da justiça e da produtividade”.
“Existe a dimensão da produtividade do dinheiro. No Brasil, o governo repassa o dinheiro para os bancos, que não repassam a verba para saúde ou educação ou a área que for. Com regulação e bancos estatais, podemos ter uma alocação racional de recursos. Por exemplo, está comprovado que para cada dólar que eu gasto com saneamento básico, deixo de gastar quatro com doenças. Tenho aí uma alocação de recursos que geram efeitos multiplicadores”, argumentou.
Reformas mudam o sistema?
Para Dowbor, essas propostas fazem parte de uma “revolução progressiva”, pois combatem a acumulação e concentração do capital na mão dos intermediários financeiros.
“Para fazer a economia funcionar precisamos equilibrar o dever do Estado, das empresas e das organizações da sociedade civil. Colocar o Estado como agente regulador e multiplicar bancos comunitários, autorizando que produzam a própria moeda, parece pequeno mas tem uma dinâmica transformadora de estruturas, de restaurar o equilíbrio”, afirmou.
O especialista, que lutou contra a ditadura militar de forma ativa, confessou que gostaria que houvesse uma "grande revolução", mas disse que "cansou de esperar esse processo”. Por isso, ele busca ver oportunidades para transformar o sistema, “trocar competir por cooperar”.
“O mundo está em transformação, temos que ver o que funciona, como funciona, em que lugar, para além das ideologias. A prioridade é pensar como se geram e se administram os recursos de maneira mais racional”, ponderou.
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