terça-feira, 18 de outubro de 2011

O espelho mágico do Facebook


O facebook no mundo- foto tirada em 2010. Créditos: Paul Butler

O Facebook reflete a nossa época, egoísta e publicitária, preocupada com o marketing pessoal. Ele promove a experiência de estar em constante representação face a nossos amigos. E quanto mais a projeção eletrônica reflete a nossa personalidade, ou o nosso desejo, mais nos deixamos embriagar pelo seu reflexo

por Philippe Rivière, Le Diplomatique Brasil, 1.12.10

Há alguns dias, o Facebook me pediu para trocar de nome. Não porque eu tivesse escolhido um apelido obsceno, que fizesse apologia ao ódio, ou que usurpasse o “nick” do todo poderoso Mark Zuckerberg (chefe, fundador e principal acionista do Facebook), ou até mesmo porque estivesse usando um nome vagamente parecido com o de uma marca registrada. Tudo que fiz foi inventar um sobrenome composto de belos caracteres em Braille. Os engenheiros do site californiano decidiram, de repente, que isso não era mais tipograficamente correto.

Na inscrição, o site havia pedido meu sobrenome verdadeiro; em seguida, tinha confirmado a minha existência por meio de um código secreto enviado ao meu telefone. Eles tinham também insistido para que eu lhes desse a senha do meu endereço de e-mail para recuperar meu catálogo de endereços e, assim, facilitar a identificação dos meus contatos – meus “amigos” na terminologia do site.

Policiado permanentemente por algoritmos, seguindo regras de utilização que ninguém lê, a página azul do Facebook oferece um casulo aconchegante a seus membros, que podem se conectar a ele para conversar sem se verem invadidos por mensagens de desconhecidos e por parasitas que lhes prometem a Lua. As inserções de publicidade são relativamente discretas, e é possível, por um tempo interminável, ficar vendo as fotos de amigos, se divertir ou se indignar com as mesmas informações compartilhadas por eles, jogar os mesmos jogos, seguir o que há de novo em suas vidas, tanto os acontecimentos mais triviais quanto os mais felizes.

As interações são sempre positivas: é possível, ao clicar sobre um ícone qualquer, “curtir” alguma coisa, mas não detestar; um aviso aparece quando a gente ganha um amigo, mas não quando ele nos deixa. Vários controles protegem o usuário: assim, o viajante que se conecta de um lugar inabitual, se vê submetido a um interrogatório (lúdico) à base de fotos, a fim de provar sua identidade.

Tudo isso não acontece sem arbitrariedades. Páginas sensíveis – como aquela do grupo de apoio ao soldado Bradley Manning, acusado de ter transmitido informações secretas sobre a guerra do Iraque ao site Wikileaks – são por vezes suspensas, e restabelecidas alguns dias depois sem mais explicações. Para eliminar os spams, os membros do Facebook são incentivados a denunciar com um clique as mensagens ofensivas, e o site então suspende a conta dos usuários suspeitos. Uma brecha no sistema, à qual ativistas de todo tipo acabam apelando, organizando por esse método a desconexão de seus adversários políticos. O Facebook proíbe seus membros de publicar links para sites perigosos (que tentariam, por exemplo, instalar vírus ou roubar dados bancários); mas esse Big Brother bondoso, às vezes, cede à tentação da censura e bloqueia links para sites de compartilhamento de arquivos ou de manifestações artísticas e políticas.

Essa sábia mistura de vida privada e voyeurismo, esse regime açucarado de transgressões moderadas e liberdade vigiada constituiu a receita vencedora de Zuckerberg. Graças a ela, o comandante da rede social conseguiu o grande feito de reunir 500 milhões de inscritos, dos quais 50% se conectam ao site todos os dias, num total de 700 bilhões de minutos a cada mês. E 200 milhões de pessoas consultam a página por telefone celular. Começando do nada – ou quase, já que a prestigiosa Universidade Harvard não foi irrelevante no seu início fulgurante, em fevereiro de 2004 –, o Facebook é agora, com apenas 1.700 funcionários, o maior site do planeta.

Ao permitir que cada um cuide da sua marca pessoal, o Facebook é o espelho mágico da nossa época, egoísta e publicitária. A experiência Facebook é para cada um o sentimento de estar em constante representação face a 130 pessoas (número médio de amigos de um membro da rede social) aplaudindo cada gesto e cada boa palavra. Quanto mais a projeção eletrônica de nosso ser reflete a verdade de nossa personalidade – ou de nosso desejo –, mais nos deixamos embriagar pelo seu reflexo.

Esse sentimento conduz cada um a alimentar sua página, às vezes, de maneira compulsiva, publicando seus gostos, endereço, local em tempo real por meio de diversas técnicas de geolocalização, ou a crônica de seus conflitos amorosos. A empreitada deixa estupefatos todos os organismos de defesa da vida privada, de todo modo superados, frente à sua própria aceitação por meio do crescimento exponencial das tecnologias.

Excessivamente positivo

Mas o Facebook não pretende parar por aí: começando em um site restrito, ele busca agora se estender ao conjunto da internet. Introduzido em abril de 2010, o botão “curti” é uma funcionalidade de aparência trivial que cada webmaster pode integrar em seu próprio site para facilitar o “buzz”; graças a esse engenhoso sistema, já instalado em um milhão de sites, o Facebook afirma poder monitorar por nome as visitas feitas nas telas de 150 milhões de pessoas todos os meses, refinando, assim, a construção de seus perfis. Para melhor servir (e identificar) o internauta, o Facebook também acaba de lançar uma caixa de correio eletrônico que agrupa e-mail, SMS e conversas virtuais instantâneas – apontando para uma concorrência frontal com o Google, o outro ponto de controle gigante da internet.

O Facebook garante que apenas os nossos amigos têm acesso a essa massa de textos e imagens que flui continuamente nessas bases de dados. Denunciado, em novembro de 2010, por uma investigação do Wall Street Journal que revelou que alguns dos maiores operadores dos jogos no Facebook escondiam dados de identificação pessoal dos jogadores e de seus amigos, o grupo decretou “tolerância zero” às empresas intermediárias de bases de dados e afirmou que o Facebook “nunca vendeu nem venderá informações de usuários”. (Não se fala, claro, da “Patriot Act” [Lei Patriótica], que permite às autoridades americanas ter acesso a informações pessoais hospedadas nos Estados Unidos.)

Em 1993, um memorável desenho de Peter Steiner, publicado no The New York Times, explicava que “na internet, ninguém sabe que você é um cão”. Em 2010, o anonimato está prestes a ser abolido. “Com 14 fotos suas, nós temos capacidade de identificá-lo. Você acha que não há 14 fotos suas na internet? Tem as fotos do Facebook”, lembra o presidente do Google, Eric Schmidt, na Conferência Technomy, em 4 de agosto de 2010. Um estado dos fatos não somente irrevogável, mas, a seus olhos, necessário: “Em um mundo de ameaças assimétricas, o verdadeiro anonimato é perigoso. (...) É preciso um sistema confiável de verificação de identidade – e o melhor exemplo, hoje, de tal serviço é o Facebook. (...) Os governos vão acabar exigindo isso”.

Se ainda sobra a possibilidade de trapacear, isso será, no futuro, cada vez mais difícil. Os arquitetos mais poderosos do mundo online e os dirigentes políticos são destinados a “civilizar” uma internet livre e sempre vista como zona de não direitos. Se eles conseguirem domesticá-la, dar sua identidade real será o preço a pagar para participar dela com plenos direitos. A tela servia até aqui como uma imagem para designar um sistema descentralizado de rede de informações interconectadas. Ninguém imaginava que uma aranha se debatendo acabaria se instalando em seu centro e observava, assim, o comportamento de todos os internautas.

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