Limitar o aumento do aquecimento global a 1,5 graus Celsius em relação aos valores pré-industriais é possível, mas exige mudanças "rápidas e sem precedentes" na sociedade, avisa o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas. Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, dá alguns exemplos que o cidadão pode fazer para ajudar a atingir o objetivo.
O lago Poopo, na Bolívia, completamente seco em setembro do ano passado. Um dos efeitos das alterações climáticas © REUTERS/David Mercado |
O relatório divulgado na segunda-feira, 8 de outubro, pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC na sigla em inglês) deixa um aviso claro. Temos 12 anos para mudar comportamentos de modo a atenuar os efeitos nefastos do aquecimento global na saúde, na produção de alimentos, no ambiente, no abastecimento de água, bem como nas condições de vida.
No documento, o IPCC define como objetivo o limite de 1,5 graus Celsius em relação aos valores pré-industriais, mas para atingir esta meta é preciso avançar com medidas "rápidas e sem precedentes" na sociedade, refere o documento.
Os especialistas dizem que ainda há tempo para reduzir o aquecimento global, tendo como base a aplicação de políticas governamentais, mas também a ação dos cidadãos. O DN falou com Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero que deu alguns exemplos do que podemos fazer no nosso dia-a-dia.
Eficiência energética e energias renováveis
"Vinte e cinco por cento das emissões de gases com efeito estufa têm a ver com a produção de eletricidade e, portanto, a área da eficiência energética e de produção de energias renováveis são essenciais para reduzir o aquecimento global", sublinha Francisco Ferreira. Então o que podemos fazer em casa para ajudar a redução da temperatura global?
- Comprar os eletrodomésticos certos: "Significa escolher aqueles que têm a classe de eficiência energética mais elevada. Fazer a melhor utilização dos eletrodomésticos, ou seja, usá-los só com a carga cheia", explica o ambientalista. "Se tiver que mudar lâmpadas em casa procure mudar para Led e compre as de classe de eficiência energética maior".
- Apostar no isolamento: "Tudo o que seja obras de isolamento, ter janelas eficientes. Fazer uma gestão eficiente da casa. Ou seja, gerir o abrir e fechar de persianas ou de estores, de acordo com a localização da casa para maximizar o arrefecimento ou o aquecimento em casa. Procurar dar prioridade ao aquecimento e arrefecimento de uma forma natural, sem recorrer ao ar condicionado.
- Reduzir o consumo de água em casa: "Porque também implica uma gestão da energia, nomeadamente da água quente".
- Pedir o certificado de eficiência energética da casa: "Aí fica-se a saber qual é a classe energética da casa e o que se pode fazer para melhorar".
- Reparação de electredomésticos: "Não tem tanto a ver com a eficiência energética, mas também se deve apostar na reparação de eletrodomésticos. Em vez de comprar um novo equipamento, sempre que possível apostar na reparação. Isso significa uma redução de materiais e de emissões indiretamente".
- Painéis fotovoltailcos: "Se for possível colocar um painel solar na varanda ou no telhado para auto consumo. Um ou dois painéis fotovoltailcos. Um painel custa cerca de 500 euros. Fica pago ao fim de sete anos no máximo e dura mais de 25 anos"
- Investir na água quente solar. "Somos o país com o maior número de horas de sol da Europa, cerca de 3 mil por ano"
Mobilidade
"Os outros 25% das emissões de gases de efeito estufa têm a ver com os transportes, sendo que o maior problema são os transportes rodoviários individuais", afirma Francisco Ferreira. Este é um aspeto "absolutamente crucial" para a redução do aquecimento global, defende.
- Transportes: "Temos de pensar que o mais importante é recorrer ao transporte público. Vamos ver se a história dos passes sociais vai trazer alguma melhoria, uma vez que a ideia é usar mais os transportes públicos. Penso que isso só se consegue se se penalizar o uso do automóvel, como acontece com o estacionamento nas grandes cidades. Mas pode-se ir mais longe. Há países em que há portagens para se entrar nas cidades, como acontece em Florença. É possível fazer mais".
- Andar de bicicleta e andar a pé: "O uso das bicicletas partilhadas em Lisboa é um bom exemplo".
- Partilhar o carro: "E se for preciso comprar um carro, optar por veículo elétrico".
A alimentação
É uma área "muito importante", afirma o presidente da associação ambientalista Zero, que defende a compra de "produtos locais". "Se se optar por comprar produtos que não sejam locais isso implica uma maior emissão de gases de efeito estufa".
- Comer menos carne, nomeadamente vaca: "Há uma série de animais que fazem fermentação entérica, ou seja o seu processo digestivo emite metano. Não precisamos de ser vegetarianos, mas sim mais saudáveis. Em Portugal comemos carne a mais, é a própria DGS [Direção-Geral da Saúde] que o diz. Podemos, portanto, juntar o hábito saudável a um hábito amigo do ambiente, que é comer menos carne, porque reduz as emissões de metano, que é também um gás de efeito estufa."
- Reduzir, Reciclar e Reutilizar: "A prioridade até agora tinha sido a reciclagem, mas a aposta tem de ser feita na prevenção, ou seja na redução de resíduos. A reciclagem é muito importante, mas tem que se ir mais longe, a aposta tem de ser na redução e depois na reciclagem."
- Ação coletiva: "O cidadão tem que se mobilizar mais para pressionar os governos a ter políticas mais amigas do ambiente e do clima. Há países na Europa em que as associações ambientalistas têm mais expressão, mais força para influenciar as decisões. A ação coletiva é muito importante."
Desafio para 2050: Neutralidade carbónica
No fundo, Francisco Ferreira acredita que se pode ir mais longe para reduzir o aquecimento global do Planeta e destaca a importância do roteiro para a neutralidade carbónica 2050 que o governo está a preparar e que "garante ter zero emissões líquidas, ou seja, conseguir que o carbono que tiramos da floresta seja igual ao carbono que precisamos para as atividades humanas". "O balanço será zero. É isso que queremos atingir em 2050. É um dos nossos desafios", afirma.
O ambientalista defende, ainda, a existência "de uma lei do clima. Não uma resolução de Conselho de Ministros, mas uma lei da Assembleia da República, que marque este objetivo, que tenha consequências práticas agora e num futuro próximo".
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