segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Hilda Hirst

Dez chamamentos ao Amigo
"Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.

E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero

Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento." ~ Hilda Hirst

O poema é um chamado amoroso em que a voz poética pede para ser vista de novo, sem os julgamentos ou distâncias que o outro costuma impor. Ela reconhece que pode parecer “noturna e imperfeita”, mas deseja um olhar mais atento, mais humano. Ao tentar se olhar como se fosse vista pelo amado, descobre-se através desse olhar imaginado. As metáforas da água e da terra revelam a dinâmica entre os dois: ela é terra, antiga, firme, esperando; ele é água, móvel, livre, capaz de envolver. A água que deseja escapar do rio simboliza o desejo de entrega e transformação, a vontade do outro de abandonar sua rigidez para se aproximar realmente. Quando ela diz que espera que o “corpo de água mais fraterno” dele se estenda sobre o seu, expressa um desejo profundo de união, acolhimento e fusão amorosa. O pedido final — olhar com menos altivez e mais atenção — resume o poema: trata-se de um apelo pela reciprocidade afetiva, pela quebra da distância orgulhosa e pela construção de uma intimidade verdadeira através do olhar que acolhe e reconhece.

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