Por Pedro Tadeu
Raquel Varela, habitual comentadora política e historiadora, está a ser acossada - imputações de multiplicação indevida de artigos científicos no currículo, provas de repetição de largos excertos de textos em trabalhos diferentes ("autoplágio", definem os acusadores), queixas de abuso de poder e de assédio moral a bolseiros e, até, presunções de manipulação de concursos.
Os jornais Público, Diário de Notícias, Observador, I e a revista Sábado das últimas semanas têm longos textos sobre Raquel Varela. Entre notícias, artigos de opinião e até editoriais alusivos, o tom apaixonado e adjetivado com que a matéria é tratada faz parecer o valor do currículo da professora da Universidade Nova ter mais importância para o país do que a aprovação do Orçamento Geral do Estado.
Nas redes sociais, Raquel Varela defende-se com textos gigantescos a tentar desmontar a argumentação dos acusadores, a detalhar a sua interpretação das regras do jogo da conquista do pódio académico, a contra-atacar com insultos e suspeitas sobre a idoneidade dos jornalistas que se atreveram a colocá-la em causa, a promover abaixo-assinados em defesa do seu próprio bom nome.
Tudo isto atrai centenas, milhares de partilhas, comentários, reações e audiências - na verdade, o currículo académico de Raquel Varela é, no momento em que escrevo, um tema mais debatido que o escândalo da fuga global ao Fisco mostrado pelos Pandora Papers, a crise na energia, a fuga de João Rendeiro à justiça, a saída de Armando Vara da prisão, o início das terceiras doses de vacinas contra a covid-19, a atribuição dos Prémios Nobel, a luta interna no CDS e no PSD ou as eleições do Benfica.
Lá fui ver o que era, então, o "caso Raquel Varela"...
Percebi: a luta por um lugar ao sol na universidade transformou-a num campo de batalha sem regras.
Percebi: é mais importante, para se ser alguém numa universidade, publicar muitos artigos científicos do que publicar bons artigos científicos.
Percebi: se o rigor da argumentação usada pelos intervenientes nesta polémica reflete o rigor habitual dos textos académicos, muita desta gente não devia, simplesmente, publicar artigos rotulados de "científicos".
Percebi: o negócio das publicações científicas está globalizado e muito poucas editoras do género dominam todo o mercado mundial, que vale milhões, muitos milhões - e os autores são os que menos ganham com isso.
Percebi: muitos investigadores universitários transformaram-se numa espécie de diretores comerciais, à procura de formas de financiamento e "inventando" investigações "à medida do cliente".
Percebi: a hierarquia numa universidade transforma os que estão na base da pirâmide social interna em verdadeiros escravos dos que estão acima. Quem está no meio, sabuja para cima e tiraniza para baixo.
Percebi: a universidade e os universitários acham que só devem ser escrutinados por si próprios e que o resto da sociedade nada tem a ver com isso.
Percebi: boa parte das acusações sobre Raquel Varela incidem sobre práticas banais no mundo académico, dizem muitos dos envolvidos. Se são ética ou legalmente reprováveis, então o mundo académico precisa de uma revolução e muitas cabeças deviam cair.
Percebi: a polémica sobre Raquel Varela é importante para ela, é importante para as pessoas que a denunciam, é importante para os locais onde ela trabalha, mas só tem um único valor para a sociedade em geral - demonstra que a universidade (cá e lá fora) está doente e precisa de ser salva de si própria...
... Eu começava por moderar a visão mercantilista do saber.
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