Por Luís Alves
Stefano Mancuso, botânico italiano e um dos maiores especialistas em neurobiologia vegetal, afirmou recentemente, em entrevista à Lusa, que os humanos deveriam aprender com as plantas a resolver problemas, em vez de fugir deles.
Mancuso recordou uma evidência antiga. As plantas não fogem, transformam o lugar onde estão. Essa imobilidade criativa, resultado de milhões de anos de evolução, encerra uma lição de enorme atualidade. Num mundo que procura soluções tecnológicas para todos os males, é nelas que se encontra a sabedoria de permanecer, adaptar e regenerar.
Concordar com Stefano Mancuso é reconhecer uma evidência que se tem tornado impossível de ignorar. Serão as plantas, e não a tecnologia, a oferecer soluções para a resolução de alguns dos maiores problemas da humanidade. Esta é uma afirmação que fere a vaidade moderna, habituada a ver nas máquinas a extensão gloriosa do cérebro humano. E, no entanto, tudo na história da Terra aponta para o contrário.
Muito antes de existirem ferramentas, cidades ou linguagem, os organismos fotossintéticos já haviam criado o oxigénio que respiramos, e as plantas contribuíram para estabilizar o solo e os ciclos que permitem a vida. Quando o homem ainda era sonho, elas já trabalhavam em silêncio na arquitetura do planeta.
A neurobiologia vegetal, campo que Mancuso ajudou a fundar, revela o que a intuição antiga já pressentia. As plantas processam informação, comunicam, ajustam respostas e resolvem problemas sem precisar de cérebro, através de mecanismos fisiológicos e bioquímicos.
Cada raiz, cada folha e as redes subterrâneas da rizosfera, onde fungos micorrízicos e bactérias simbióticas ligam plantas, funcionam como um tecido vivo de processamento e troca. Nesta descentralização está a sua força.
Enquanto a civilização humana constrói sistemas hierárquicos e frágeis, onde a queda de um centro pode paralisar o todo, as plantas operam numa estrutura descentralizada e resiliente. A raiz que morre não compromete o organismo, porque outras se estendem, outras aprendem, outras ocupam o vazio.
Esta lição de organização descentralizada desfaz a crença ingénua de que a tecnologia, criação habitualmente vertical e centralizada, pode substituir a sabedoria dos sistemas vivos. Um algoritmo pode processar dados, mas não compreende a textura da interdependência.
Uma máquina pode reproduzir formas, mas desconhece o ritmo paciente com que a vida se refaz. As plantas, pelo contrário, vivem no tempo longo da Terra. Não correm, não consomem, não conquistam. Regeneram.
É esta paciência vegetal que o homem perdeu. A era digital, com o seu ruído incessante, fez-nos confundir velocidade com progresso. O crescimento tornou-se uma corrida, o desenvolvimento uma métrica de exaustão. As plantas mostram-nos outro caminho. Crescem devagar, mas nunca em vão.
O carvalho que demora décadas a atingir a sua copa é o mesmo que cria sombra, abrigo, alimento e estabilidade para tudo o que o rodeia. Nenhum servidor informático, por mais potente, produzirá jamais uma floresta.
O que Mancuso propõe não é uma rejeição da tecnologia, mas uma reorientação do olhar. A tecnologia pode servir a vida, mas só se aprender com ela.
A planta não domina o ambiente, adapta-se, comunica e negocia. Emite compostos voláteis que alertam as vizinhas perante herbívoros, ajusta o crescimento das raízes consoante a presença de outras espécies, troca recursos e sinais através das complexas redes subterrâneas que unem fungos e raízes.
Nas comunidades vegetais, cooperação e competição coexistem. As plantas disputam luz, água e nutrientes quando o ambiente o exige, mas também favorecem a sobrevivência de outras, criando uma teia de equilíbrios que mantém o conjunto estável. A inteligência vegetal manifesta-se nesta convivência dinâmica, em que cada organismo encontra o seu espaço sem comprometer o todo.
Esta inteligência relacional e ecossistémica, documentada em várias décadas de investigação científica, constitui um modelo de cooperação que a humanidade ainda não conseguiu reproduzir.
Num tempo em que se fala de redes inteligentes e inteligência artificial, poderíamos reconhecer que as plantas operam algumas das mais antigas e sofisticadas redes do planeta. As suas ligações subterrâneas revelam uma conectividade ecológica notável, mediando trocas de carbono, nutrientes e sinais químicos entre organismos vivos.
No coração desta complexidade, as plantas ensinam o que esquecemos. A força nasce da cooperação, não da conquista. Não competem pela glória, não acumulam poder, não erguem monumentos à própria existência. Trabalham pelo equilíbrio do todo.
E é nessa plasticidade silenciosa, fruto de milhões de anos de adaptação, que reside a sua resiliência.
Quando o ambiente muda, transformam-se. Quando tudo à volta colapsa, regeneram-se. Enquanto as nossas infraestruturas sucumbem ao calor, à seca ou à inundação, as plantas persistem, reinventando o mundo a partir do que resta.
Ao longo da evolução, a natureza aperfeiçoou processos de eficiência e interdependência que a tecnologia humana só agora começa a compreender. O que chamamos inovação é, muitas vezes, apenas eco do que as plantas praticam há milhões de anos.
Há sementes capazes de germinar após séculos adormecidas, árvores que ressurgem de troncos queimados, florestas que renascem das cinzas. A tecnologia, perante um colapso, apaga-se. A natureza, perante o mesmo, recomeça.
A crise climática é o espelho desta arrogância. Tentamos resolvê-la com geoengenharia, drones polinizadores, satélites de monitorização e esquecemo-nos de que a própria biosfera já possui os mecanismos de reparação que procuramos imitar.
O restauro ecológico e a reflorestação bem planeada oferecem remoções de carbono com múltiplos benefícios e custos competitivos, sendo complemento indispensável à redução drástica das emissões de carbono.
Regenerar solos é mais inteligente do que fabricar fertilizantes sintéticos. Restaurar ecossistemas é mais duradouro do que qualquer projeto de compensação digital.
O que falta não é tecnologia, é humildade. Falta-nos reaprender a escutar. A reconhecer que cada planta é uma forma de pensamento encarnado, uma expressão de equilíbrio entre economia e generosidade. Ela não desperdiça, mas também não retém.
Produz o suficiente para viver e, ao fazê-lo, cria abundância à sua volta. Este é o oposto da lógica humana, que confunde crescimento com acumulação.
Quando Mancuso defende que o futuro depende das plantas, não recorre à metáfora. Apoia-se na realidade biológica de que toda a vida terrestre repousa sobre elas. São as plantas que mantêm o equilíbrio da atmosfera, regeneram o solo e sustentam a teia da vida que nos inclui.
Mesmo as máquinas que julgamos tão nossas dependem delas, direta ou indiretamente. Do algodão ao papel, da madeira aos biocombustíveis, muito do que usamos passa pela teia verde que nos alimenta e abriga.
E, no entanto, ainda olhamos para as plantas como cenário. Jardins como ornamento, árvores como obstáculo, floresta como recurso. A cegueira antropocêntrica impede-nos de ver que é justamente essa comunidade vegetal que tem mantido o equilíbrio de um planeta em convulsão. O futuro, se o houver, será escrito com clorofila.
A humanidade prosperará não quando dominar a natureza, mas quando se reconhecer parte dela. As cidades do futuro não serão apenas inteligentes, serão porosas, permeáveis, atravessadas por raízes.
Os edifícios não terão apenas sensores, terão muros vivos, coberturas verdes, corredores de biodiversidade. A economia que vier a seguir não será digital, será ecológica. E a sabedoria que guiará essa mudança não virá de um algoritmo, mas do silêncio do bosque.
As plantas são as verdadeiras engenheiras do planeta. Aperfeiçoaram a fotossíntese, captando energia solar com extraordinária eficiência bioquímica. Criaram sistemas de armazenamento e redistribuição de recursos.
Construíram redes de comunicação subterrâneas que mantêm florestas unidas. São mestres em eficiência energética e circularidade. São o modelo que procuramos imitar e o reflexo da harmonia que perdemos.
Acreditar que a solução para o futuro da humanidade virá da tecnologia é persistir na mesma ilusão que nos trouxe até aqui, a de que podemos resolver um problema de separação com mais separação.
O futuro abre-se quando aceitarmos aprender com as plantas, reconhecendo no ritmo da Terra a medida do que importa. Elas não falam, mas ensinam. Vivem na lentidão fértil, onde cada gesto é necessário e cada transformação, essencial.
E quando soubermos crescer sem invadir, transformar sem destruir e florescer em equilíbrio com o que nos rodeia, talvez possamos, enfim, dizer que evoluímos

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