Um novo relatório faz uma avaliação integral da terceira rodada de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que são fundamentais para a implementação do Acordo de Paris. Aqui, analisamos quatro dos eixos que serão discutidos na COP30.
“Dez anos após sua adoção, podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que o Acordo de Paris está dando resultados reais. Mas ele precisa funcionar de forma muito mais rápida e justa, e essa aceleração deve começar imediatamente.” A declaração é de Simon Stiell, Secretário Executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), após a apresentação, nesta terça-feira (28), do Synthesis Report,
relatório sobre a nova rodada dos planos climáticos que os governos devem apresentar para avançar na implementação do Acordo de Paris.
Esses planos são conhecidos tecnicamente como
Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês). Neles, a cada cinco anos e de forma cada vez mais ambiciosa, os países devem compartilhar seus compromissos e ações de
mitigação e adaptação. A soma de cada compromisso de redução de emissões deve contribuir para limitar o aquecimento global a menos de 1,5 °C, principal meta do acordo firmado em 2015.
O dia 10 de fevereiro de 2025 era a data final para os países apresentarem essa terceira edição das NDCs, mas poucos cumpriram o prazo. Em diversas ocasiões ao longo do ano, a ONU e a presidência brasileira da COP30 convocaram as Partes a fazer suas respectivas apresentações.
O relatório apresentado hoje pela Convenção inclui as 64 novas NDCs que 64 Partes apresentaram formalmente entre 1º de janeiro de 2024 e 30 de setembro de 2025. Estão incluídos os compromissos anunciados pela China e pela União Europeia na Assembleia Geral em Nova York, em setembro? Não na análise geral, porque foram apenas discursos anunciando metas que, naquele momento, não vieram acompanhados da publicação formal dos documentos de NDC completos e detalhados, mas foram incluídos em algumas estimativas específicas.
Também estamos cientes de que os dados contidos no relatório oferecem uma visão bastante limitada, uma vez que o total das NDCs que ele resume representa cerca de um terço das emissões globais.Simon Stiell, Secretário Executivo da UNFCCC
O que o relatório revela sobre esta terceira rodada de NDCs? A seguir, aprofundamos cinco das conclusões da análise que estão vinculadas aos principais temas a ser discutidos na COP30 em Belém.
1- Uma tendência à redução de emissões, ainda sem os maiores emissores
Todos os anos, a principal expectativa em relação ao relatório é qual será a soma total dos compromissos de redução de emissões dos países. Em outras palavras: o quanto estamos perto ou longe de limitar o aquecimento a menos de 1,5°C? Esta edição parte de uma realidade específica: os maiores países emissores ainda não apresentaram seus planos climáticos.
“Este relatório apresenta apenas uma visão parcial. Os principais emissores, como China, União Europeia e Índia, ainda não apresentaram formalmente suas NDCs atualizadas, enquanto vários países em desenvolvimento estão demonstrando como a ação climática pode ser integrada às oportunidades de desenvolvimento”, disse Kaysie Brown, diretora associada de Diplomacia Climática e Geopolítica da E3G.
As 64 NDCs analisadas só cobriram cerca de 30% do total das emissões globais em 2019. O cumprimento dos compromissos de mitigação permitiria uma redução de 17% nas emissões em relação aos níveis de 2019. “De acordo com suas NDCs, as partes estão reduzindo ainda mais as suas curvas de emissões, mas ainda a uma velocidade insuficiente”, afirma o relatório.
“Celebrar uma redução de 17% nas emissões até 2035, quando o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) nos diz que precisamos de 60%, é profundamente enganoso. É uma ilusão de avanço”, disse à InfoAmazonia Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, e acrescentou: “Sim, há avanços na economia real. Mas não se vê um resultado correspondente na política. A pior coisa que pode acontecer agora é a negação na COP30. Os líderes devem transformar o mal-estar político em uma resposta coletiva em Belém.”
As ações com maior potencial para atingir esses objetivos seriam florestamento e reflorestamento, energia solar, eletrificação de veículos e redução de emissões da agricultura.
Em relação a um dos temas que já gera debates no período que antecede a COP30 – a transição que deixe para trás os combustíveis fósseis – quase metade das NDCs analisadas apresentou objetivos quantitativos para reduzir uma proporção de combustíveis fósseis em sua geração de eletricidade até 2030.
A esse respeito, Camila Mercure, coordenadora de Políticas Climáticas da
Fundación Ambiente y Recursos Naturales, avalia: “No setor energético, e de acordo com o apelo do Balanço Mundial a uma transição que abandone os combustíveis fósseis, é essencial que as NDCs estabeleçam roteiros claros e progressivos para descarbonizar as matrizes, garantindo que a transição busque a suficiência energética e o acesso universal, acessível e contínuo à energia para pessoas e territórios.”
2- Mais foco na adaptação
Setenta e três por cento das 64 NDCs apresentadas incluíram um componente de adaptação, ou seja, como se preparar melhor diante dos impactos atuais e futuros das mudanças climáticas.
As principais áreas em que esses países estão concentrando suas políticas de adaptação são segurança alimentar e nutrição, recursos hídricos, saúde, ecossistemas terrestres e setores econômicos estratégicos.
As secas apareceram como o fator climático de maior impacto sobre os países que apresentaram planos, com consequências sobre recursos hídricos, ecossistemas terrestres, pobreza e meios de subsistência. As inundações afetam principalmente áreas urbanas e rurais, transporte, infraestrutura e saúde. E o aumento do nível do mar ameaça áreas costeiras, ecossistemas oceânicos, património cultural e turismo.
Em comparação com os planos anteriores dessas 64 partes, observou-se um aumento no número de países que descreveram o estado de seus Planos Nacionais de Adaptação e identificaram sinergias e cobenefícios entre medidas de adaptação e mitigação.
Dos planos que incluíram políticas de adaptação, 94% se referiram a perdas e danos causados pelos impactos das mudanças climáticas. Isso demonstra um aumento no interesse pelo tema, em comparação com os 68% dos países analisados que os haviam mencionado em planos anteriores.
O dado importante: os países apontaram a necessidade de financiamento e capacitação para lidar com perdas e danos. O Fundo de Perdas e Danos, estabelecido na COP27 em 2022, ainda está em fase de detalhamento para começar a funcionar, e ainda não tem recursos financeiros suficientes.
3- O financiamento necessário e transversal
Dos 64 novos planos apresentados, 56 apresentaram informações sobre financiamento. Mais especificamente, a maioria se referiu ao que é necessário para implementar suas políticas climáticas.
Os governos aguardam que Azerbaijão e Brasil, que ocuparam as presidências da COP29 e da COP30, divulguem o relatório do Roteiro de Baku a Belém, sobre como aumentar o financiamento de 300 biliões de dólares para 1,3 trilião. Enquanto isso, 33 partes divulgaram cifras orçamentárias concretas sobre o apoio de que necessitam: cerca de 1,97 bilhão de dólares, em conjunto.
Em que atividades esse dinheiro seria usado? Em políticas de redução de emissões nos setores de energia, agricultura e gestão de resíduos, e em políticas de adaptação em agricultura e segurança alimentar, recursos hídricos, saúde e água.
“A maioria dos países em desenvolvimento condicionou grande parte de suas NDCs ao acesso a financiamento internacional, transferência de tecnologia e apoio à capacitação, ressaltando que fechar a lacuna do financiamento climático é essencial para fechar a lacuna de ambição”, disse à InfoAmazonia Rebecca Thissen, coordenadora de global de incidência da
Climate Action Network (CAN). E acrescentou: “Os países em desenvolvimento deixaram claro que sua ambição não é limitada pela visão, e sim pelos recursos.”
Além do valor em dinheiro em si, os países divulgaram desafios e limitações financeiras enfrentados na implementação de seus planos climáticos. Isso inclui acesso limitado e tardio ao financiamento devido a processos burocráticos longos e complexos, e dificuldades na mobilização de financiamento privado devido à baixa rentabilidade em setores vulneráveis, à percepção de altos riscos, ou mesmo ao escasso interesse dos investidores em medidas de adaptação.
“O relatório destaca que o apoio internacional previsível, acessível e ampliado não é esmola, e sim a condição para se implementar a ambição já incorporada às NDCs dos países em desenvolvimento. Isso deve ser acompanhado por uma reforma ambiciosa dos sistemas financeiros atuais, criando o espaço fiscal e político de que os países em desenvolvimento precisam para acelerar sua transição justa”, comenta Thissen.
Considerando que 69% do financiamento climático mobilizado em 2022 se deu na forma de empréstimos, não surpreende que uma barreira a mais seja o peso da dívida e as restrições fiscais geradas pelas modalidades de financiamento baseadas em mais endividamento em nome da ação climática. Esse foi um elemento qualitativo não resolvido pela nova meta de financiamento climático – a
NCQG – decidida na COP29 anterior.
“As NDCs não são apenas compromissos climáticos, mas também o prospecto de investimento de um país, ou seja, o sinal mais claro para os mercados globais sobre onde se alinharão as políticas e oportunidades”, comentou María Mendiluce, diretora executiva da
We Mean Business Coalition, e acrescentou: “Governos e empresas devem trabalhar juntos para criar as condições fiscais e financeiras que façam com que a energia renovável, a eficiência e a resiliência sejam os investimentos mais atrativos em todos os setores.”
4- Um interesse cada vez maior nos mercados de carbono
Na rodada anterior, 64% das Partes que apresentaram novas NDCs haviam manifestado interesse em participar dos mecanismos de mercado de carbono previstos no Artigo 6 do Acordo de Paris (que os regula), como forma de atingir seus objetivos climáticos. Agora, esse número subiu para 89%, incluindo países como Brasil e Indonésia, o que demonstra um crescimento considerável do interesse pelo tema.
O relatório também tem uma motivação a mais: finalizar os detalhes de implementação do Artigo 6 na COP29 abre caminho para que mais países comecem a pensar em seus marcos regulatórios, jurídicos e institucionais para se envolver nos mercados de carbono e se beneficiar deles. Na verdade, os que os países têm mais intenção ou possibilidades de usar são o Artigo 6.2, sobre o comércio de redução de emissões entre países, e o Artigo 6.4, que trata do novo mercado internacional de carbono, sobre os quais houve decisões em Baku.
Maximiliano Manzoni, diretor da
Consenso e jornalista especializado em mercados de carbono, disse à InfoAmazonia que identifica diversos problemas com a intenção de muitos países desenvolvidos de cumprir seus compromissos climáticos usando os mercados de carbono de acordo com o Artigo 6.
“Um problema essencial é que os países do Sul Global acabarão subsidiando, com suas florestas, os custos de mitigação dos países do Norte Global, transferindo esse carbono, ao mesmo tempo em que os do Norte podem alegar estar apoiando com financiamento climático”, diz Manzoni.
E mais: “Outro problema é que, sem normas firmes, essas transferências de carbono capturado pelos países do Sul Global para as NDCs do Norte aumentarão os custos de mitigação dos países em desenvolvimento e, em casos mais extremos, os colocarão na difícil situação de aceitar acordos desiguais como única forma de ter acesso a dinheiro para suas próprias necessidades de mitigação e adaptação.”