1 - Eu sei que o magistério é honor, mas sei, outrossim, que também é - e principalmente - ónus, o que, dito em português de lei, se pode assim exprimir: eu sei que ensinar é uma honra, mas sei também que, a par disso, é um peso, e dos maiores.
A honra é o inefável da profissão. O peso é o trabalho extenuante de todos os dias, para abrir os espíritos à luz da verdade, às emoções do belo, aos sentimentos de uma doce humanidade.
Pois dai-me amor, tal e tanto, que eu possa, sem desfalecimentos, abrir esses espíritos para a luz da verdade, para as emoções do belo, para os sentimentos da doce humanidade. Fazei com que eu consiga o milagre - que o não há maior - de lapidar brutos diamantes, para que, de si, despeçam todo o fulgor possível; de fazer, da natureza humana, uma obra-prima de curiosidade alerta para todos os segredos do mundo, uma inteligência capaz de ler as relações que ligam as coisas entre si; uma vontade capaz de vencer todas as adversidades; um poder de iniciativa que meta todas as lanças na áfrica das dificuldades; um espírito critico que deite por terra
todas as superstições; uma fé que remova todos os obstáculos à realização de um mundo melhor.
2 - Fazei que eu consiga insinuar na alma dos meus alunos o formoso dito de Lessing: «Se Deus me desse, na sua mão direita, a verdade já acabadinha, e, na sua mão esquerda, a possibilidade de eu a descobrir pelo meu próprio esforço, não hesitaria: eu me decidiria pela segunda dádiva, contra a primeira».
3 - Dai-me discípulos que de mim precisem, só temporariamente. Sei, com um saber de experiências feito, que os discípulos que mais honram os mestres não são aqueles que os seguiram servilmente, mas antes os que, em tempo oportuno, souberam conquistar a sua carta de alforria. Nada melhor do que passar pelos mestres, com a condição, porém, de tudo fazerem, para deles se libertarem, com rumo à sua individualidade específica. Dos discípulos subservientes não reza a história, a não ser para lhes dar as zabumbadas da troça.
O educador, para merecer este título, deve ser, acima de tudo, um electrizador de espíritos, um catalisador de específicas originalidades. O seu papel não é substituir-se ao educando, mas, pelo contrário, propiciar que este se afirme, o mais possível, sui generis e sui juris. Criará nele o sentimento. da auto-desconfiança, a fobia de tutelas que lhe minimizem a personalidade. Despertará nele o gosto da resposta de conta própria, contra a resposta meramente psitacista.
(...)
in Malpique, Cruz (1976). O binómio mestre-discípulo : duas súplicas e um juramento / pelo Dr. Cruz Malpique – Conferência Porto: Imprensa Social
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