domingo, 31 de agosto de 2025

Sobre a Arte


"A arte é a contemplação; é o prazer do espírito que penetra a natureza e descobre que a natureza também tem alma."  ~ Auguste Rodin
Minha arte digital.

Anna von Hausswolff — The Whole Woman (ft. Iggy Pop)


The Whole Woman
Anna von Hausswolff

Listen to me
I'm stronger than I seem
'Cause I've been through this huge emotion
Now I'm not afraid to go down
To the harbor
And to see you once again
I'll tell you the whole truth
And you will see me as the woman I am

I cannot escape
The mistakes that you've made
But I know it in my heart
And I knew it from the start

When I see you, I lose my faith
I lose my time, I lose my days
The reality is far away
When you say my name

I want you to be here
I want to see you, I want you near
I wanna touch you, smell your hair
Feel your lips everywhere

Somewhere in the dawn
I have hopes to see your face
But you're stuck inside a lie
I hope you'll carry my name

Oh, the ocean in our hearts
Will it bring us more apart?
If I tell you who I am
Will you love me as the woman I am?

The story in the sand (of who I am)
Protected by your hand (of who I am)
The dream wash over thee
And unleash your seeds on me

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Cartel da banca: bancos não têm de pagar nada pelas infrações cometidas em 11 anos



O Tribunal Constitucional rejeitou uma segunda tentativa da Autoridade da Concorrência (AdC) no caso conhecido como 'cartel da banca' para reverter a anulação das coimas de 225 milhões de euros aos bancos.

Num acórdão de 25 de agosto, a que a Lusa teve acesso, a conferência do Tribunal Constitucional (TC) indefere a reclamação do regulador da concorrência contra o facto de, em junho, o juiz-conselheiro Afonso Patrão ter rejeitado admitir o recurso que a AdC submeteu para apreciar a constitucionalidade do processo.

Com esta segunda decisão, o TC recusa de forma definitiva apreciar se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que declarou o processo prescrito é, ou não, conforme com a Constituição da República Portuguesa e com o direito da União Europeia (UE).

O litígio chega agora ao fim com este acórdão, fazendo transitar em julgado a decisão do TRL que declarou a prescrição e que anulou as coimas aos 11 bancos condenados pelo Tribunal da Concorrência.

Para o TC, a questão de inconstitucionalidade colocada pela AdC "não tem natureza normativa, sendo, por isso, inidónea a fiscalização concreta da constitucionalidade".

Segundo o acórdão, o tribunal entende que a AdC não lhe solicitou "que interprete a Constituição em consonância com o direito da União Europeia", antes que analisasse "a alegada desconformidade da interpretação seguida pelo tribunal a quo [Relação de Lisboa] com o direito da União Europeia num problema de inconstitucionalidade com referência, por um lado, ao valor que a Constituição atribui ao direito da UE e, por outro, à eficácia jurisdicional do direito da UE". Por isso, entendeu rejeitar analisar a decisão tomada pelo TRL.

A 20 de setembro de 2024, o Tribunal da Concorrência deu como provado que, de 2002 a 2013, os principais bancos do mercado português agiram em "conluio" para falsear a concorrência e confirmou as coimas aplicadas pela AdC em 2019.

Nessa instância ficou provado que as instituições trocavam informação de forma regular por telefone e por email para enviar dados aos concorrentes sobre os 'spreads' que iam praticar e sobre os volumes de crédito já concedidos.

Os bancos recorreram da decisão da primeira instância para o TRL, onde um coletivo de juízes declarou a contraordenação prescrita, por considerar que no período em que o processo esteve a ser analisado no Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) o processo não ficava suspenso para efeitos de contagem da prescrição.

A decisão no TRL foi tomada sem unanimidade, com um dos três juízes do coletivo a discordar que o processo estivesse prescrito.

A AdC e o Ministério Público recorreram para o TC para tentarem travar a anulação das coimas, mas logo num primeiro momento o tribunal rejeitou o pedido.

Foi contra essa decisão que a AdC apresentou a reclamação agora rejeitada.

Tal como o TC, o TRL também não analisou se a conduta dos bancos infringiu, ou não, a concorrência, porque, no ponto de partida, considerou os autos prescritos.

À Lusa, fonte oficial da AdC reagiu à decisão do TC afirmando que "fez tudo o que pôde para que esta infração à lei da concorrência fosse punida, até porque foi confirmada" por duas instâncias judiciais (o Tribunal da Concorrência e o TJUE).

"Esta decisão da conferência do TC não retira razão à AdC", afirma a instituição liderada por Nuno Cunha Rodrigues, lembrando que o TCRS "confirmou os factos" e que o TJUE confirmou que se tratava de "uma infração por objeto (expressão do direito da concorrência que qualifica as infrações como tão graves que dispensam a prova de efeitos nos consumidores)".

Os bancos que veem as coimas anuladas são a CGD (82 milhões de euros), BCP (60 milhões), Santander (35,65 milhões), BPI (30 milhões) Banco Montepio (13 milhões de euros), BBVA (2,5 milhões), BES (700 mil), BIC (500 mil), Crédito Agrícola (350 mil), UCI (150 mil). O Barclays também foi condenado, mas sem ter de pagar coima por ter denunciado o caso à AdC.

A Autoridade da Concorrência (AdC) afirmou ter feito todos os esforços para que os bancos envolvidos no ‘cartel da banca’ fossem sancionados pelas infrações cometidas entre 2002 e 2013.

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

A Doutrina Invisível - A História Secreta do Neoliberalismo

O neoliberalismo (eu sugeria anarco-capitalismo) instalou-se nas nossas vidas como se fosse algo natural. Geralmente temos dificuldade em defini-lo e em perceber o mal que nos pode trazer. Este livro vem mudar isso.

Que somos nós? Éramos cidadãos, mas, hoje, parece que fomos reduzidos a consumidores. Da década de 1930 para cá, a ideia de que é a competição que nos define como espécie foi sendo adoptada e alimentada por elites, determinadas em preservar as suas fortunas e o seu poder. Think tanks, corporações, os media, as universidades e os políticos tornaram-se a força motriz para difundir e cristalizar uma ideologia que nos esvazia enquanto pessoas, que exclui direitos e promove o neoliberalismo como doutrina que regula, secreta e silenciosamente, a nossa existência. Mas o que é o neoliberalismo? Por que razão estamos subjugados a ele?

George Monbiot e Peter Hutchison traçam a história do nascimento e da ascensão do neoliberalismo. Os autores argumentam que o neoliberalismo está por trás de crises como as alterações climáticas, a precariedade dos serviços públicos, as catástrofes financeiras e a pobreza infantil, tudo isso enquanto enfraquece a democracia em favor do poder económico.

O livro também conecta o neoliberalismo ao ressurgimento de formas autoritárias de governo e propõe uma alternativa de democracia participativa baseada no conceito de "suficiência privada, luxo público".

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Palestina - Música como Resistência


O professor de música palestiniano Ahmed Muin lidera os seus alunos da Cidade de Gaza com canções a cappella. Em Gaza, até as vozes resistem, erguendo-se acima do zumbido incessante dos drones.

No dia 14 de agosto de 2025 o  Cardeal Matteo Zuppi, presidente da Conferência Episcopal Italiana e arcebispo de Bolonha. , conduziu um vigília de oração que durou cerca de sete horas, durante a qual leu em voz alta, nome por nome, 12 211 crianças palestinianas e 16 crianças israelitas mortas desde o início da guerra entre Israel e Hamas, a partir de 7 de outubro de 2023. O registo continha 469 páginas, e os nomes foram lidos num local simbólico: as ruínas da igreja de Casaglia, em Monte Sole de Marzabotto, palco de um massacre nazi em 1944.

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Por Dentro do Mossad

Sobre a trilogia de Margaret Atwood

Estive a ler a trilogia de Margaret Atwood: "Órix e Crex", "O Ano do Dilúvio" e "Maddaddman". Excelente. Temos que ler os 3 livros porque há interconexão narrativa. Sem ser desmancha-prazeres, eis alguns tópicos que podem despertar-vos para a sua leitura.

1. Órix e Crex
Narrado sobretudo por Jimmy (também chamado "Homem das Neves"), sobrevivente de uma catástrofe global.
Explora a amizade de Jimmy com Crake, um génio da biotecnologia que cria os "crakers", seres humanos geneticamente modificados para viver sem violência, religião ou competição.
Órix, figura misteriosa, é uma mulher marcada pela exploração sexual e torna-se chave na relação entre os dois amigos e na criação dos crakers.
O romance aborda bioengenharia, extinção, consumismo e desumanização.

2. O Ano do Dilúvio
Corre em paralelo temporal a Órix e Crex, mas com outra perspectiva. Segue Toby e Ren, membros de uma eco-seita chamada "Os Jardineiros de Deus", que defendem a preservação da vida e uma ética ecológica em contraste com o mundo corporativo e destrutivo em redor.
Mostra a degradação ambiental, a exploração animal e a desigualdade social.
O "Dilúvio Secular" anunciado pelos Jardineiros (uma catástrofe biotecnológica/pandémica) concretiza-se.

3. MaddAddam
Conclui a trilogia, unindo as linhas narrativas anteriores.
Mostra os sobreviventes humanos a tentar conviver com os crakers e outras espécies geneticamente alteradas.
Inclui a narrativa de Zeb e da sua ligação com Toby, trazendo à luz histórias sobre fanatismo, violência e resistência.
Explora como mitos e narrativas são criados para dar sentido ao mundo e como podem fundar novas sociedades.

Temas centrais da trilogia
Biotecnologia e manipulação genética – questiona os limites éticos da ciência.
Colapso ecológico e social – crítica ao capitalismo corporativo, à exploração ambiental e ao consumismo.
Religião e mito – mostra como as histórias moldam identidades e sobrevivência.
Humanidade vs. pós-humanidade – pergunta o que significa ser humano num mundo de criações artificiais.
Esperança e reconstrução – apesar da distopia, abre espaço para reinvenção e novas formas de vida.

Em resumo, a Trilogia de Margaret Atwood, é uma poderosa reflexão sobre o futuro da humanidade perante as crises ecológicas e tecnológicas que ela própria engendra. Ao explorar a manipulação genética, o colapso ambiental e o poder das corporações, a autora expõe os riscos de um progresso sem ética. Mas, para além da distopia, a obra sublinha a necessidade vital das narrativas: são as histórias — mitos, memórias e lendas — que permitem aos sobreviventes reinventar-se e encontrar sentido. Em última análise, Atwood mostra que contar histórias é uma forma de resistir, de criar comunidade e de sobreviver.

sábado, 23 de agosto de 2025

Entre o negro das cinzas e as cores de uma borboleta: o pouco que resta do “vazio” da Bio-Reserva do Vale da Aveleira

Logo no primeiro dia em que foi à Bio-Reserva verificar os estragos do incêndio, Manuel Malva captou em fotografia uma das "tristezas" que lhe passou pelas mãos: uma borboleta morta, perdida no meio do cinzento que ainda há poucos dias tinha sido verde. O vice-presidente da Milvoz acredita que a borboleta noturna quadripunctaria tenha morrido devido à onda de calor enquanto voava, caindo depois no solo já ardido.


Um incêndio devastador consumiu, na passada sexta-feira, grande parte da Bio-Reserva Integral do Vale da Aveleira, situada na encosta norte da Serra da Lousã, no distrito de Coimbra. Manuel Malva, biólogo e vice-presidente da Milvoz - Associação de Proteção e Conservação da Natureza -, revela em entrevista à SIC Notícias, que arderam entre 55 a 60 hectares de um total de 70 hectares que compõem a área total da reserva.

Reconhecida pela “elevada importância de conservação” e integrada na rede Natura 2000, a Bio-Reserva Integral do Vale da Aveleira “tem, ou tinha” (como Manuel Malva ainda hesita em afirmar), uma vegetação representativa de séculos, tornando-se um bosque raro, uma vez que são cada vez menos aqueles que conseguem resistir.

O fogo começou no dia 14 de agosto no Candal, uma aldeia de xisto no coração da Serra da Lousã, e “em poucas horas, assumiu uma dimensão e violência avassaladoras”. Ao final da manhã do dia seguinte, a Bio-Reserva já se encontrava cercada pelas chamas, “num cenário marcado por temperaturas muito elevadas e fenómenos extremos de vento”, descreve o comunicado da Milvoz.

Ainda numa primeira avaliação, foi possível perceber que se preservaram algumas das zonas mais nucleares do bosque, mas “uma percentagem muito grande, na sua totalidade, foi completamente perdida ou está severamente afetada”, lamenta o biólogo.

Num cenário de “verdadeira calamidade ecológica”, como descreve a associação, “grande parte dos habitats maduros sucumbiu ao fogo", incluindo os inúmeros castanheiros centenários, o medronhal climácico, os azinhais, os adernais e parte dos bosques de azereiro.

“As dezenas de castanheiros centenários que tínhamos eram absolutamente monumentais. Eram uma das joias da Bio-Reserva. Íamos iniciar um projeto para datar algumas dessas árvores, que poderiam ter 400 ou até 500 anos, mas apesar de ainda não termos conseguido contabilizar, perdemos a maioria”, antecipa o vice-presidente da Milvoz.

Foi uma mortandade gigantesca
O fogo avançou a uma “velocidade assustadora” e “grande parte dos animais não conseguiu escapar”.

Ainda sem conseguir avançar números, o biólogo explica que, durante as visitas ao terreno, viu muitos animais “cansados, queimados ou feridos”, que terão agora de “dispersar para áreas da serra que não arderam, embora muitos provavelmente não o conseguirão fazer”.

“É uma tristeza muito profunda caminhar numa paisagem em que tudo foi reduzido a cinzas e, de repente, encontrar uma borboleta tão singela, tão frágil, que de alguma maneira é um dos poucos elementos que resistiu ao local, além do negro e das cinzas”, descreve.

“É uma tragédia que já estava anunciada, mas os culpados irão ser chamados à sua responsabilidade”

Manuel Malva alerta que a Serra da Lousã tem um “problema ecológico grave”, resultado de “décadas de inação por parte das entidades que que supostamente gerem a serra, com particular foco no Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF)".

"A invasão biológica por acácias foi ignorada durante anos, e ninguém demonstrou interesse em controlar a situação quando ainda havia tempo”, aponta.

“O Estado Português acumula mais de 10 anos de incumprimento. Ao longo desse tempo deveriam ter sido implementadas medidas de gestão ativa para a preservação desta Zona Especial de Conservação e para evitar tragédias como as que acabam de acontecer”, salienta o comunicado da Milvoz.

O biólogo considera tratar-se de uma "tragédia que já estava anunciada”, sobretudo pelo “enorme desleixo” por parte das entidades estatais face à “gestão da paisagem da serra, que nunca foi feita devidamente”.

"Temos extensíssimas áreas da serra que estão cobertas por eucaliptos, por acácias, por pinhal não gerido e esse tipo de floresta é um autêntico barril de pólvora”, acrescenta em entrevista, salientando que "esta situação da Lousã é representativa de um cenário que se multiplica por toda a paisagem do Norte e Centro de Portugal".

A solução, conclui o vice-presidente da Milvoz, passa por atuar na base do problema: “tornar a paisagem muito mais resistente e resiliente a estas catástrofes".

Para já, fica a sensação de “desilusão” e “vazio” naqueles que conheciam bem a Bio-Reserva Integral do Vale da Aveleira e a viram, em questão de horas, passar de um local "tão pujante de vida’ para um "cenário lunar, completamente negro”, retrata Manuel Malva.

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Antes que tudo arda

Incêndio em Avô (Oliveira do Hospital)

Em 2017, Portugal enfrentou uma das suas maiores tragédias coletivas: o incêndio de Pedrógão Grande. Uma ferida que destruiu vidas, memórias e esperanças, e expôs a vulnerabilidade estrutural do país. Nesse ano, após ouvir diferentes vozes ligadas à prevenção e ao combate, preparei uma breve síntese sobre a situação da floresta portuguesa. O retrato era conhecido, mas revelou-se devastador: um mosaico desordenado de pequenas propriedades essencialmente privadas, muitas abandonadas; política florestal errática e ausente no terreno; uma vigilância insuficiente; proteção civil dependente de participação voluntária; meios aéreos privados caros, mas ainda assim ausentes; comunidades rurais envelhecidas e esquecidas. Em síntese: uma floresta frágil, altamente inflamável, e um Estado incapaz de salvaguardar o interesse público.

Passaram oito anos. Houve avanços: destacaria o BUPi e os processos de emparcelamento que abriram caminho para resolver a fragmentação fundiária; a criação da AGIF (Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais) e a sua ação programática trouxe mais visibilidade e expressão territorial à política florestal; a vigilância tecnológica progrediu; a proteção civil incrementou a capacidade de intervenção e preparação; a contratação de meios aéreos tornou-se mais transparente, mas ainda assim ineficaz.

No essencial, os bloqueios estruturais mantêm-se intactos. A floresta continua dividida, sem escala para uma gestão eficiente e transformadora. As políticas públicas do setor transitaram entre ministérios, mas permanecem sem coerência e incapazes de inspirar a confiança que o problema exige. A vigilância tecnológica cobre apenas parte da realidade diversa do país. A proteção civil, mais preparada, continua excessivamente dependente de esforço voluntário. O papel das Forças Armadas mantém-se episódico e sem coordenação local. Os projetos-piloto de mosaicos resilientes existem, mas são insuficientes para travar tendências e implementar a transição florestal, e as comunidades rurais continuam esmagadas pela burocracia e pelo abandono.

A verdade é que pouco mudou. A floresta portuguesa continua refém de interesses sobrepostos, centralismo sufocante e ausência de reformas estruturais que integrem floresta, agricultura, água e biodiversidade num mosaico vivo e resiliente. A acumulação descontrolada de biomassa, alimentada pelo abandono rural, transformou vastas áreas em depósitos de combustível à espera da próxima ignição. E manter grandes extensões de monocultura inflamável, num contexto climático cada vez mais adverso — com secas mais longas, ondas de calor mais intensas e ciclos de incêndio cada vez mais prolongados — é prolongar a catástrofe. É urgente diversificar espécies, apostar em ecossistemas resilientes, combinar produção florestal com regeneração ambiental e colocar a floresta ao serviço da segurança, da economia e da vida.

Esta mudança exige também um novo contrato com a indústria. O setor não pode ser assistente ou comprador de matéria-prima barata e combustível para exportação. Precisa de assumir corresponsabilidade na regeneração, investir em gestão sustentável, inovar em produtos de maior valor acrescentado e comprometer-se com a transição ecológica do país.

O futuro exige cinco escolhas inadiáveis: governança descentralizada com técnicos e meios próximos do território; uma reforma fundiária realista que permita gestão conjunta; a profissionalização parcial do combate, associada à prevenção; a assunção realista e firme do nexo entre floresta, agricultura, água, biodiversidade e clima; e, sobretudo, a reconstrução da confiança social, devolvendo às comunidades o papel de parceiras centrais, com incentivos claros e retorno económico justo.

Se 2017 foi o ano da tragédia, e 2018–2025 o tempo da resposta insuficiente, o próximo ciclo só pode ser o da reforma estrutural. Ou teremos a coragem de transformar a floresta portuguesa em alavanca de resiliência e futuro, ou continuaremos prisioneiros de um ciclo de fogo, abandono e luto.

Antes que tudo arda.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

A maior desregulamentação climática da história dos EUA: Trump quer revogar limites às emissões


Em 29 de julho de 2025, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA), sob a liderança de Lee Zeldin, anunciou a proposta de revogar o chamado endangerment finding — a declaração científica, aprovada em 2009, ainda no governo Obama, de que os gases com efeito estufa (nomeadamente CO₂) representam uma ameaça à saúde pública e ao bem-estar da população, anunciou a revista brasileira Veja. Esta constatação é a pedra angular legal que permite à EPA impor limites às emissões provenientes de veículos, centrais elétricas e operações de combustíveis fósseis.

Zeldin caracterizou esta proposta como “a maior ação de desregulamentação da história dos EUA”, afirmando que remover esta base legal abriria caminho para eliminar as normas existentes e impedir futuras regulações federais. A Veja refere ainda que o líder afirmou: “Estamos a encerrar o que chamo de graal sagrado da religião do clima”.

Para conseguir implementar com mais segurança as suas ideias, a Folha de São Paulo, diz ainda que Trump anunciou cortes de cerca de 65 % no pessoal da EPA, reduzindo significativamente a capacidade operacional da agência para fiscalizar e implementar políticas ambientais.

Mas ainda há luz ao fundo do túnel. Trump ainda não venceu. Um artigo de um só planeta diz que grupos ambientalistas e analistas jurídicos alertam que o plano de Trump enfrenta barreiras legais. Segundo eles, a constatação de 2009 baseia-se numa decisão do Supremo tribunal de 2007 que reconheceu que os gases com efeito de estufa podem ser considerados poluentes atmosféricos. A mesma fonte adverte também que o representante do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais (NRDC), David Doniger, é “praticamente impossível” que a EPA crie uma justificativa sólida para anular a constatação de 2009.

E porque isto é um problema? Por vários motivos, mas um dos mais importantes é que os EUA são o segundo maior emissor do mundo, pelo que andar para trás na regulamentação é colocar o planeta em maus lençóis.

Motivação política e expetativas legais
A política ambiental de Trump está inserida num plano estratégico amplo para resgatar a “dominância energética” dos EUA através dos combustíveis fósseis. Lee Zeldin foi nomeado para a EPA com o compromisso de acelerar desregulações e revitalizar a indústria automóvel e de combustíveis fósseis, diz o Diário de Notícias.

A administração afirma que o plano pouparia cerca de 52 mil milhões de dólares em custos (cerca de 47,84 mil milhões de euros) de conformidade regulatória. “No entanto, analistas legais e ambientais preveem batalhas judiciais intensas, por ferir decisões do Supremo Tribunal que sustentam a autoridade da EPA desde 2007”, lê-se no The Guardian.

Especialistas destacam ainda que empresas já investiram pesadamente em tecnologias limpas e transição energética — e que a instabilidade regulatória pode afastar investimentos duradouros, segundo a Reuters.

Para o The Guardian, se concretizadas, as medidas anunciadas representam um retrocesso sem precedentes na política climática dos Estados Unidos — com efeitos na saúde pública, na confiança institucional, no mercado global de energia limpa e na liderança internacional na emergência climática. Muitas destas medidas ainda estão sujeitas a consultas públicas (fase de 45 dias) e devem enfrentar desafios legais significativos nos tribunais federais.
Revogação das normas de emissões veiculares

Segundo noticiou a agência Reuters, em consequência da revogação da base legal, a EPA pretende também anular todas as normas federais de emissões de gases de veículos e motores, incluindo os limites para CO₂ emitido por escape. A revisão abrangerá também regras associadas, como eficiência de ar condicionado automóvel e monitorização de baterias. O impacto será particularmente grave no setor de transportes — o maior responsável pelas emissões nos EUA.

O relatório de "avaliação crítica" encomendado pelo regime de Trump para justificar este retrocesso na regulamentação climática dos EUA contém pelo menos 100 afirmações falsas ou enganosas, de acordo com um inquérito da Carbon Brief que envolveu dezenas de cientistas climáticos de renome.

Reversão das normas de emissões das centrais elétricas
Estas medidas já estavam a ser cozinhadas há muito. Desde junho de 2025, a administração Trump anunciou a intenção de reverter regulamentos que limitavam as emissões de dióxido de carbono e poluentes tóxicos, como o mercúrio, emitidos por centrais a carvão e gás natural. O argumento oficial é “que essas normas elevam os custos da eletricidade às famílias, enquanto Zeldin defende um “equilíbrio entre proteção ambiental e economia doméstica”, escreve o UOL Notícias.

Além disso, segundo noticiou o site da EuroNews, o governo de Trump considera que centrais elétricas não aumentam a poluição do ar, contudo, a mesma fonte afirma que 19 cientistas climáticos dizem que isso é um “absurdo” qualificando como factualmente incorreta a afirmação de que essas emissões “não contribuem significativamente para a poluição do ar”.

Retirada dos EUA do Acordo de Paris
Também não nos podemos esquecer que a 20 de janeiro de 2025, Donald Trump ordenou a segunda retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, marcando o país como um dos poucos — como Irão, Líbia e Iémen — fora do pacto internacional de redução de emissões, mas 37 estados ainda estão comprometidos com o clima, representando 70% do PIB dos EUA por isso, ainda há esperança.

domingo, 17 de agosto de 2025

"Vamos embora", disse a ministra quando ia a ser confrontada com o que se está a passar nos incêndios


Decisão de não responder a perguntas surge no mesmo dia em que a Proteção Civil admitiu falhas num sistema crucial para os bombeiros (e não só). E há "muita coisa por explicar", está a ser "demasiado mau"
A declaração ao país da ministra da Administração Interna deste domingo durou menos de cinco minutos. Nela, Maria Lúcia Amaral comunicou que o Governo entendeu estender por mais 48 horas a situação de alerta face ao agravar dos incêndios - que já consumiram mais de 170 mil hectares e que, durante os últimos dias, levaram à morte de pelo menos duas pessoas, além de terem provocado destruição e consumido habitações e explorações agrícolas. No final, os jornalistas na sede da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil tentaram fazer perguntas à ministra, mas a Maria Lúcia Amaral recusou-se a responder. "Vamos embora", disse - e depois foi mesmo.

A CNN Portugal questionou a razão por trás desta decisão, mas não obteve resposta. 

A decisão do Ministério da Administração Interna de não responder às perguntas dos jornalistas surge no mesmo dia em que a Proteção Civil admitiu falhas no sistema SIRESP, a rede de comunicações do Estado para comando e coordenação de comunicações em situações de emergência. Um problema que tem sido recorrente de cada vez que o país enfrenta uma crise - aconteceu, por exemplo durante o apagão geral de abril deste ano - e que levou o comandante dos bombeiros Luís Martins a descrever o assunto desta forma à CNN Portugal: "A rede de SIRESP muitas vezes falha e todos os anos falamos disto. É mais do mesmo, é de lamentar que uma das ferramentas importantes dos bombeiros não esteja disponível para o combate." 

Não houve, no entanto, qualquer referência da parte da ministra ao SIRESP, sistema o Governo pretende substituir - depois de em julho ter anunciado uma prorrogação de um estudo técnico com "o objetivo de encontrar uma solução que assegure um sistema de comunicações robusto, fiável, resiliente, tecnologicamente adequado e plenamente interoperável". De resto, as explicações dadas pela ministra abordaram também os fatores naturais que têm prejudicado o combate operacional aos incêndios, como o "agravamento dos ventos" e o "fumo intenso". 

O comandante Jorge Mendes refere à CNN Portugal que há "muita coisa ainda por explicar". "Sabemos neste momento que há bombeiros parados à espera de indicações para combater incêndios. Há zonas de combate que estão sem rede de comunicação. Há um certo desnorte em algumas zonas. Depois de isto tudo ter terminado, espero que as pessoas responsáveis façam uma avaliação e retirem consequências. Isto é demasiado mau, temos Sabugal completamente rodeado de chamas, temos Seia com o mesmo problema. Alguém terá de tirar as suas consequências."

A comunicação da ministra foi feita ao país num momento particularmente difícil no combate às chamas no Sabugal, onde quatro aviões Canadair deram este domingo apoio no incêndio que afeta o concelho raiano da Guarda desde sexta-feira, o que acabou por evitar que as chamas atingissem a aldeia de Rapoula do Côa, que esteve cercada. Os fogos, no entanto, continuam em polos opostos - o que tem dificultado a resposta das autoridades.

Também em Seia, a frente que nasceu em Teixeira passou as Pedras Lavradas, no Parque Natural da Serra da Estrela, e progride “com grande violência” na direção da freguesia da Erada, na Covilhã. Foi também neste município que foi registada a segunda vítima mortal desta vaga de incêndios: tratou-se de um bombeiro que morreu num acidente de viação enquanto se deslocava para um incêndio no Fundão. Em comunicado, a Proteção Civil indicou que o acidente ocorreu pelas 19:10 e que existiram ainda “quatro bombeiros feridos, que estavam a ser resgatados/assistidos pelas equipas de emergência no local”.

Já em Pampilhosa da Serra, a situação tornou-se mais dramática nas últimas horas, com o presidente do município a explicar que o vento "mudou", avançou a "grande velocidade" e que o fogo ficou "completamente descontrolado". “Neste momento a dimensão está de tal maneira... está de tal maneira descontrolado que já não há carros suficientes até para proteger as povoações”, avisou o autarca. 

A situação mantém-se portanto "desfavorável" - nas palavras do Ministério da Administração Interna - dois dias depois de Portugal ter pedido ajuda europeia para responder aos incêndios. O Governo acionou o Mecanismo Europeu de Proteção Civil na sexta-feira após ter rejeitado, num primeiro momento, essa possibilidade. A 7 de agosto, o MAI justificava que o país não precisava de ajuda externa por ter meios suficientes para responder ao avançar dos fogos. "Ainda não chegámos, felizmente, e esperamos e contamos não ter de chegar, à verificação de que já não somos capazes de debelar um problema com os nossos próprios meios", referia, na altura, a ministra. 

Essa decisão criticada pela oposição. No início do mês, o Chega disse que iria questionar o Governo sobre o atraso na ativação do mecanismo e o PS garantiu na altura que o apoio deveria ter sido pedido antes de forma a pré-posicionar meios aéreos para o combate aos incêndios. "O tempo deu-me razão", disse este domingo José Luís Carneiro à CNN Portugal, acrescentando que "há falhas graves de coordenação e essa coordenação precisa urgentemente de um comando político".

Spark & Valer Sabadus - Seemann


A canção “Seemann” (em alemão, Marinheiro) é originalmente de 1960, interpretada por Lolita, um grande êxito da época.

O Rammstein fez uma versão em 1996 no álbum Herzeleid.
No contexto da banda, a letra mantém a essência melancólica da original: fala de solidão, despedida e a ideia de um marinheiro que parte para longe, deixando alguém para trás.

Komm in mein Bootein Sturm kommt aufund es wird Nacht
Wo willst du hinSo ganz alleintreibst du davon
Wer hält deine Handwenn es dichnach unten zieht
Wo willst du hinSo uferlosdie kalte See
Komm in mein BootDer Herbstwind hältdie Segel straff
Jetzt stehst du da an der Laternemit Tränen im GesichtDas Tageslicht fällt auf die Seiteder Herbstwind fegt die Straße leer
Jetzt stehst du da an der Laternehast Tränen im GesichtDas Abendlicht verjagt die Schattendie Zeit steht still und es wird Herbst
Komm in mein BootDie Sehnsucht wirdder Steuermann
Komm in mein BootDer beste Seemannwar doch ich
Jetzt stehst du da an der Laternehast Tränen im GesichtDas Feuer nimmst du von der Kerzedie Zeit steht still und es wird Herbst
Sie sprachen nur von deiner MutterSo gnadenlos ist nur die NachtAm Ende bleib ich doch alleineDie Zeit steht stillund mir ist kalt, kalt, kalt, kalt

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Cigarettes After Sex - Sunsetz


Sun sets, we wander through a foreign town
Strangely, there's nobody else around
See you open your dress and show me your tits
On the swing set at the old playground

And when you go away, I still see you
With sunlight on your face in my rear-view

Sun sets, I wanna hear your voice
A love that nobody could destroy
Took photographs like Brautigan's
Book covers that we both adored

And when you go away, I still see you
With sunlight on your face in my rear-view
This always happens to me this way
Recurring visions of such sweet days

And when you go away, I still see you
With sunlight on your face in my rear-view
When you go away, I still see you
With sunlight on your face in my rear-view

Há pessoas incríveis. Este youtuber transformou uma música dos CAS, colocando imagens do excelente filme de François Truffaut "Jules et Jim" de 1962. Um filme a rever. Paris, início do século XX. Jules (Oskar Werner), um judeu-alemão tímido, e Jim (Henri Serre), um francês extrovertido,  tornam-se grandes amigos. Eles têm muitos dos mesmos interesses, entretanto procuram alcançá-los de forma bastante diferenciada. Em uma viagem para uma ilha um pouco distante da Grécia, eles vêem uma estátua com um sorriso sem igual e quando voltam à Paris conhecem Catherine (Jeanne Moreau), que se parece com a escultura. Logo os três boémios se tornam um trio inseparável e eles têm muitos momentos agradáveis em passeios de bicicletas ou idas à praia. Enquanto o cenário político mundial estremece com a possibilidade da Primeira Grande Guerra, eles estão determinados em aproveitar a vida ao máximo e viver para o momento. Jules se apaixona por Catherine e implora a Jim que a deixe cortejá-la e não interfira. Jim concorda, então o trio vai para o sul da França, onde eles tem primorosas férias. Jules propõe casamento a Catherine, que aceita. Um pouco depois de retornarem a Paris eclode a Primeira Guerra Mundial. Assim Catherine e Jules vão para à Alemanha e os dois homens combatem em lados opostos da guerra. Após o armistício, Jules encontra Jim e pede para ele ir visitá-los em sua casa, um chalé no Rhineland. Jules e Catherine têm uma filha de cinco anos, Sabine (Sabine Haudepin). Jim pode ver imediatamente que o matrimónio está em crise. Catherine fala de todos os seus amantes para Jim, mas Jules quer manter o casamento a todo o custo, apesar do caso dela com Albert (Boris Bassiak), um outro amigo. Quando Jules decide que se ele não pode ter Catherine o melhor amigo dele deve tê-la, ele dá a sua aprovação para eles terem uma ligação. Jules divorcia-se de Catherine e assim ela e Jim podem casar, mas após algum tempo Jules quer vê-la imediatamente. Jim tem que voltar a Paris para um negócio e acaba se reencontrando com Gilberte (Vanna Urbino), uma antiga amante. Isto afeta de forma profunda a sua relação com Catherine, mas muitas coisas mais iriam acontecer.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Trisomie 21 - The Lined Hands Of Afternoon

Serviços prestados pelos abutres podem contribuir milhões de euros para economia nacional até 2048


Apesar da má reputação de que possam gozar, os abutres são espécies fundamentais para a manutenção da saúde e bom funcionamento dos ecossistemas.

Enquanto necrófagos, são elementos centrais dos ciclos de nutrientes, “reciclando” a matéria orgânica de animais mortos, impedindo, por exemplo, o surgimento e proliferação de doenças causadas pela decomposição dos cadáveres.

Agora, um relatório divulgado recentemente pela organização Vulture Conservation Foundation, no âmbito do projeto LIFE Aegypius Return, revela que esses contributos podem ser quantificados e mais valorizados, e são da ordem dos vários milhões de euros.

Os cientistas calculam que os serviços de ecossistema prestados pelos abutres-pretos (Aegypius monachus), pelos grifos (Gyps fulvus) e pelos britangos (Neophron percnopterus, também conhecidos como abutres-do-egito) ascenderam aos 668 mil euros em 2023. O valor divide-se em cerca de 313 mil euros em custos evitados com a eliminação de carcaças (por exemplo, com logística e transporte), de 163 mil em emissões de gases com efeito de estufa (gerados pelo transporte das carcaças para incineração e pela própria incineração) e, possivelmente, 192 mil provenientes do ecoturismo relacionado com os abutres (como atividades de observação das aves).

No entanto, a estimativa para 2048 pode mesmo chegar a um valor acumulado (desde 2023) de 18,6 milhões de euros, em custos evitados e em receitas de turismo de Natureza. É por volta desse ano que os especialistas preveem que, mantendo-se as ações de conservação em curso, a população de abutre-preto em Portugal atingirá os 1.500 indivíduos. Sem os esforços de conservação, a população nacional de abutre-preto, atualmente estimada nas 600 aves, poderá cair para os 100 indivíduos, o número que se registava antes das intervenções com vista à proteção e recuperação da espécie no país.

Excluindo as contribuições do ecoturismo e contabilizando somente os contributos relativamente à eliminação de carcaças e às emissões de gases com efeito de estufa, as três espécies de abutres podem gerar 2,44 milhões de euros entre 2023 e 2027, com esse valor a chegar aos cinco milhões até 2032 e aos 13,7 milhões até 2048.

Para os autores do relatório, “estas estimativas de valor constituem uma primeira indicação da importância dos abutres em Portugal para as atividades humanas e para o bem-estar”.

No entanto, ressalvam que “esta análise abrange apenas um subconjunto dos serviços dos ecossistemas prestados pelos abutres”, pelo que investigações futuras devem debruçar-se sobre aspetos como “a estimativa do valor de existência atribuído pela população portuguesa ao aumento das populações de abutres, bem como a avaliação do retorno do investimento em atividades de conservação”.

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Publicado o Inquérito à Juventude Europeia - o ambiente e as alterações climáticas são a sua prioridade para a UE


No Inquérito à Juventude da UE, publicado este ano, os jovens classificaram as suas principais preocupações:
💶40% aumento dos preços, custo de vida
🌳33% ambiente e alterações climáticas
💼31% situação económica e criação de emprego

O ambiente e as alterações climáticas são as prioridades mais elevadas em:
Itália 46% 
Dinamarca 44% 
França 40%
Entre os jovens que já não frequentam a escola, aqueles que concluíram o ensino pós-secundário ou superior são consideravelmente mais propensos a escolher o ambiente e as alterações climáticas como prioridade para a UE.

aqui o relatório completo.

Agostinho da Silva


"Temos, sobretudo, de aprender duas coisas: aprender o extraordinário que é o mundo e aprender a ser bastante largo por dentro, para o mundo todo poder entrar"

terça-feira, 12 de agosto de 2025

A Conexão Humana com a Natureza Está a Diminuir Drasticamente — O Que Isso Significa?


Um estudo recente liderado pelo professor Miles Richardson, da Universidade de Derby, revela que a ligação das pessoas à natureza diminuiu mais de 60% desde 1800. Esta queda dramática reflete-se, por exemplo, na forma como palavras como “rio”, “musgo” e “flor” praticamente desapareceram dos livros ao longo dos últimos 200 anos.
O estudo, publicado na revista científica Earth, utilizou um modelo computacional para analisar dados sobre urbanização, perda de biodiversidade e a falta de transmissão intergeracional do contacto com a natureza.
Nos últimos dois séculos, o mundo mudou profundamente. A industrialização, o crescimento das cidades, a digitalização e o ritmo acelerado da vida moderna têm afastado cada vez mais as pessoas da natureza. Menos tempo passado ao ar livre e um quotidiano dominado por ecrãs levam a que as novas gerações cresçam com menos contacto com ambientes naturais.
Esta desconexão tem consequências importantes para a saúde física e mental, para o nosso bem-estar e para a forma como encaramos a proteção ambiental. Estudos mostram que passar tempo na natureza ajuda a reduzir o stress, melhora a concentração e fortalece o sistema imunitário. Além disso, quem conhece e valoriza a natureza está mais propenso a agir para a preservar.
O declínio no uso de palavras ligadas à natureza em livros não é apenas uma curiosidade linguística — é um sinal cultural de que a nossa relação com o mundo natural está a enfraquecer. Se não formos capazes de recuperar este contacto, corremos o risco de perder a empatia e o cuidado necessários para proteger o ambiente que sustenta a vida.
Para reverter esta tendência, é essencial que políticas públicas e iniciativas educativas incentivem a aproximação das pessoas à natureza, valorizando o património natural e promovendo experiências ao ar livre. O estudo de Richardson sugere que intervenções eficazes incluem a introdução das crianças à natureza desde cedo, como em escolas do bosque, e a expansão significativa dos espaços verdes urbanos — até 1.000% em algumas áreas. Estas mudanças podem ajudar a restaurar a ligação das pessoas à natureza e promover um futuro mais sustentável.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

Em 2025 a civilização ultrapassou 7 dos 9 limites planetários

Este infográfico poderia estar nas primeiras páginas de todos os jornais do mundo, mas dificilmente circula fora dos fóruns científicos e ativistas.

Dos nove limites planetários que, segundo se diz, garantem um planeta habitável por humanos, até 2025 a civilização atual terá ultrapassado sete, com a controversa acidificação dos oceanos como o novo ponto de não retorno ou "ponto de inflexão".

Em 2009, eram duas, em 2015, eram três e, em 2023, já eram seis — cada faixa vermelha é um aviso ignorado para um futuro devorado pelo presente, de acordo com este artigo.

domingo, 10 de agosto de 2025

Vergonha


Miguel Sousa Tavares in "Expresso" de 07/08/2025

Numa jogada de mau gosto, o Hamas decidiu publicar fotografias de dois reféns israelitas em seu poder, famélicos e abatidos, acompanhadas da legenda “eles comem o mesmo que nós”, numa referência à estratégia de fome adoptada pelo Governo de Israel em Gaza. Netanyahu, como era de esperar, saltou logo sobre a oportunidade, acusando o Hamas de barbárie e anunciando a total ocupação de Gaza: esperava, talvez, que a fome que ele inflige a três milhões de pessoas (proibindo-as inclusivamente de pescar no seu mar!) não afectasse a alimentação dos reféns israelitas. E, em Bruxelas, Kaja Kallas, a responsável pela política externa da UE e que jamais teve uma palavra a condenar o genocídio em Gaza, acompanhou Netanyahu na sua indignação e exigiu a imediata libertação dos reféns, sem pedir nada em troca da parte de Israel. Num momento em que finalmente se levantam vozes dentro de Israel a condenar a ofensiva em Gaza — vozes de antigos chefes militares e de segurança, de organizações humanitárias ou do escritor David Grossman, falando também em genocídio —, a UE, enquanto organização, continua a fingir que não estamos a assistir em Gaza à mais sinistra limpeza étnica levada a cabo por um Governo dito democrático. Mas, como disse Yuli Novak, da organização israelita B’Tselem, “isto não poderia acontecer sem o apoio do mundo ocidental”.

Dentro da UE e escudado na sua inércia, Portugal tem sido um caso notável de hipocrisia e cobardia. Eu chego a ter vontade de rir ao assistir aos contorcionismos explicativos do ministro Paulo Rangel para tentar não ter posição sobre o assunto, fingindo que a tem, numa patética estratégia de “agarrem-nos senão reconhecemos o Estado da Palestina”. Primeiro, confiante na inércia de toda a União, Rangel afirmava que o reconhecimento, a existir, deveria ser uma decisão conjunta dos 27. Os reconhecimentos unilaterais feitos por Espanha e Irlanda não o abalaram, mas ficou claramente sem chão quando Macron anunciou que a França ia reconhecer o Estado palestiniano e a Inglaterra fez o mesmo. Aí, Rangel fez uma inolvidável intervenção na ONU, em que garantiu à assembleia mundial que Portugal tinha detectado uma alteração histórica na posição palestiniana, a qual abria caminho a um possível reconhecimento. Em suma, enquanto o PM inglês colocava exigências a Israel sob a ameaça de reconhecer a Palestina independente, o nosso ministro partia do princípio oposto para sustentar, sem se desmanchar, que a Autoridade Palestiniana aceitara as exigências de Luís Montenegro para poder ser reconhecida por Portugal como Estado. Note-se: a Autoridade Palestiniana na Cisjordânia e não o Hamas em Gaza. Entre essas exigências de Montenegro, Rangel destacou a reforma das instituições palestinianas e a realização de eleições: patéticas demandas para quem acabava de regressar de uma cimeira da inútil CPLP realizada na Guiné-Bissau — um país cujo Presidente amordaçou a democracia no seu país e governa sem ir a eleições — e antes de a chefia da mesma CPLP ser transmitida à Guiné Equatorial — onde jamais houve eleições e persiste há décadas uma ditadura familiar, brutal e corrupta como nenhuma outra. Sim, Portugal é hoje um exemplo eloquente da podridão moral em que vegeta a União Europeia, governada por políticos sem respeito pelo passado e pelos valores europeus.

Esta União Europeia envergonha hoje qualquer europeu que antes se orgulhava de pertencer a um espaço político onde a ética e a coerência de princípios contavam. Na cimeira da NATO, a União, com a honrosa excepção da Espanha, ajoelhou-se aos pés de Trump, aceitando gastar 5% do PIB em armas — e americanas, de preferência. Fica como símbolo dessa capitulação o português Luís Montenegro tentando dar “uma palavrinha” particular a Trump, dizendo-lhe que éramos velhos amigos dos Estados Unidos e sugerindo alguma misericórdia para connosco na rajada das tarifas, e o português António Costa, presidente do Conselho Europeu, acalmando as indignações surdas com a previsão de que o que a União cedera nas armas pouparia nas tarifas.

Viu-se. Na Escócia, Ursula von der Leyen começou por ser ainda mais humilhada por Trump do que o fora por Erdogan. Na Turquia, não tinha cadeira para se sentar, no clube de golfe privado de Donald Trump, na Escócia, para onde foi convocada, teve uma cadeira para se sentar enquanto esperava longamente que o Presidente americano acabasse um jogo de golfe com o filho e tivesse disponibilidade para a receber. Assim tratada como serventuária — ela e a Europa que representa —, não admira que depois tivesse sido sujeita a uma capitulação total e humilhante pelo abusador profissional americano. Von der Leyen aceitou um aumento das tarifas sobre as exportações europeias para os Estados Unidos de 15%, quase mil vezes o que vigorava e em troca de tarifas de 0% para as exportações americanas dirigidas à Europa. Desistiu de taxar as tecnológicas americanas ou de minimamente controlar os seus abusos. Aceitou comprar 750 mil milhões de dólares de energia aos Estados Unidos, assim interrompendo a estratégia de descarbonização em que a UE estava a ser pioneira e substituindo-a por uma total dependência energética de um só país — muito para lá daquilo que se criticava aos países europeus que compravam energia à Rússia. Agora, os EUA passam a determinar a política energética da Europa, aumentam livremente os preços, e Trump e os seus amigos do petróleo, negacionistas das alterações climáticas, encontram um mercado garantido à medida das suas ambições. Mas a senhora foi ainda mais longe, comprometendo-se a investir 600 mil milhões de dólares nos Estados Unidos e a gastar em armas americanas o grosso do investimento a ser levado a cabo para atingir os tais 5% do PIB em armamento. Se tudo isto fosse exequível e executado, acabava a Europa que conhecemos: livre, próspera, orgulhosa do seu sistema social. Mas, mesmo sem o podermos ainda dizer, Von der Leyen, que já enxovalhara a União e os valores europeus com o seu silêncio cúmplice perante o genocídio em Gaza, rematou agora a sua prestação prostrando-se aos pé de um fora-da-lei internacional e dando-lhe tudo o que ele queria, na esperança de o conseguir apaziguar. Mas até nisso esta funesta alemã que nos calhou em sorte está errada: quando se cede uma vez perante a intimidação e a chantagem, está escrito que se terá de ceder mais vezes. Trump é um vampiro que precisa de se alimentar todos os dias do sangue dos fracos, dos indefesos, dos que se ajoelham e dos que ele inveja.

Os tempos vão maus e mesmo incompreensíveis para quem gostaria de se orgulhar de ser português e europeu. Resta-nos ter vergonha: pode ser que eles reparem.

sábado, 9 de agosto de 2025

Lhasa De Sela - Anywhere On This Road


A Jornada Incessante de Lhasa de Sela em 'Anywhere on this Road'
A música 'Anywhere on this Road' de Lhasa de Sela é uma reflexão profunda sobre a jornada da vida, a busca por pertencimento e os desafios emocionais que enfrentamos ao longo do caminho. A letra começa com a artista falando sobre sua adaptação a um novo país, uma nova identidade e uma nova língua. Essa transição, embora necessária, não é fácil e carrega um sentimento de perda das raízes e dos lugares que antes eram familiares. A ideia de que 'os lugares que eu costumava estar longe se foram' sugere uma desconexão com o passado e a necessidade de seguir em frente, mesmo quando o caminho é incerto.
A segunda estrofe aborda a persistência e a resiliência. Lhasa encoraja a continuar a jornada sem olhar para trás, mesmo quando o corpo está cansado e sobrecarregado. A metáfora do corpo dobrando sob o peso simboliza os desafios e as dificuldades que enfrentamos, mas a mensagem é clara: não há lugar para parar, a estrada continua. Essa ideia de movimento constante reflete a natureza implacável da vida e a necessidade de perseverança.
A música também explora temas de amor e medo. Lhasa fala sobre um relacionamento complicado, onde o medo e a desconfiança criam barreiras. O homem que ela ama tem medo de ser dominado, o que cria uma dinâmica de poder e vulnerabilidade. No entanto, há um momento de esperança e transformação quando ela menciona a hora em que a maré está virando. Esse momento simboliza a possibilidade de superação e renovação, onde a escuridão e a angústia podem ser deixadas para trás. A música, portanto, é uma meditação sobre a resiliência, a busca por pertencimento e a complexidade das relações humanas.

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Adeus às embalagens de plástico? Jovens portugueses criam cápsula de algas com gel de banho que se dissolve na água

Todos os anos, 120 mil milhões de embalagens de plástico são descartadas. Os produtos de higiene, por exemplo, são usados durante semanas, mas as embalagens têm vida longa e acabam muitas vezes nos oceanos ou em aterros.

Para reduzir a quantidade de plástico que é desperdiçada, quatro jovens da Maia criaram uma alternativa biodegradável que cabe na palma da mão: a Clea é uma cápsula com gel que se desfaz durante o banho.

Este novo tipo de embalagem para produtos de higiene, tem gel de banho no interior, mas poderá ter também champô ou amaciador. A cápsula é compatível com a pele e sustentável já que é feita a partir de uma substância extraída das algas.

Foi no ano passado, na Escola Secundária da Maia, que tudo começou. Numa disciplina de opção do 12º ano, os alunos foram desafiados a desenvolver um projeto inovador sobre sustentabilidade. Para isso, a secundária da Maia tem protocolos com vários parceiros científicos, como a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, onde os alunos têm oportunidade de desenvolver produtos, testar soluções e criar protótipos.[vídeo]

O produto já foi até distinguido com vários prémios, incluindo uma bolsa da National Geographic Society. Mais difícil tem sido convencer as marcas a apostarem nesta inovação.

Isabel Oliveira, Nuno Aroso, Maria Toga e Vasco Cardoso sonharam, a escola secundária deu-lhes asas e a ideia ganhou forma nos laboratórios da FEUP. Agora, só o mercado pode fazer a diferença.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Abusadores da mama


Portugueses, a hora é grave: há bebés a mamar à conta do patronato até irem para a escola (ao menos, vá lá, não até irem para a tropa). Tudo para mães desviantes abocanharem uma redução de horário no trabalho. Ao que chegámos, compatriotas. Por isso é que isto está como está. Cuspam no chão, em repugnância. Felizmente, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social está à coca. "Infelizmente, temos conhecimento de muitas práticas em que, de facto, as crianças parece que continuam a ser amamentadas para dar à trabalhadora um horário reduzido, que é duas horas por dia que o empregador paga, até andarem na escola primária", disse em entrevista ao JN e TSF, no último domingo.

Agora, acabou-se a mama. O Governo propõe-se impor que o atestado médico para aceder à redução de horário, hoje só necessário a partir do primeiro ano de vida do bebé, passe a ser obrigatório desde a nascença e renovado a cada seis meses. O resultado prático, previsível, será diminuir o acesso a este direito, ou impedi-lo de todo. “Vai claramente afetar a sociedade mais vulnerável a nível económico, como é o caso das mães solteiras e vai empobrecer as famílias”, disse à SÁBADO Sara do Vale, da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto. Faz hoje mesmo um ano e oito meses, o Estado português criou a Comissão para a Promoção do Aleitamento Materno, com a missão de mais do que duplicar a taxa de aleitamento materno exclusivo nos primeiros meses de vida do bebé. Agora sabota essa missão, para acabar com a fraude.

Qual fraude? A ministra não explicou, nem o Ministério responde a questões dos jornalistas sobre o assunto, desde domingo. Não há dados, nem provas, nem o mais leve indício publicado que fundamente que o problema existe, muito menos qual a sua dimensão. Há o “temos conhecimento” da ministra. Um achismo autossuficiente que justifica alterar uma política pública sem sequer validar os seus fundamentos ou estudar os seus impactos.

O Governo anda a prometer, e bem, desburocratizar e simplificar o funcionamento do Estado para facilitar a vida a investidores e empresas. Mas, quando se trata de direitos sociais, cria obrigações acrescidas de provas, papéis e carimbos de seis em seis meses para infernizar a vida de todos, a cavalo de umas vagas fraudes cuja dimensão, ou sequer existência, nem se maça a demonstrar. O Estado ágil e descomplicado é para quem possa pagá-lo.

Na verdade, não surpreende ver a ministra da Solidariedade mais empenhada na solidariedade corporativa do que na solidariedade social. Maria do Rosário Ramalho é hoje o exemplo mais gritante de uma cultura de conflitos de interesses que há muito permeia a política e se instalou no Governo. A sua família direta ilustra de forma eloquente um mercado de influências que une poderes públicos e privados e se banqueteia nos favores da lei. Ramalho, convém lembrar, é o apelido do gestor António Ramalho, marido da ministra, com profícua carreira, quer no setor público, quer no privado. Passou pela Infraestruturas de Portugal antes de aterrar no Novo Banco, de que foi CEO no período em que o “banco bom” do BES, comprado pelo fundo abutre da Lone Star, se serviu de 3,4 mil milhões de euros do Fundo de Resolução.

Sugado o filão das garantias públicas, Ramalho deu por concluído o seu serviço aos cobóis do Texas, que agora empocharam 4,8 mil milhões com a venda do Novo Banco. Ainda passou por uma consultora que o próprio havia contratado, na mesma lógica de porta giratória em que construiu o seu currículo, antes de uma passagem fulgurante pela Cruz Vermelha Portuguesa. Em maio, voltámos a vê-lo num lugar-chave: a presidência da Lusoponte, precisamente no momento em que a concessionária das pontes 25 de Abril e Vasco da Gama começa a negociar com o Governo uma eventual extensão da concessão (ou um novo concurso) para construir a terceira (e quem sabe a quarta) travessias, já anunciadas pelo Governo. Ramalho parte para essa negociação com a experiência que traz do lado público, na Infraestruturas de Portugal, e com o conforto de ter a esposa sentada à mesa do Conselho de Ministros. Como se não bastasse, a sua filha, Inês Ramalho, é vice-presidente do PSD. Entre pai, mãe e filha, a tríade Ramalho está instalada, simultaneamente, no concessionário, no Governo e no partido.

Depois dos dois anos, estranhou a ministra, “acho difícil de conceber” que uma criança continue a precisar de leite materno durante o horário de trabalho. Já um banco ou uma concessionária precisam da amamentação do contribuinte durante muito mais tempo do que isso. As prioridades públicas no combate aos abusos ficam claras. Acautelem-se, mães e bebés: a mama não é para todos.

E as Misericórdias roubam que se fartam. Roubam aos utentes, roubam aos municípios, roubam à Segurança Social. 

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Alteração Primata

Livro científico de Vybarr Cregan-Reid, incide primacialmente nos últimos 200 anos da nossa história, história recente que teve um enorme impacto para os seres humanos, que também protagonizaram grandes mudanças – em si mesmos e no mundo que os rodeia. A actual época geológica, designada por Antropoceno (ou a Era do Homem), revela assim um novo corpo adaptado a novos hábitos e a novas alimentações, que transformaram decisivamente o nosso próprio ADN. Esta alteração do corpo humano no tempo é o cerne deste livro.

Desde a Revolução Agrícola, em que o homem se sedentarizou e produziu alimentos (cereais) para conseguir armazenar, tudo mudou. Natureza e criação passaram a combinar-se com um resultado fascinante. A revolução Industrial – e agora a revolução digital – impôs uma mudança radical no mundo, que o ser humano protagonizou e, ao alterar o mundo, estruturou-se de uma outra forma, com novos hábitos de sedentarização e novos comportamentos, com importantes consequências no corpo, músculos e estrutura facial, sobretudo pela alteração dentária. Baseado em estudos científicos em várias áreas, “Alteração Primata” faz uma excelente abordagem a algumas das actuais fraquezas do corpo humano, apresentando uma análise profunda, rigorosa e abrangente sobre “como o mundo que criámos nos tem modificado“.

O livro propõe, igualmente, uma reflexão sobre as consequências da nossa transformação do mundo, a pensar em como o usamos e a reavaliar o que esperamos dele – e em como nos deveremos portar perante ele. Reflexão que se alarga, também, às transformações do corpo – a nossa aparência e a forma como nos movemos, descansamos, dormimos, pensamos, comemos e comunicamos mudaram drasticamente desde que o Homo sapiens iniciou a sua marcha plantar pelo Planeta, há mais de 300.000 anos.

Vybarr Cregan-Reid nasceu em 1969 e cresceu em Manchester. É um investigador académico, actualmente Leitor em Inglês e Humanidades Ambientais na Universidade de Kent. Ao longo da carreira tem escrito sobre temas nas áreas da literatura, saúde e ambiente

terça-feira, 5 de agosto de 2025

O dragão-azul


O dragão-azul (Glaucus atlanticus) tem aparecido em notícias pouco lisonjeadoras. Diz-se que este belo nudibrânquio pelágico apareceu em Espanha, que pode chegar a Portugal e que é perigoso, como se fosse um dinossauro perigoso.
Ora, já cansa tanta estupidez nas notícias. Esta lesma-do-mar de uns meros 3 ou 4 cm vive à superfície dos oceanos e é cosmopolita, ocupando as faixas tropical às zonas temperadas.
Ao contrário das notícias, existe, desde que há estudos, em Portugal, em especial nos Açores e Madeira. É predadora de medusas e pode comer a caravela-portuguesa (espécie altamente venenosa), incorporando os seus nematocistos que usa para se defender. Assim, alguns podem de facto causar queimaduras na pele de quem lhe toca mas longe da agressividade das alforrecas, até pelo seu pequeno tamanho. Por isso, convém apreciar estas belas criaturas sem lhes mexer, que é como deve ser, embora a maior parte seja inofensiva.

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Franco “Bifo” Berardi: “A espécie humana não sobreviverá a este século"


Conhecido por “Bifo” desde jovem, o italiano Franco Berardi é uma referência do pensamento de esquerda das últimas décadas. Em Maio de 1968 participou na revolta dos estudantes da Universidade de Bolonha. Faria parte do grupo extraparlamentar Potere Operaio, ao lado de figuras como “Toni” Negri. Nesses anos de agitação rebelde fundou a revista A/traverso e esteve na rádio pirata Alice. Nos seus livros, Berardi sai das baias do marxismo mais ortodoxo, chamando, por exemplo, ensinamentos e conceitos da psicanálise para a sua crítica às sociedades capitalistas pós-industriais.

O seu último livro, Disertate (2023), identifica na “onda” de depressão entre os jovens um sintoma de um mundo de trabalho em excesso e em crise climática. Perante o caos e a dor, a resposta desses jovens é a “deserção”, a desistência, como se a alegria só pudesse ser encontrada nas “ruínas”, defende “Bifo”.

Sim, Franco Berardi, hoje com 75 anos, perdeu a esperança. Quisemos falar com ele tendo a recente edição portuguesa de Futurabilidade — A Era da Impotência e o Horizonte de Possibilidade pela VS. como pretexto. Nesse livro, editado originalmente em 2017, o filósofo já fazia um diagnóstico sombrio da vida enformada pelo capitalismo, mas ainda acreditava que seria possível abrir uma rota de fuga. Como? “Criando uma consciência comum e uma plataforma técnica comum para os trabalhadores cognitivos do mundo.” Foram eles, os trabalhadores intelectuais (os artistas, os engenheiros, os cientistas), que montaram a engrenagem, cabia-lhes agora “reprogramar” a grande máquina do mundo para benefício colectivo.

Quase dez anos depois de escrever essas linhas, a esperança de Franco Berardi, que conversou com o Ípsilon por videochamada a partir da sua casa em Bolonha (uma entrevista terminada por email), esfumou-se.

Futurabilidade acaba com um apelo aos trabalhadores intelectuais. Havia alguma esperança nesse livro, mas já me avisou que a perdeu. Porquê?
Futurabilidade foi, de certa forma, o meu último livro a propor a possibilidade de uma alternativa. Foi antes da pandemia, antes da ilusão que a pandemia nos deu e antes do regresso do genocídio à história do mundo.

Sei que o que tenho a dizer não abre uma perspectiva, mas devo escolher entre mentir, afirmar algo em que não acredito, e dizer a verdade. E a verdade é, sintetizando, esta: a experiência humana acabou.

O que é a experiência humana?
É a ideia, crucial na modernidade, de que o mundo, a linguagem, a razão e a lei podem controlar a imediatez do instinto, da bestialidade. As vítimas têm de se tornar assassinas — esta é a lição que aprendi com a transformação de Israel numa entidade nazi. Esta é a lição que aprendo quando vejo Auschwitz nas praias do Mediterrâneo, na costa de Gaza e em centenas de campos de concentração em toda a bacia mediterrânica.

O que faz do horror de Gaza algo diferente de outros conflitos?
Há 50 anos, quando eu tinha 25 anos, testemunhei uma guerra suja que foi como um genocídio, no Vietname. Mas, naquele momento, tínhamos a percepção de que a guerra do Vietname era o início de um futuro possível. Quando os vietcongues conseguiram derrotar os agressores, tivemos a percepção de uma nova possibilidade... Estávamos errados. Os vietcongues não eram uma esperança para a humanidade. Mas nós, tal como milhões de pessoas, víamos ali uma possibilidade de futuro.

Agora, a verdadeira novidade é que a nova geração está consciente do facto de que o genocídio é a regra do mundo em que vivemos hoje. Quando olhamos para Gaza, estamos a olhar para o símbolo de um genocídio que está a acontecer em todo o lado, ao longo da fronteira entre o Norte e o Sul do mundo, de Myanmar [Birmânia] ao Sudão e ao mar Mediterrâneo, onde todos os dias migrantes são mortos pelos fascistas de Itália.

Em Futurabilidade defendia que havia outros futuros possíveis, inscritos na realidade actual, passíveis de serem desbloqueados. Não é perigoso abandonar a esperança, como está a fazer agora?
Futurabilidade tinha que ver com uma análise materialista do trabalho e da actividade social. Por isso, na última parte, escrevi que, apesar do triunfo de Donald Trump, apesar do “Brexit”, havia uma possibilidade. Uma possibilidade, não uma esperança: a possibilidade de solidariedade entre os trabalhadores cognitivos para criar um terreno comum de transformação.

Esta ideia está no movimento Occupy, de 2011, e está no movimento de 68, que foi o movimento dos trabalhadores intelectuais contra o imperialismo e o capitalismo.

A pandemia acelerou uma tendência que já estava inscrita na história da nova geração: solidão, distanciamento social, medo do corpo do outro. Esta é a transformação antropológica e psicológica que tornou a solidariedade impossível. Quando saímos da pandemia, descobrimos que a nossa solidão era definitiva. A solidão é a característica determinante da vida da geração digital.

Tenho trabalhado particularmente com jovens, estudantes, militantes, pessoas que falam comigo por razões psicanalíticas, e o que descubro é que, para eles, a solidão é o seu futuro. Não há nada que permita imaginar solidariedade no futuro. É por isso que digo que a experiência humana acabou.

Tem toda a razão quando diz que esta minha afirmação está a cancelar a possibilidade de esperança para o futuro. Mas eu respondo: a esperança agora é perigosa. O importante é estarmos conscientes do facto de que não temos possibilidade de ser humanos no futuro. Então, o que devemos fazer?
O meu último livro intitula-se Quit Everything [na versão inglesa, de 2024, de Disertate]. Desista de tudo. Abandone. Vá embora. Pare de procriar. Esta é a verdadeira política para o futuro.

No entanto, nos últimos anos, assistimos a alguns movimentos de reacção. Vimos, por exemplo, jovens a aderirem aos “sabbaths digitais”, um dia semanal com pouco ou nenhum uso de tecnologia digital. E objectos como a série Adolescência e o livro A Geração Ansiosa, de Jonathan Haidt, provocaram grandes debates. Há uma maior consciência dos efeitos da tecnologia nas vidas, incluindo dos mais jovens?
Sim, mas é tarde de mais. A questão é que nenhuma campanha cultural, nenhuma terapia psicológica pode mudar a programação básica da mente. A geração que aprendeu mais palavras com uma máquina do que com a mãe não pode ser “reeducada”, não pode ser “curada”. Não se pode ajudar um adolescente a sair da prisão digital porque é o único mundo que conhece, porque a sua mente foi formatada de acordo com esse tipo de estímulo, de acordo com esse paradigma. Não creio que haja um caminho de volta do inferno digital.

Argumenta que a tecnologia e os crescentes automatismos (da economia à política) que governam a vida contemporânea contribuem para aquilo a que chama “era da impotência”. Como podemos sair dela?
A impotência é a característica definidora da vida política mundial nas últimas décadas.

A derrota política da esquerda, dos trabalhadores, está essencialmente ligada à relação automática entre as finanças e a sociedade. Veja o que aconteceu na Grécia em 2015. Nesse livro [Futurabilidade], falo muito sobre a Grécia. 61% da população grega votou contra o memorando [de resgate] financeiro. Mas, no final, Alexis Tsipras foi obrigado a ceder porque era impossível, porque o automatismo financeiro destruiu totalmente a democracia. A democracia é uma farsa e uma coisa inexistente quando as finanças ditam as decisões políticas e económicas dos governos.

Hoje somos impotentes intelectualmente, sexualmente, politicamente. A nossa potência é a bomba atómica. A nossa potência é a concentração de tecnologia e armas.

O seu primeiro livro, publicado em 1970, intitula-se Contro il lavoro, ou seja, contra o trabalho. Acreditava então que a tecnologia seria um aliado do ser humano — permitiria, por exemplo, a libertação do trabalho. O que correu mal?
Muitas coisas correram mal. A primeira coisa errada — muito errada — é a chamada esquerda. Em vez da autonomia social, o foco dos revolucionários sempre foi o poder político. A tecnologia em si é apenas uma possibilidade, mas a esquerda interpretou completamente mal a função e o potencial da tecnologia. Desde o início do século XX, os comunistas reduziram a tecnologia a uma mera ferramenta.

Nos últimos 50 anos, os anos da transformação electrónica e depois digital, os sindicatos consideraram a tecnologia como um inimigo, em vez de pensar que era uma possibilidade.

Quando dissemos “recusa do trabalho” era uma forma de dizer: vamos aceitar a mudança tecnológica e, simultaneamente, vamos lutar pela redução do tempo de trabalho. Os sindicatos e a esquerda em geral disseram algo diferente: é preciso defender os empregos contra a tecnologia.

Até agora, a inteligência artificial não levou a uma redução dos horários de trabalho. Em 1928, o economista britânico John Maynard Keynes escreveu um pequeno ensaio, "Possibilidades económicas para os nossos netos", no qual imaginava como seria o mundo dentro de um século. Escreveu Keynes que, em 2028, os padrões de vida teriam melhorado de tal forma que seria possível trabalhar apenas três horas por dia. Está à vista: a automação não nos deu esse mundo.
Aconteceu o contrário: hoje em dia, as pessoas trabalham mais por menos dinheiro. Mantenho a ideia de que a automação poderia ser uma oportunidade para reduzir o trabalho. Ela foi transformada numa ferramenta para aumentar os lucros, aumentar o poder militar e expandir o consumo inútil.

O problema não é a automação, mas a incapacidade antropológica e cultural de redefinir os objectivos sociais, as aspirações sociais. Deveriam ser trabalhar menos e reduzir o consumismo. Mas a frugalidade nunca foi considerada pelo movimento operário.

Fala muito em depressão, aplicando o conceito clínico a toda a sociedade capitalista.
Os psiquiatras dizem que os jovens estão deprimidos. Isso é verdade do ponto de vista da sintomatologia psiquiátrica, mas acho que há algo mais a entender: os jovens estão a ver a verdade.

James Hillman, um importante psicólogo, dizia que a depressão é o ponto mais próximo da verdade, a verdade da morte e da fragilidade humana. Assim, a depressão não deve ser entendida apenas do ponto de vista patológico. É claro que reconheço que existe um enorme problema terapêutico, mas há outro nível de compreensão da depressão. A depressão é uma forma de conhecimento, de compreensão. Os jovens olham para o presente, olham para o futuro e compreendem que não há futuro humano. Não há amor, não há sexo, não há prazer, não há respeito, não há ar respirável. Então, como podem não estar deprimidos? Eu não chamo a isso depressão, chamo deserção. Deserção é a compreensão de que não há saída e de que a única coisa que podemos fazer é viver em solidariedade diante da extinção da espécie humana.

Mas algo de positivo pode surgir dessa deserção?
Espero que haja uma cultura de alegria entre os desertores. Somos obrigados a desertar. Somos obrigados a abandonar a palavra guerra, a palavra bestialidade. Esta geração tem o direito de pensar na sua vida de forma alegre. O meu presente é feliz porque sei que não devo nada à humanidade. A humanidade acabou, mas eu ainda estou vivo.

A eleição de Barack Obama, em 2008, deu-lhe ânimo. E o sucesso de Zohran Mamdani, que venceu as primárias democratas de Nova Iorque, e a popularidade de alguém como Bernie Sanders, num país onde era quase tabu falar em socialismo?
Acho que todas as tentativas de criar espaços de humanidade devem ser saudadas como algo positivo. Adoro Zoran Mamdani, mas sei que ele não tem possibilidade de sucesso.

Durante os últimos dez ou 15 anos, muitas vezes esperámos algo novo da esquerda — na Grécia, em 2015, com [Jeremy] Corbyn [ex-líder do Partido Trabalhista britânico], com Sanders. Bem, esse entusiasmo é bom, partilho desse entusiasmo, mas não sou idiota, sei que estamos derrotados para sempre! A palavra “esquerda” não significa nada. Essa é a questão.

Partilho a alegria de estarmos juntos contra o fascismo. Mas sei que devo ir além dessa alegria temporária e criar as condições para sair da agonia da espécie humana. Como filósofo, a minha tarefa não é encontrar uma estratégia, é compreender. E o que compreendo é isto: a espécie humana não sobreviverá a este século. Temos de criar as condições para a alegria e a solidariedade durante a agonia.