sexta-feira, 5 de abril de 2024

Porque é que devemos levar o deputado do Chega, Gabriel Mithá Ribeiro, muito a sério


Por Vítor Matos
Eu sou um “herdeiro” de assassinos como Estaline ou Mao, um “polícia mental" do “aparelho repressivo” deste “tumor da democracia” que é a comunicação social. Sou um foco de “infeções psíquicas” para a sociedade, um jornalista-autor que usa as mesmas técnicas totalitárias dos “genocidas” estalinistas ou nazis no extermínio dos judeus. Se pudesse, o sr. deputado Mithá Ribeiro internava-me num campo de reeducação. Devemos levá-lo a sério

Caro leitor, fica avisado que não deve ler este texto, se quiser manter a sua saúde mental. Proteja-se, por favor, das “infecções psíquicas” e da “pandemia mental” desta prosa infeta, de um autor “herdeiro” de “assassinos” e “genocidas” soviéticos e nazis. Que sou eu.

É bom que se saiba, para proteção da comunidade, que represento um perigo para esta sociedade que o dr. André Ventura quer apenas “limpar”, mas que os seus mais dedicados e puros seguidores desejam purificar: cuidado, leitores e leitoras, uma vez que sou “um polícia mental”, que “trabalha para um regime repressivo, promotor social de uma ignorância que causa dano à sanidade mental coletiva dos portugueses.” Atenção, cautela com estas leituras. Pare já aqui. Não prossiga. E não deixe este texto ao alcance das crianças.

Podia fazer uma paródia - seria muito divertido -, mas o caso é para levar a sério. A primeira vez que li a diatribe publicada pelo sr. deputado do Chega, Gabriel Mithá Ribeiro, no “Observador”, contra o meu livro “Na Cabeça de Ventura” (Zigurate) com o título “‘Na cabeça de Ventura’ ou tratado sobre o aparelho repressivo do regime”, cuja leitura aconselho vivamente, confesso que me diverti pelo nível do disparate. Mas quando reli aquele glorioso absurdo, não achei graça. Considero ter o dever de responder, não para lhe devolver os insultos nem para dizer que o vou processar por difamação (não vou), mas para chamar a atenção de quem tiver paciência, para a gravidade do que está em causa.

Gabriel Mithá Ribeiro não é uma pessoa qualquer, não é um excêntrico nem um inimputável que escreve “coisas” em jornais. É um deputado da nação, foi eleito duas vezes pelo Chega no círculo de Leiria, e agora foi escolhido para secretário da mesa da Assembleia da República. Foi coordenador do Gabinete de Estudos do Chega e redator do programa eleitoral de 2022. Representa-me a mim e a si no Parlamento português.

Por isso, estamos no domínio das coisas sérias. Imagine que o PSD abandona as linhas vermelhas e abre a porta do poder ao Chega, ou que o Chega vai mesmo ao Governo, ou que ganha umas eleições, e o professor Mithá chega a ministro, secretário de Estado, ou mantém-se apenas como um influente, ou que isto vinga. Nem é preciso tanto. Neste momento, é uma obrigação expor o que o sr. deputado pensa. Este texto é como um aviso de receção: “isto” está entre nós.

E o que é “isto”? Não é o “fascismo”, como eles adoram que se lhes chame. É outra coisa, uma coisa nova, esta direita radical internacional, “iliberal” que não quer instaurar uma ditadura, mas matar a essência das democracias por dentro. Uma técnica é insultar (talvez insultar aqui seja pouco) os jornalistas que fazem o seu trabalho de escrutínio sobre os líderes e os partidos da direita radical: “A Máquina do Ódio” (Quetzal), livro da repórter brasileira da “Folha de São Paulo” editado em Portugal, é uma história arrepiante e exemplar sobre o bullying do bolsonarismo sobre jornalistas. Noutro livro, “O Crepúsculo da Democracia”, a autora Anne Applebaum, insuspeita de esquerdismos, conta histórias semelhantes na Hungria e na Polónia. É só uma pequena amostra.

Para além do insulto, a outra forma de tentar destruir o adversário real ou imaginado é tratá-lo como inimigo. O sr. deputado Mithá Ribeiro não tem uma cultura democrática que admita o escrutínio jornalístico independente sobre André Ventura ou o Chega.

Felizmente, o sr. deputado não esconde o que pensa: em janeiro, publicou um livro intitulado as “12 regras para um Portugal mais justo”, onde escreve que a comunicação social é “o tumor da democracia”. Imagina o que acontecia ao “tumor”, se a IV República do dr. Ventura passasse pelas mãos do professor Mithá?

Propagar o ódio aos jornalistas é uma técnica não exclusiva da direita radical, mas já foi ultrapassada a vulgata das acusações aos “esquerdalhos” da imprensa, para entrar no domínio das acusações de doença mental, que é a forma mais totalitária possível de desqualificar e despersonalizar um (suposto) adversário. Perante as posições do sr. deputado Mithá, a imprensa livre é uma impossibilidade. Sem imprensa livre não há democracia. E por aí fora…
Depois, claro, há aquela estratégia de considerar de extrema-esquerda todos aqueles que não forem de extrema-direita, como forma de radicalizar a sociedade e matar o centro. Neste caso em particular, o sr. deputado acerta em cheio na sua tática de transformar um centrista moderado em perigoso radical. Como fui sempre um cinzentíssimo moderado apontado pelos amigos de direita de ser de esquerda e pelos amigos de esquerda de ser de direita, isto de ser acusado de promover uma “guerra psicológica permanente criada pela tradição soviética”, é uma coisa que aborrece.

Quem está aqui em causa, no entanto, não sou eu – peço desculpa de usar a primeira pessoa, mas tem de ser – porque o sr. deputado coletiviza-me numa personagem hilariante a que chama os “Vítores Matos & Associados”, onde corporiza jornalistas, comentadores, académicos e artistas (obrigado pela imerecida promoção) que ele talvez um dia gostasse de internar num campo de reeducação: “Os Vítores Matos & Associados são o retrato das doenças sociomentais legadas ao mundo pela gloriosa URSS”. Como disse? Vale a pena ler e meditar sobre o “pensamento” do sr. deputado.

“Diga o que disser André Ventura sobre si mesmo, isso não conta para os Vítores Matos desta vida”, escreve Mithá Ribeiro na sua crítica ao meu livro sobre o patrão dele, onde não desmente um único facto descrito ao longo de 180 páginas – que são evidentemente criticáveis, mas uma crítica não é bem isto: “Esse é justamente o mesmo mapa mental dos comunistas genocidas soviéticos na construção social da imagem dos burgueses e dos camponeses abastados que assassinaram ou dos nazis para legitimarem o genocídio dos judeus.” Esta passagem, claro, dava para levar a tribunal, até porque o ilustre secretário da mesa da Assembleia da República se propõe a “proteger a sociedade inteira de pulsões genocidas” deste vosso autor “patologicamente totalitário”. Dava para rir, não era?

“O jornalismo deixou-se afundar na propagação massificada de infeções psíquicas”, descreve o dirigente do Chega, um homem culto e validado academicamente por um doutoramento em estudos africanos e intelectualmente pelos nove livros que já publicou, e politicamente pelos 53.764 votos que teve agora no distrito de Leiria. Isto não é ironia. É mais um conjunto de razões para o levar a sério.

Quando aponta a forma como as fontes religiosas autorizadas pela Igreja que cito no livro criticam as posições de André Ventura do ponto de vista dos valores do catolicismo, o professor Mithá diz mais isto: “Assassinos como Lenine, Estaline, Mao Tsé-Tung, Kim Il-sung, Samora Machel e outros tantos de igual cepa antirreligiosa cristã ficariam comovidos até às lágrimas com a tenacidade do distinto herdeiro, o jornalista português Vítor Matos, na missão social da submissão da fé cristã à luz divina suprema do marxismo-leninismo-maoísmo-esquerdismo.” Seria ridículo se não fosse grave.

Para terminar, há uma grande diferença entre nós, sr. deputado, e que não é de esquerda nem de direita: é do domínio da decência, que não tem partido.

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