quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Vamos falar sobre o Vox


Quem diria que Vox se tornaria a terceira força política na Espanha e que partidos abertamente fascistas, conseguiriam formar um governo na Itália?

Lembro-me que antes da pandemia vários jornalistas se perguntavam se falavam ou não sobre Vox, se convidar ou não seus líderes para programas de rádio ou televisão e tratá-los como qualquer outro partido político. Foi um debate interessante, porque contrastava o direito à informação e à liberdade de opinião, por um lado, e por outro significava dar uma plataforma a mentiras e discursos de ódio que geram tantos danos na sociedade. Naquela época já era evidente que a Vox era muito burburinho sobre nada, sem uma visão sólida do país ou das propostas de políticas públicas.

Naquela época, Abascal gostava de montar cavalos com a camisa desabotoada e, assim que lhe foi oferecido o microfone, ele gritou contra tudo e todos, mas não conseguiu articular uma resposta consistente a perguntas simples sobre aspectos da gestão de um país. Num evento televisivo, em resposta a perguntas razoáveis da plateia, ele respondeu: “Eu não refleti” sobre isso, é “algo em que não pensei” e outras respostas semelhantes. Tanto que seus concorrentes mais próximos, o Partido Popular, aproveitaram esse material audiovisual em uma campanha eleitoral para ridicularizá-lo.

Quem diria que Vox se tornaria a terceira força política na Espanha e que os partidos relacionados, abertamente fascistas, conseguiriam formar um governo na Itália, liderado por uma mulher cujo slogan de campanha era Deus, Pátria e Família, e que pensa que Mussolini era um patriota. A Itália deve ser o alarme para toda a Europa. Agora, no país vizinho, Meloni aparece com essa aparente bondade que esses partidos usam para apaziguar o povo até que eles decidam extrair seu verdadeiro eu supremacista e negacionista na frente de todos aqueles que não são seus. E o Brasil corre o risco, se Lula não o impedir, de deixar a porta aberta para mais extremismo e insegurança.

Num artigo interessante, o historiador Ernesto Galli della Loggia afirma que durante anos a esquerda abusou da bandeira antifascista acusando “qualquer rival mais à direita de ser fascista”, razão pela qual a mesma coisa aconteceu como na “fábula de Pedro e do Lobo”. Ele acrescenta que a ameaça fascista tem sido maior fora da Itália do que no próprio país.

Foi mesmo assim? Eu não minimizaria os primeiros avisos contra o fascismo. No meu último livro, Os Disfarces do Fascismo, eu argumento claramente que esses movimentos, que de alguma forma foram normalizados e gentilmente chamados de extrema direita, são partidos abertamente fascistas, e que eles representam um perigo real de que devemos lutar com todas as armas da lei e da democracia.

Minimizando o fascismo

“Somente a partir de uma posição de privilégio pode o fascismo que cerca Meloni e seu partido ser minimizado, considerado irrelevante. Só aqueles que nunca perceberam de perto o perigo representado na prática pela normalização dessa ideologia criminosa podem subestimá-la”, disse Alba Sidera, jornalista especializada em análise política e grupos de extrema-direita.

Especialmente interessante é sua conclusão: “Depois da primeira normalização de Meloni que lhe permitiu ganhar, agora testemunharemos a segunda, aquela que lhe permitirá governar.” E ela acrescenta que Steve Bannon já disse sobre ela em 2018 que admirava “sua capacidade de parecer menos perigosa do que ela”. Alba Sidera termina apontando o perigo representado pelas sociedades ocidentais sendo “perder o medo da ideologia que, no século passado, por consenso social, foi definida como o mal absoluto…” Nesse sentido, uma grande percentagem de comentaristas já foi cativada por sua linguagem amigável e manipulada, a ponto de considerar esses grupos, em França, Suécia, EUA, “menos” perturbador, de modo que o risco de expansão é evidente.

Precisamos de líderes democratas de direita, e pelos democratas quero dizer antifascistas, como Churchill era no seu tempo, ou como Angela Merkel não era há muito tempo. Por outro lado, em Espanha há um flerte constante entre o PP e o Vox. Sem mencionar o novo governo italiano, que, apesar da encenação de diferenças quase anedóticas sobre Putin e a guerra na Ucrânia, com os vazamentos das palavras de Berlusconi no meio – que, aliás, se proclama como o último líder ocidental real – a verdade é que eles formaram um governo e um momento de incerteza começa dentro da União Europeia.

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