segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O Chega e o Ódio - "Ódio é muitas vezes demasiada importância ao que é somente desprezível"


Já li o livro excelente de Miguel Carvalho- "𝐏𝐨𝐫 𝐃𝐞𝐧𝐭𝐫𝐨 𝐝𝐨 𝐂𝐡𝐞𝐠𝐚 -𝐀 𝐟𝐚𝐜𝐞 𝐨𝐜𝐮𝐥𝐭𝐚 𝐝𝐚 𝐞𝐱𝐭𝐫𝐞𝐦𝐚-𝐝𝐢𝐫𝐞𝐢𝐭𝐚 𝐞𝐦 𝐏𝐨𝐫𝐭𝐮𝐠𝐚𝐥".
A narrativa inflamada, os epítetos boçais, a opacidade das contas (afinal cai o pano de "Limpar Portugal" e financiamento deste "partido" (corrupto, quando acabamos de ler o livro) é também racista, fascista e xenófobo.
Outro aspecto que André Ventura e sua comandita proclamam é o candidato “do povo” contra as “elites. Nada mais falso. É alimentado por uma elite económica nacional e internacional que depois, caso chegue ao poder, vai cobrar e os portugueses ficam mais pobres e haverá austeridade.

Em junho de 2020 a Revista Visão já havia publicado extensa matéria sobre um banquete na luxuosa Quinta do Barruncho, nos arredores de Lisboa. O centro das atenções era André Ventura, que recém havia lançado o Chega (2019). Entre os convidados estava João Maria Bravo, dono da Sodarca, empresa com contratos milionários de fornecimento de armas às forças de segurança e ao exército.

Outro grande empresário presente era Miguel Félix da Costa, cuja família representou durante 75 anos a marca de lubrificantes Castrol em Portugal, atual homem forte da Slil, uma sociedade gestora de participações nas áreas do imobiliário e turismo, e que conta ainda com interesses na agricultura e na criação de cavalos. A eles se juntou Humberto Pedrosa, dono do grupo Barraqueiro, então administrador acionista da TAP, e João Pedro Gomes, do grande escritório de advogados BSGG.

Também comensal da Quinta do Barruncho foi Francisco Cruz Martins, que administra as imobiliárias Mocaja e Xaroco, ambas pertencentes à Breteuil Strategies, sediada no Chipre, um dos mais importantes paraísos fiscais europeus. O nome do advogado foi amplamente citado no escândalo dos “Papéis do Panamá”, por causa das ligações a sociedades offshore.

𝗤𝘂𝗲𝗺 𝗽𝗮𝗴𝗮 𝗼 𝗯𝗮𝗻𝗾𝘂𝗲𝘁𝗲 𝗲𝘀𝗰𝗼𝗹𝗵𝗲 𝗼 𝗽𝗿𝗮𝘁𝗼
Além deles, outros 70 grandes empresários de diversos ramos económicos portugueses, como representantes do antigo Grupo Espírito Santo. Carlos Barbot, dono do império empresarial das Tintas Barbot, e Paulo Mirpuri, ex-dono da falida operadora de aviação Air Luxor, CEO da Mirpuri Investments e da Hi-Fly, também estiveram nos almoços do Chega.
Entre os doadores do Chega já foram detectados membros da família Champalimaud, que figuram como maiores acionistas da CTT (Correios e banco) e do hotel de luxo The Oitavos, em Cascais, onde o partido organiza encontros com financiadores, dentre outros ramos de negócios.
O episódio recente da CNN foi mais um acto de vitimização, próprio dos ditadores. Recordo que André Ventura num debate para as Legislativas de 2024 disse "𝗘𝘂 𝗶𝗻𝘁𝗲𝗿𝗿𝗼𝗺𝗽𝗼 𝘀𝗲𝗺𝗽𝗿𝗲 𝗾𝘂𝗲 𝗾𝘂𝗶𝘀𝗲𝗿”. Lembram-se? Um total de 1.661 interrupções e cerca de 30% das interrupções foram feitas pelo líder do Chega.

𝗢 𝗴𝗿𝘂𝗽𝗼 𝗽𝗮𝗿𝗹𝗮𝗺𝗲𝗻𝘁𝗮𝗿 𝗱𝗼 𝗖𝗵𝗲𝗴𝗮 𝗱𝗶𝘀𝘀𝗲𝗺𝗶𝗻𝗮 𝗺𝗲𝗻𝘁𝗶𝗿𝗮𝘀
Obriga frequentemente ao uso de fact-checking. Agora aprimoraram-se na deepfake recorrendo à Inteligência Artificial.
A camada principal do Chega é polarizar a nossa sociedade e instrumentalizar e promover o ódio e a intolerância.
Já dizia Camilo Castelo Branco, um grande escritor e por vezes muito esquecido entre nós, tal como p.ex. Aquilino Ribeiro escreveu o seguinte - "Ó𝐝𝐢𝐨 é 𝐦𝐮𝐢𝐭𝐚𝐬 𝐯𝐞𝐳𝐞𝐬 𝐝𝐞𝐦𝐚𝐬𝐢𝐚𝐝𝐚 𝐢𝐦𝐩𝐨𝐫𝐭â𝐧𝐜𝐢𝐚 𝐚𝐨 𝐪𝐮𝐞 é 𝐬𝐨𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐝𝐞𝐬𝐩𝐫𝐞𝐳í𝐯𝐞𝐥"  (Trecho retirado do seu romance "A Neta do Arcediago")
"Somente desprezível" significa que algo ou alguém é digno de desprezo e nada mais. Refere-se a algo ou alguém que não merece consideração, que é vil, abjeto ou sem valor, não apresentando qualquer outra qualidade.
Que merece ser desprezado: A expressão destaca a falta de valor e a indignidade.
Que não merece respeito: Implica que a pessoa ou coisa em questão é de baixo caráter, abjeta ou sórdida.
Sem outras qualidades: Sugere que, além de desprezível, não há nada de positivo a ser dito sobre o assunto.
Uma situação e efeito do ódio é a nível psicológico e de abalos de valores pessoais e colectivos. Ver estudo académico "Why we hate". 
Porém o aspecto perigoso do ódio é quando ele está na política, num partido, num agregado social. O ódio deriva de uma mentalidade “nós contra eles”, ao mesmo tempo que é um método simplificado para a difícil tarefa de gerir a diferença.

𝐏𝐨𝐥𝐚𝐫𝐢𝐳𝐚𝐫 𝐧ã𝐨 𝐬𝐢𝐠𝐧𝐢𝐟𝐢𝐜𝐚 𝐚𝐥𝐢𝐦𝐞𝐧𝐭𝐚𝐫 𝐨 𝐜𝐨𝐧𝐟𝐥𝐢𝐭𝐨 𝐠𝐫𝐚𝐭𝐮𝐢𝐭𝐨 — 𝐬𝐢𝐠𝐧𝐢𝐟𝐢𝐜𝐚 𝐭𝐨𝐦𝐚𝐫 𝐩𝐨𝐬𝐢çã𝐨.
A política não se esgota no consenso, pelo que também é confronto quando o que está em jogo a dignidade de vidas inteiras. Polarizar não é rejeitar o diálogo, mas sim recusar a normalização da violência arbitrária. É traçar uma linha ética, mas não moralista, que diga que daqui não se ultrapassa. 

Afinal, existem momentos em que a empatia exige a tomada de posições e a capacidade de ouvir o outro cede lugar à resistência.

Contudo, o exercício da empatia não se restringe apenas aos opositores de opinião. Dentro dos nossos próprios espaços políticos, deve imperar a capacidade de ouvir o outro e de respeitar a sua humanidade, independentemente das diferenças. Na luta por um mundo mais justo, a empatia deve ser o alicerce de todas as nossas relações, não apenas com aqueles que pensam de forma diferente, mas também dentro dos espaços que ocupamos.

Em conclusão, é preciso mais do que nunca, resgatar a política como exercício de cuidado, como espaço de construção comum. Porque sem empatia, sem estratégia de educação ambiental e relações de proximidade a política perde o seu sentido.

Sem comentários: