segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Não há Raças: A Unidade Biológica da Humanidade

Resumo
O conceito de raça humana, amplamente utilizado durante os séculos XIX e XX, tem sido desmantelado pela investigação genética contemporânea. Estudos em biologia evolutiva e genética populacional demonstram que as variações genéticas dentro de grupos humanos são superiores às variações entre grupos, invalidando a noção de raças biológicas. Este artigo revisita a evolução do conceito de raça, a evidência científica que o refuta e as suas implicações sociais e éticas, defendendo a centralidade do conceito de espécie única na compreensão da diversidade humana.

𝟏. 𝐈𝐧𝐭𝐫𝐨𝐝𝐮çã𝐨
A ideia de “raça” tem uma longa história de uso e abuso. Durante o Iluminismo e a expansão colonial europeia, o termo adquiriu uma dimensão classificatória e hierárquica, utilizada para justificar desigualdades políticas, económicas e sociais (Gould, 1981). No entanto, com o avanço da biologia molecular e da genética populacional no século XX, tornou-se evidente que a noção de raças humanas não possui fundamento biológico. A diversidade humana deve ser entendida como uma expressão da variação contínua dentro da espécie Homo sapiens.

𝟐. 𝐎 𝐜𝐨𝐧𝐜𝐞𝐢𝐭𝐨 𝐡𝐢𝐬𝐭ó𝐫𝐢𝐜𝐨 𝐝𝐞 𝐫𝐚ç𝐚
A construção do conceito de raça foi influenciada por naturalistas como Linnaeus e Blumenbach, que procuraram classificar a humanidade em grupos discretos com base em características fenotípicas superficiais. Essas classificações, embora pretensamente científicas, estavam impregnadas de preconceitos eurocêntricos e racistas (Stepan, 1982). A antropologia física do século XIX tentou legitimar tais distinções através da craniometria e da medição de traços corporais, práticas que hoje são reconhecidas como pseudocientíficas.

𝟑. 𝐀 𝐫𝐞𝐟𝐮𝐭𝐚çã𝐨 𝐠𝐞𝐧é𝐭𝐢𝐜𝐚
Com o desenvolvimento da genética moderna, particularmente após o Projeto Genoma Humano (2003), comprovou-se que todos os seres humanos partilham cerca de 99,9% do seu ADN (Lewontin, 1972; Rosenberg et al., 2002). As pequenas diferenças existentes são distribuídas de forma gradual (clinal) e não correspondem a fronteiras geográficas fixas. Lewontin demonstrou que 85% da variação genética ocorre dentro de populações locais, e não entre os grupos raciais tradicionais. Assim, “raça” é uma construção social, e não uma categoria biológica.

𝟒. 𝐈𝐦𝐩𝐥𝐢𝐜𝐚çõ𝐞𝐬 𝐬𝐨𝐜𝐢𝐚𝐢𝐬 𝐞 é𝐭𝐢𝐜𝐚𝐬
A persistência do conceito de raça tem consequências profundas na perpetuação do racismo e das desigualdades sociais. O reconhecimento científico da inexistência de raças biológicas não elimina, contudo, o racismo enquanto fenómeno social e político. É fundamental distinguir entre diferença biológica e discriminação social. A educação científica e intercultural desempenha um papel central na desconstrução das narrativas racistas e na promoção de uma ética universalista baseada na dignidade humana.

𝟓. 𝐂𝐨𝐧𝐜𝐥𝐮𝐬ã𝐨
A biologia contemporânea confirma que a humanidade constitui uma única espécie com variação genética interna contínua. O conceito de raça, embora sem validade científica, persiste como instrumento de exclusão social. A superação do racismo exige não apenas a denúncia do mito biológico da raça, mas também uma reflexão ética e política sobre as estruturas que o sustentam. A ciência, ao afirmar a unidade da espécie humana, oferece um fundamento sólido para uma cultura de igualdade e respeito pela diversidade.

𝐑𝐞𝐟𝐞𝐫ê𝐧𝐜𝐢𝐚𝐬 𝐁𝐢𝐛𝐥𝐢𝐨𝐠𝐫á𝐟𝐢𝐜𝐚𝐬
1.Gould, S. J. (1981). The Mismeasure of Man. New York: W.W. Norton & Company.
2. Lewontin, R. C. (1972). “The Apportionment of Human Diversity.” Evolutionary Biology, 6, 381–398.
3. Rosenberg, N. A., et al. (2002). “Genetic Structure of Human Populations.” Science, 298(5602), 2381–2385.
4. Stepan, N. L. (1982). The Idea of Race in Science: Great Britain, 1800–1960. London: Macmillan.
5. UNESCO (1950). The Race Question. Paris: UNESCO.

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