quarta-feira, 1 de outubro de 2025

A Demagogia da Direita - usar o exemplo da Irlanda para defender que Portugal seria um país rico caso cobrasse impostos mais baixos sobre os lucros das empresas

É desconcertante como grande parte da direita portuguesa continua a usar o exemplo da Irlanda para defender que Portugal seria um país rico caso cobrasse impostos mais baixos sobre os lucros das empresas.
Como se a única diferença entre Portugal e a Irlanda fossem as taxas de imposto:
- como se os níveis de escolaridade na Irlanda não fossem há décadas superiores aos portugueses 
- e ainda são: 83,5% dos irlandeses adultos têm pelo menos o 12º ano, enquanto em Portugal são 61,3%, a taxa mais baixa da UE (ver gráfico);
- como se os irlandeses não falassem inglês nativo (a mesma língua que falam os chefes das empresas de sectores sofisticados que lá investem desde há décadas);
- como se o Estado irlandês não tivesse seguido, desde 1958, uma estratégia persistente de atracção de investidores americanos em sectores específicos de alta tecnologia (enquanto nós insistimos na ideia de disparar para todo o lado a ver se chove).

Mais desconcertante ainda é insistirem em usar números que não passam de uma ficção. Não são só os cépticos que o dizem: é o próprio Instituto Nacional de Estatística irlandês (o CSO). A questão é fácil de perceber: o facto de a Irlanda funcionar como uma espécie de paraíso fiscal leva muitas empresas a registar no país activos que rendem lucros, mas que não deixam nenhuma actividade no país.

Por exemplo, grandes multinacionais, sobretudo nos sectores das tecnologias digitais (Google, Apple, Meta) e farmacêutico (Pfizer, Johnson & Johnson) registam na Irlanda os lucros associados à propriedade intelectual, inflacionando as contas nacionais sem corresponder a actividade produtiva real no território.

Por isso, o governo e o CSO (o instituto nacional de estatística lá do sítio) passaram a dar destaque a medidas alternativas, como o Rendimento Nacional Bruto Modificado (RNB*), que exclui os efeitos artificiais da transferência de activos e lucros de multinacionais.

Segundo o CSO, o valor do RNB* da Irlanda em 2024 era pouco mais de metade (57%) do valor do PIB nesse ano (ver aqui). Estão a ver o efeito que isto tem na análise dos níveis relativos de riqueza, dos níveis de endividamento do país, ou do peso das despesas públicas na economia - tudo variáveis cujos indicadores usam o PIB no seu cálculo?

Podemos ter uma conversa séria sobre a relação entre competitividade e fiscalidade, claro, assumindo sempre que há diferentes desenhos possíveis para um sistema fiscal que se quer eficiente e justo. Mas já paravam com tanta demagogia, não era?

Além disso, A emigração irlandesa ainda é elevada e isso é demonstrativo de que a riqueza não é devidamente distribuída.

Entretanto, os irlandeses que trabalham em Inglaterra mesmo os altamente qualificados são discriminados. São vistos como os indostânicos em Portugal. Mão-de-obra barata, sem acesso a cargos de topo nas empresas. Sei bem do que falo pois trabalhei durante anos em várias empresas britânicas onde testemunhei sempre o mesmo padrão ( Carlos Vargas) . Os irlandeses são imigrantes e tratados dentro do padrão de discriminação "natural".

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