domingo, 28 de setembro de 2025

Colonialismo Verde - transição energética enriquece bilionários e devasta países do Sul, segundo a Oxfam


Os minerais para a transição energética, extraídos no Sul Global, estão a ser monopolizados pelos ultra-ricos do Ocidente, denuncia a Oxfam num relatório. Esta prática reforça padrões coloniais destrutivos.

Libertar os hidrocarbonetos do nosso quotidiano e voltar a nossa atenção para as energias renováveis. Este é o objectivo da transição energética, defendido e incentivado durante muitos anos em resposta à crise climática. No entanto, para promover esta transformação do sistema, são necessários minerais — lítio, cobalto, níquel e cobre —. E embora 70% deles se encontrem no subsolo do Sul Global, grande parte dos lucros acaba nos bolsos do 1% mais rico.

A 24 de setembro, a Oxfam divulgou um relatório que esclarece o funcionamento interno deste poderoso negócio. Segundo a ONG, os ultra-ricos — indivíduos, empresas e governos — estão a apropriar-se da transição em detrimento das comunidades de baixo rendimento. Não se trata de abandonar a lógica capitalista ou de questionar o consumo excessivo de energia. Também não se trata de imaginar uma partilha adequada dos lucros obtidos com os povos locais, que suportam o peso das repercussões nefastas da exploração mineira.

"Estes projetos envolvem frequentemente violência, trabalho forçado e danos ambientais."
Nesta corrida frenética aos minerais, os países do Sul Global estão a ver os seus recursos serem roubados e as suas terras confiscadas por multinacionais. "Estes projetos envolvem frequentemente violência, trabalho forçado e danos ambientais, e são implementados sem o consentimento das comunidades que vivem nos países em questão", escrevem os autores. Acrescentam: "Por outras palavras, a dinâmica que deu origem ao colonialismo histórico está a ressurgir em novas formas com a transição ecológica."

De acordo com o estudo da Oxfam, 60% dos territórios reconhecidos como terras indígenas estão ameaçados por projetos relacionados com a transição energética. Isto equivale à área total do Brasil, dos Estados Unidos e da Índia ou o dobro do tamanho do império colonial francês no seu auge. "Sem uma reforma urgente para proteger os direitos e os territórios, a transição apenas reforçará os padrões de mais de 500 anos de colonialismo energético, escravatura e exploração de biomassa na era do carvão e do petróleo", lamenta a Oxfam.

Tesla, a personificação do colonialismo verde
Uma alavanca fundamental na descarbonização do sector dos transportes, a conversão das frotas de veículos ocidentais para a energia eléctrica é uma clara ilustração deste desequilíbrio. Por um lado, as comunidades suportam os custos desta transição. Por outro, um bilionário vê o seu portefólio impulsionado pela crise climática.

Em 2024, a Tesla, propriedade do homem mais rico do mundo, Elon Musk, registou 5,63 mil milhões de dólares em lucros com a venda destes veículos elétricos. Ao mesmo tempo, a República Democrática do Congo recebeu apenas 17,5 milhões de dólares em royalties pelas enormes quantidades de minerais fornecidas para construir cada um destes automóveis — 3 quilogramas de cobalto por veículo.

A diferença é ainda mais abismal entre a fortuna do oligarca e o salário de uma pessoa que trabalha nas minas, estimado em 7 dólares por dia: "[Isto] significa que ele levaria quase dois anos a ganhar o que a Tesla ganha com um único carro", observam os autores.

França também envolvida
Elon Musk, que fez a saudação nazi no início deste ano, não é o único a lucrar à custa do Sul Global. A multinacional francesa TotalEnergies também utiliza esta estratégia. Em 2024, a sua subsidiária maioritária, a TE H2, lançou um projeto denominado Chbika em Marrocos. O objetivo? Desenvolver um gigawatt de capacidade solar e eólica onshore para alimentar a produção — através da eletrólise da água do mar dessalinizada — de hidrogénio verde, posteriormente transformado em amoníaco verde destinado ao mercado europeu.

Embora o conceito possa parecer obscuro, a intenção final é simples: fornecer à União Europeia recursos renováveis. Este visa atingir os objectivos definidos pelo plano REPowerUE, que visa reduzir a sua dependência dos combustíveis fósseis russos até 2027. Ou seja, Marrocos — bem como outros países do Sul Global, que detêm 70% do potencial eólico e solar do mundo — está excluído da transição devido à falta de financiamento acessível.

Mecanismos Financeiros Coloniais
"A arquitectura financeira internacional é [além disso] igualmente desequilibrada, uma vez que, moldada por séculos de poder colonial, continua a aprisionar os países de baixo rendimento numa dependência estrutural", refere o relatório. Quando um país rico investe num projecto de energia limpa, beneficia de taxas de juro de 3 a 6%. Por outro lado, quando o cliente é um país do Sul, os bancos inflacionam estas taxas para 13,5%. Por outras palavras, fornecer energia limpa a 100.000 pessoas custa 95 milhões de dólares ao Reino Unido mas 188 milhões de dólares à Nigéria. Esta diferença de tratamento justifica-se por uma percepção distorcida do risco, afirma o relatório, moldada por décadas de estereótipos negativos.

Os dados estão também viciados pela espiral da dívida em que as elites poderosas mergulharam os mais vulneráveis. "Os países ditos 'em desenvolvimento' têm uma dívida externa de 11,7 biliões de dólares, mais de 30 vezes o custo estimado para garantir o acesso universal à energia limpa até 2030", alerta a Oxfam. Esta espada de Dâmocles é um enorme obstáculo à sua transição energética.

Uma única estatística basta para demonstrar o absurdo da situação: 14% da energia consumida pelo 1% mais rico do planeta poderia satisfazer as necessidades energéticas básicas de todos aqueles sem electricidade. A grande maioria destas pessoas vive na África Subsariana. No entanto, em 2024, o continente terá captado apenas 2% do investimento global em energia limpa. Uma triste ironia que a Oxfam esteja a pedir o fim.

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