por Jorge Leandro Rosa, Janeiro de 2016, Campo Aberto
Conheci o Jean-Baptiste no início dos anos 1990, quando ele veio a Portugal, convidado pelo grupo dos «amigos da Arca», pessoas que tentavam levar à prática a não-violência gandhiana, segundo as possibilidades que Lanza del Vasto propusera aos ocidentais.
Tendo, anos antes, conhecido Lanza, era óbvio que o Jean-Baptiste era um outro tipo de homem: mais discreto mas não menos coerente no seu percurso, determinação marcada no seu rosto aquilino de Bretão, acompanhada sempre por uma expressão irónica mas amável. Nessa época, ele era ainda, julgo, o professor da escola que a comunidade mantinha. Uma escola não-violenta, no sentido radical do termo: a escola era uma parte da vida comunitária, integrava práticas intelectuais e artísticas, reunidas aí aos saberes ligados à vida auto-suficiente. Era a escola ética e «nourricière» [alimentadora], no sentido etimológico do termo. O mais interessante é que o Jean-Baptiste era simultaneamente o marceneiro da comunidade, continuando a sê-lo quando assumiu um papel de representação da comunidade.
O Jean-Baptiste é um dos meus heróis, provavelmente um dos poucos que conheço pessoalmente e com quem me cruzei várias vezes ao longo dos anos. A última foi em 2012: estava eu na Borie Noble [sede da Arca: ver imagem], no dia da festa, quando vejo chegar o Jean-Baptiste, vindo da La Fleyssière, a outra comunidade a dois ou três quilómetros, onde ele vive há três décadas. Com os seus quase 80 anos, vinha a dançar! E que dançarino! Falei uns minutos com ele, sentindo-o inquieto por se lançar à roda da dança, já o violino e a guitarra encetavam as danças tradicionais que os membros da Arca tanto gostam de dançar.
Estou a escrever sobre o Jean-Baptiste porque, nos últimos dois anos, fui recebendo notícias surpreendentes: o Jean-Baptiste fora sempre um dos companheiros da Arca mais empenhados nas acções cívicas e políticas não-violentas em que a comunidade participava. O espírito da Arca foi sempre reunir um modo de vida auto-suficiente – condição para que não haja sujeição social – à acção não-violenta. É assim que ele foi um dos companheiros da Arca que foram viver com os camponeses do Larzac, em 1973, quando o exército francês se preparava para os expropriar. As notícias que tenho dele agora dão conta do movimento que ele lançou contra a expansão dos organismos geneticamente modificados na agricultura, os OGM ou transgénicos. Os «Faucheurs volontaires» (os «ceifeiros voluntários» de transgénicos), um movimento de desobediência civil que não hesita em colher essas culturas, habitualmente propriedade de multinacionais que tentam introduzi-los na Europa.
Nos últimos dez anos, Jean-Baptiste foi várias vezes condenado pelos tribunais franceses, por causa de acções de arranque de plantas em parcelas de milho transgénico. Um homem extraordinário de 80 anos que continua a fazer da sua vida um testemunho do compromisso não-violento com os valores da verdade e da justiça, um homem que não hesita em confrontar os poderes mais terríveis do nosso tempo, habitualmente disfarçados sob roupagens científico-industriais. «A não-violência é poder dizer NÃO!». Convido aqueles que dominam o francês a verem as reportagens e filmes que existem na Internet, incluindo uma recentíssima conferência do Jean-Baptiste Libouban, realizada em Dezembro passado.
Em Portugal, quando vamos deixar de dar o nosso consentimento ao mal industrial e económico? Não consentir pode passar pelo protesto, pela petição, certamente que sim. Mas deveríamos estar preparados para a acção directa não-violenta, incluindo a ocupação dos locais onde se prepara a exploração de petróleo ou a implantação de transgénicos, etc. Porque, efectivamente, é preciso estar preparado para estas acções: elas são difíceis e põem riscos para os próprios activistas, sobretudo porque assentam sempre numa recusa de pôr em risco as vidas dos nossos opositores. Por vezes, há que ser um bandido doce e determinado.
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