Em agosto de 2011, uma revolta em Londres chamou a atenção do mundo. Sem liderança aparente ou qualquer tipo de exigência, jovens foram às ruas. Incendiaram e saquearam lojas, invadiram shopping centers e destruíram símbolos da sociedade de consumo que os excluía.
A questão era intrigante. O que levou essas pessoas a essas ações violentas? Embora compartilhassem o contexto de crise econômica e falta de oportunidades com aqueles que levaram a cabo os movimentos da Primavera Árabe, os jovens do Reino Unido não queriam transformar a ordem. Segundo Zygmunt Bauman, “foi uma revolta de consumidores desqualificados”. Eles queriam, na verdade, participar do sistema. O sociólogo viu naquela revolta o símbolo do momento em que vivemos.
Bauman foi uma testemunha das mudanças desse século de extremos. Nascido em 1925, na Polónia, sobreviveu ao nazismo, vivenciou o comunismo e, há 40 anos, pesquisa e mora na Inglaterra. Sua maior contribuição foi o conceito de modernidade líquida. Por mais que nossas relações não tenham perdido densidade ou complexidade, elas passaram a ser mais fluídas e incertas.
As mudanças no modo de produção desencadearam uma série de pequenas revoluções no cotidiano que, aos poucos, criaram o contexto para que a sociedade atual se desenvolvesse. De uma fábrica que detinha cada etapa da confecção de um bem, temos hoje cadeias de produção que se espalham pelo mundo como teias que se entrelaçam graças à tecnologia da informação e aos transportes cada vez mais rápidos.
O tempo que era linear tornou-se instantâneo e o conhecimento passou a ser a base para a geração de valor. Em poucos anos, o capital que era sólido e fixo, ganhou enorme liberdade no espaço e no tempo.
Como consequência, todo o tecido social foi afetado. No nível do trabalho, a atualização e a capacitação profissional passam a ser constantes e a renovação dos quadros não mais obedece uma ordem linear.
Foi rompida a sequência entre escola, universidade e trabalho. O mercado busca cada vez mais a especialização e muitos diplomados acabam em subempregos ou desempregados.
Na arquitetura, os não-lugares – shopping centers, estradas, aeroportos – representam pontos de conexão em uma rede de fluxos indefinidos. Governos ficam à deriva em um contexto que Bauman classifica como “divórcio entre política e poder”.
Na vida pessoal, a constante necessidade de se redefinir, de se aprimorar e de se adaptar cria um ambiente de insegurança e angústia. A saída, para muitos, é o consumo. Um alívio rápido que permite que se estabeleçam laços com determinado grupo ou ideia, mesmo que de maneira fugaz, pois sempre haverá algo mais novo ou mais interessante.
Os estímulos constantes e a necessidade de criar para agregar valor fecham o ciclo de um sistema que se retroalimenta e se expande a uma velocidade que parece sempre maior do que se pode acompanhar.
Para Bauman, aqueles jovens demonstraram a crise de um sistema consumista que hipotecou o futuro, desmantelou gradualmente as estruturas que mantinham a coesão social e comercializou a moral. O correspondente da GloboNews, Silio Boccanera, foi até a casa de Zygmunt Bauman, em Leeds, para conversar com um dos sociólogos mais importantes de nosso tempo. Veja as duas partes da entrevista concedida ao programa Milênio, da Globo News.
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