Franklin Booth (American, 1874-1948) Autumn Leaves. 1911 |
As Musas, por Paul Claudel
As Nove Musas e, no meio, Terpsícore!
Eu te reconheço, Bacante! Eu te reconheço, Sibila! Não espero em tua mão nenhuma taça e nem mesmo teu seio
Convulsivamente em tuas unhas, ó Cumana no turbilhão de folhas douradas!
Mas essa grande flauta crivada de bocas entre os teus dedos mostra bem
Que uni-la não precisas mais ao sopro que te enche
E que acaba de pôr-te, ó virgem, de pé!
Contorção não há: do colo nada rompe as belas dobras do vestido até os pés por ele ocultos!
Mas bem sei o que querem dizer essa cabeça para o lado, o semblante cerrado e ébrio, esse rosto a escutar, a fulgurar com a jubilação orquestral!
Só um braço não pudeste conter! Ele se levanta, ele se crispa,
Impaciente no furor de dar o compasso inicial!
Secreta vogal! animação da palavra nascente! Modulação da qual é consoante todo o espírito!
Terpsícore, que descobriste a dança! que seria do coro sem a dança? quem mais cativaria juntas
As oito irmãs arredias para a vindima do hino jorrante, inventando a figura inextricável?
Em quem, se antes te plantando bem no centro do seu espírito, virgem vibrante,
Não lhe fizesses perder a razão grosseira e baixa a tudo inflamando com a asa da tua cólera no sal do fogo que estala,
Consentiriam entrar as castas irmãs?
As Nove Musas! Para mim, nenhuma está a mais!
Vejo neste mármore a inteira novena! À tua direita, Polímnia! e à esquerda do altar em que te apoias!
As altas virgens iguais, a fileira das irmãs eloquentes.
Quero dizer de que maneira as vi pararem e como uma à outra engrinaldavam-se
Por algo distinto do que cada mão
Vai colher dos dedos que se lhe estendem.
E eu te reconheci primeiro, Talia!
Reconheci do mesmo lado Clio, reconheci Mnemósine, eu te reconheci, Talia!
Eu vos reconheci, ó conselho completo das nove Ninfas interiores!
Presença criadora! Nada nasceria se vós não fôsseis nove!
Eis, quando o poeta novo repleto da explosão inteligível,
O negro clamor de toda a vida atado pelo umbigo na comoção da base,
Abre-se, o acesso
Explodindo a muralha, o sopro de si mesmo
Violentando as mandíbulas cortantes,
De súbito o fremente novenário com um grito!
Agora ele não pode mais calar-se!
A interrogação que saiu de si mesmo, tal cânhamo
A criadas, ele a confiou para sempre
Ao sábio coro da inextinguível Eco!
Nunca todas dormem juntas! Mas antes que a grande Polímnia se levante,
Ou vem, as duas mãos abrindo o compasso, Urânia à semelhança de Vênus,
Quando ela ensina, retesando-lhe o arco, Amor;
Ou Talia, a risonha, com a ponta do pé marca docemente o compasso; ou no silêncio do silêncio
Mnemósine suspira.
A mais velha, a que não fala! a mais velha, com a mesma idade!
Mnemósine que não fala jamais!
Ela escuta, ela considera,
Ela sente (pois é o sentido interior do espírito),
Pura, simples, inviolável! Ela recorda.
Ela é o peso espiritual. Ela é a relação expressa por um belo algarismo. Está pousada de uma maneira que é inefável
No próprio pulso do Ser.
Ela é a hora interior; o tesouro irrompendo e a fonte armazenada;
Junção com o que não é tempo do tempo expresso na linguagem.
Ela não falará; está ocupada em não falar. Ela coincide.
Ela possui, ela recorda, e todas as irmãs estão atentas ao movimento das suas pálpebras.
Para ti, Mnemósine, estes primeiros versos e a deflagração da Ode repentina!
Assim subitamente do meio da noite que de toda parte se abata meu poema igual clarão de raio triforquilhe!
E ninguém pode prever onde ele, de súbito, fará fumar o sol,
Carvalho, ou mastro de navio, ou chaminé humilde, e a panela liquefeita como um astro!
Ó minha alma impaciente! não vamos assentar nenhum canteiro! não vamos impelir, não vamos deslizar nenhum trirreme
A um grande Mediterrâneo de versos horizontais,
De ilhas repleto, aberto a mercadores, cercado pelos portos de todas as nações!
Temos questão mais trabalhosa a resolver
Que teu retorno, paciente Ulisses!
Toda rota perdida! sem descanso perseguido e ajudado
Pelos deuses quentes na tua pista, sem que vejas deles nada além
De por vezes à noite um raio d’ouro sobre a Vela, e no esplendor da manhã, por um momento,
Uma face radiosa, olhos azuis, uma testa coroada de salsa,
Até o dia em que ficaste só!
Que combate sustinham mãe e filho, lá em Ítaca,
Enquanto cerzias vestes, enquanto questionavas Sombras,
Até que a longa barca feaciana te trouxesse de volta, abatido em sono profundo!
E tu também, embora seja amargo,
Tenho enfim de deixar as margens do teu épico, ó Eneias, entre os dois mundos a extensão das águas pontifícias!
Que calma se fez em meio aos séculos, enquanto, lá atrás, Dido e a pátria ardem fabulosamente!
Sucumbes à mão ramífera! Tu tombas, Palinuro, e tua mão não mais segura o leme!
E primeiro só se via o seu espelho infindo, mas de repente ao propagar-se a esteira imensa,
Elas se animam e pinta-se o mundo no mágico tecido.
Pois eis que sob o magno luar
Escuta o Tibre vir a nau repleta da fortuna de Roma
Mas agora, deixando para trás o nível do mar líquido,
Ó rimador florentino! não vamos te seguir, passo a passo, na tua investigação,
Descendo, subindo até o céu, descendo até o Inferno,
Como aquele que assentando o pé no solo lógico o outro avança numa firme pernada.
E como quando no outono se anda em charcos de passarinhos,
As sombras e as imagens em turbilhões se elevam ao teu passo suscitador!
Nada disso! toda rota a seguir nos enfada! toda escada a escalar!
Ó alma minha! o poema não é feito destas letras que eu planto como pregos, mas do branco que fica no papel.
Ó alma minha! Não concertemos plano algum! Ó alma minha selvagem, quedemo-nos livres e prontos,
Como os imensos bandos frágeis de andorinhas quando soa, silente, o apelo outonal!
Ó alma minha impaciente, idêntica à águia sem arte! como faríamos para ajustar versos? à águia que não sabe nem fazer o próprio ninho?
Que meu verso em nada seja escravo! Mas tal qual a águia marinha que se lança sobre um peixe,
E não se vê mais que um reluzente turbilhão de asas e o respingar da espuma!
Mas não me abandonareis, ó Musas moderadoras.
E, entre todas, tu, provedora, infatigável Talia!
Tu que em casa não te demoras! Mas como na luzerna azul o caçador
Segue sem ver seu cão na forragem, é assim que um mínimo tremor na relva do mundo
Ao olhar sempre pronto indica a presa que buscas;
Ó batedora de moitas, bem que te representaram tendo à mão um bastão!
E na outra, pronta a extrair-lhe o riso inextinguível, como alguém que estuda um bicho estranho,
Seguras a enorme Máscara, o focinho da Vida, o despojo grotesco e terrível!
Agora tu a arrancaste, agora tu empunhas o grande Segredo Cômico, o cepo adaptador, a fórmula transmutadora!
Mas Clio, entre os dedos o estilete, espera, postada a um canto do cofre brilhante,
Clio, o escrivão da alma, lembrando aquela que faz as contas.
Se diz que este pastor foi o primeiro artista
Que, fitando a sombra do seu bode na parede da rocha,
Com tição passado a fogo contornou a mancha cornuda,
Assim o que é a pluma, como o estilo em relógio de sol?
Senão a ponta aguda de nossa sombra humana a passear no papel branco.
Escreve, Clio! confere a toda coisa seu caráter autêntico. Não há ideia
Que nossa opacidade pessoal não se reserve meio de circunscrever.
Ó observadora, ó guia, ó inscritora da nossa sombra!
Eu disse as Ninfas nutridoras; aquelas que não falam e que não se deixam ver; eu disse as Musas respiradoras e agora direi as Musas inspiradas.
Pois o poeta, idêntico a instrumento em que se sopra
Entre o cérebro e as narinas para uma concepção igual à consciência ácida do odor,
Não abre de outra forma que o pequeno pássaro a alma
Quando pronto a cantar com todo o corpo se enche de ar até o interior dos ossos!
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