sexta-feira, 4 de março de 2022

Justiça ambiental: Cidades mais sustentáveis e justas

Marvila, na zona oriental de Lisboa. Marvila é uma das freguesias lisboetas com menor disponibilidade de espaço verde público. | Foto: © Jessica 

Fonte: aqui, 13/05/2020, por  Jessica Verheij
Muitos dos atuais problemas ambientais acontecem longe da nossa vida quotidiana, como a poluição das águas do mar, as explorações de petróleo espalhadas pelo globo e a desflorestação de zonas como a Amazónia. No entanto, existem também inúmeros problemas ambientais nas cidades e nas vilas onde vivemos: o ar poluído que respiramos, a poluição sonora que não nos deixa dormir, a falta de árvores para dar sombra, os resíduos nas ruas e a predominância de betão e asfalto nos bairros. São problemas que nos afetam diretamente no nosso dia-a-dia, criando riscos graves para a saúde e o bem-estar.

A ideia de justiça ambiental foca-se nestes riscos para o cidadão comum, alertando particularmente para a forma como estes afetam alguns mais que outros.

Os problemas ambientais são problemas sociais

O conceito de justiça ambiental surgiu de um movimento ativista com origens nos Estados Unidos, na segunda metade do século XX. O movimento lutava para uma maior proteção ambiental de populações mais pobres e marginalizadas, que estavam desproporcionalmente expostas a riscos ambientais, nomeadamente devido à localização de resíduos tóxicos nos seus bairros. Assim desenvolveu-se a ideia de abordar os problemas ambientais como estando intrinsecamente ligados às desigualdades já existentes. De acordo com esta abordagem, a crise ambiental e a injustiça social são duas faces da mesma moeda. Desde então, o conceito de justiça ambiental tem sido aplicado a conflitos ambientais por todo o mundo, muitos deles localizados em meios rurais. No entanto, por lutar contra os riscos ambientais do dia-a-dia, tem uma ligação estreita com os meios urbanos, onde decorre uma grande parte da nossa vida quotidiana.

A justiça ambiental urbana interessa-se por compreender onde os riscos ambientais são maiores na cidade, quais os grupos sociais que são mais afetados pelos mesmos e de que forma é que as políticas urbanas contribuem para ou visam minimizar essa distribuição injusta. Ao mesmo tempo, a justiça ambiental defende o envolvimento ativo das populações nos processos de tomada de decisão que dizem respeito ao meio ambiente dos seus bairros, visando não apenas uma distribuição justa de bens e custos, mas lutando também pelo direito de intervir nos processos que regulam essa distribuição. Assim, a participação pública é um dos elementos fundamentais da justiça ambiental.

Justiça ambiental em Lisboa

Aplicando esta ideia à cidade de Lisboa, há várias questões que sobressaem. A poluição atmosférica e sonora representa riscos graves numa cidade onde o automóvel continua a ser o meio de transporte preferido por muitos, e onde o maior aeroporto do país tem impactos sérios na saúde dos residentes das zonas habitacionais adjacentes. Ao mesmo tempo, Lisboa tem pouca disponibilidade de área verde quando comparado com outras cidades europeias – mesmo que, como importa salientar, Lisboa tenha mais espaço verde por habitante do que a maior parte das cidades do sul de Europa. No entanto, a qualidade ambiental na cidade está longe de ser saudável.

Além disso, a justiça ambiental urbana liga-se diretamente à questão da gentrificação, tendo dado origem ao termo ‘gentrificação verde’ ou ‘eco-gentrificação’. Este termo descreve o processo através do qual certas zonas da cidade são regeneradas com o intuito de melhorar a sua qualidade ambiental, por exemplo através da criação de espaços verdes, da produção de energias renováveis ou do desvio do tráfego automóvel. Estas melhorias causam uma subida dos preços da habitação, tornando-a assim inacessível para uma grande parte da população. Num contexto como Lisboa, onde o mercado de habitação está já extremamente saturado, este tipo de processos põe em causa a forma como os cidadãos podem usufruir dos bens ambientais na cidade.

Justiça ambiental e a pandemia do Covid-19

Com a atual pandemia do Covid-19, estas questões passam a ser ainda mais urgentes. Em Lisboa, apenas 47% da população é servida por um espaço verde de proximidade (segundo dados da Câmara Municipal de Lisboa de 2015). Menos de 35% do território municipal é ocupado por área verde. Com o confinamento imposto pelas autoridades, isso significa que muitos lisboetas não têm acesso à natureza próximo das suas residências, apesar dos inúmeros benefícios de saúde que daí advêm.
 
A ideia de justiça ambiental ajuda-nos também a entender melhor as consequências sociais da pandemia. Tal como é o caso da crise ambiental, esta pandemia não nos afeta a todos por igual. Pelo contrário, agrava as desigualdades sociais já existentes, e afeta desproporcionalmente as populações mais pobres: aquelas que vivem em habitações pequenas, sem espaço exterior, em bairros com poucos serviços de proximidade, sem espaços públicos equipados ou áreas verdes de qualidade. O conceito de justiça ambiental contribui para o tema da saúde pública ao sublinhar a importância da qualidade ambiental. Assim, e tendo em conta esta pandemia, vale a pena questionar-nos se o acesso a espaços verdes urbanos deve ser um luxo apenas para alguns, ou um direito para todos.

O futuro da sustentabilidade urbana

Os problemas ambientais fazem parte de muitas cidades europeias. Cabe aos governos locais assegurar que estes sejam evitados ou minimizados, e que os bens ambientais, como os espaços verdes e a qualidade da paisagem, sejam distribuídos de uma forma justa pela cidade e pela sua população. Sendo certo que a ideia da sustentabilidade urbana tem ganhado força por todo o mundo, falta agora colocar a questão social no mesmo patamar das questões ambientais. A justiça ambiental é inerente à sustentabilidade urbana, uma vez que melhorar a qualidade ambiental só para alguns não é um futuro sustentável. Ao integrar a ideia de justiça ambiental nas atuais políticas de sustentabilidade urbana, podemos assegurar uma distribuição mais justa dos bens e recursos ambientais na cidade, de forma a que um número crescente de cidadãos possa ter acesso a um meio ambiente limpo, seguro e saudável.

Autora

Jessica Verheij é investigadora do Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa, no projeto “ROCK – Regeneration and Optimization of Cultural Heritage in Creative and Knowledge Cities” desenvolvido em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa para regenerar a zona ribeirinha do Beato-Marvila. O seu trabalho incide no papel dos espaços verdes na regeneração das cidades e sobre temas relacionados com justiça ambiental.

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