segunda-feira, 27 de setembro de 2021

A perigosa noção de ausência do futuro




«Um estudo sobre a avaliação dos impactes da crise climática realizado entre jovens de dez países de diferentes latitudes e estágios de desenvolvimento (entre os quais, Portugal) deixa no ar um retrato que tem de estar na primeira linha das discussões políticas do nosso tempo: a maioria (56%) dos jovens envolvidos neste estudo pré-publicado na prestigiada revista científica Lancet diz que o mundo está condenado; quatro em cada dez não quer ter filhos por não acreditar no futuro; seis em cada dez dizem que a sua vida será pior do que a dos seus pais e acusam os políticos de traírem as suas expectativas.

Um estado de espírito assim tão deprimente causa de imediato ansiedade, stress e problemas físicos e mentais nos jovens, dizem os especialistas. E põe em causa as noções de progresso, de expectativa, de confiança e de sentido de devir colectivo que formam as bases das democracias. Quando individualmente não se acredita no futuro, é muito mais difícil acreditar nas respostas de soluções partilhadas e em valores comuns. Cria-se assim o vazio onde cai a democracia e emergem os populismos providenciais. A defesa de soluções radicais contra os “traidores” do poder que vêem o futuro dissipar-se sem fazerem nada para o salvar acentua-se.

Chega-se assim à grande questão: o que fazer para contrariar o agravamento da crise climática e as suas consequências. A dimensão dos desafios leva muitos a considerar que o presente modelo de desenvolvimento é insustentável, que é necessário alterar padrões de consumo e recuperar a frugalidade das gerações anteriores. Esta avaliação, como já aqui defendemos, tem o terrível custo de afrontar o natural “egoísmo” das pessoas, de lhes impor mudanças de vida que na História só aconteceram sob a égide de guerras ou pandemias, ou de esperar conflitos que ameaçam os fundamentos da democracia.

Há depois os optimistas históricos, que acreditam que, nestes tempos, o egoísmo que funcionou como a mola do progresso humano pode funcionar como resposta à crise actual, fazendo com que a ciência resolva os problemas – um texto de Francisco Mendes da Silva no PÚBLICO (edição impressa de 5 de Setembro) é a esse propósito exemplar. Mas também aqui há um problema: o de aplicar à crise do presente uma leitura sobre eventos do passado. Nada nas constatações da ciência ou das ameaças presentes justificam esse optimismo. É essa noção que perturba as perspectivas dos jovens sobre o futuro. Mas é no meio, no compromisso entre mudanças políticas e confiança na capacidade da criação humana que se poderão encontrar as melhores respostas.»

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