domingo, 10 de novembro de 2024

O toque


"Durante meses, a minha mão esteve selada
numa caixa de lata. Só lá havia carris do metro.
Talvez esteja ferida, pensei eu,
e seja por isso que a fecharam.
Mas quando olhei lá para dentro, ela repousava, serena.
Podia-se medir o tempo assim, pensei eu,
como um relógio, pelos cinco nós dos dedos
e as finas veias subterrâneas.
Ali repousava ela, uma mulher inconsciente
alimentada por tubos que desconhecia.

A mão desmaiara,
um pequeno pombo insensível
vivendo em reclusão.
Voltei-a e a palma estava velha,
as suas linhas traçadas como renda requintada
e cosidas em dedos.
Era gorda, suave e cega nalguns pontos.
Nada a não ser vulnerável.

E tudo isto são metáforas.
Uma simples mão – apenas solitária
querendo tocar em algo
que lhe devolva o toque.
A cadela não serve.
A sua cauda abana no pântano em busca de um sapo.
Sou comida para cães, nada mais.
Dona da sua própria fome.
As minhas irmãs não servem.
Vivem na escola, ou para botões
e lágrimas escorrendo como limonada.
O meu pai não serve.
Inclui-se na casa e, mesmo à noite,
vive numa máquina feita pela minha mãe
e bem oleado pelo trabalho, o trabalho.

O problema foi este:
eu deixara congelar os meus gestos.
O problema não estava
na cozinha ou nas tulipas
mas apenas na minha cabeça, na minha cabeça.

Depois, tudo isto passou à história.
A tua mão encontrou a minha.
A vida assomou-me aos dedos como um coágulo.
Oh, meu carpinteiro,
os dedos reconstruíram-se.
Dançam com os teus.

Dançam no sótão e em Viena.
A minha mão está viva por toda a América.
Nem a morte a deterá,
a morte derramando o seu sangue.
Nada a deterá, já que este é o reino
E o reino chegou."
Anne Sexton


Sem comentários: