Vai na rua e tem um resíduo em mãos. Deita-o para o chão porque não há contentores por perto, mas pode estar enganado se pensa que a culpa é de não existir um contentor “ali à mão”. A vice-presidente da ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável, Susana Fonseca, esclarece a situação: “O lixo é nosso, a responsabilidade é nossa e nós é que temos de encontrar uma solução.”
Separar o lixo e distribuí-lo pelos diferentes contentores coloridos é um dos primeiros hábitos a ganhar se queremos ajudar o ambiente. “É benéfico para todos nós, enquanto sociedade, porque quando separamos na origem conseguimos aproveitar muito mais daquelas matérias-primas”, garante Susana Fonseca, que admite “uma certa desresponsabilização e falta de proatividade” por parte da população no ato de reciclar.
Em concreto, qual será o problema de misturar todo o lixo num só caixote? A vice-presidente daquela associação explica à CNN Portugal que quando os resíduos são misturados “corre-se um maior risco de haver contaminações”. Contaminação esta que dificulta o tratamento dos resíduos, podendo mesmo comprometer a recuperação dos materiais recicláveis, de acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA). “A separação deve acontecer tão cedo quanto possível”, não só para melhorar as hipóteses de reciclar, mas também para minimizar o número de tratamentos pelos quais o resíduo passa antes de poder ser reciclado.
Do plástico recolhido em 2023, 77% foi encontrado no fluxo indiferenciado. O metal fica à frente com 81% a ser recolhido do lixo indiferenciado. Já o cartão e o papel destacam-se pela positiva, com 47% destes resíduos a serem retirados do lixo de recolha seletiva, mas mais de metade - 53% - ainda na recolha indiferenciada. Os dados são da APA, que alerta para a “quantidade muito significativa de resíduos com potencial de serem encaminhados para reciclagem que existe no fluxo indiferenciado”.
“É urgente inverter esta realidade”. O presidente da APA, José Pimenta Machado, refere-se à deposição em aterro dos resíduos dos portugueses que, com “pequenos gestos individuais”, pode ser diminuída. Os gestos em causa, “somados, têm um impacto considerável” e, não sendo possível evitar por completo a produção de resíduos, “é fundamental assegurar o seu encaminhamento para um destino adequado”, conta.
Portugal foi responsável pela produção de mais de cinco mil toneladas de resíduos urbanos, só em 2023, de acordo com os dados disponibilizados pela agência. “O país tem de acordar, estamos em estado de emergência.” O apelo é feito por José Pimenta Machado, que, em entrevista à CNN Portugal, revela que no ano passado 53% do nosso lixo foi parar aos aterros. Em 2023, esta percentagem era mais elevada - 59% -, mas a diferença continua a ser pouco expressiva. Deste total, 12% conheceram o seu destino na valorização energética - um processo de queima controlada que permite produzir energia a partir de todos os resíduos que não estão próprios para serem reciclados ou utilizados na compostagem. Para Susana Fonseca, “estarmos a incinerar os [resíduos] orgânicos também é uma má solução.”
A vice-presidente da associação ZERO critica o desperdício de “matéria orgânica” que é “fundamental para os nossos solos, particularmente em Portugal, que tem solos pobres nesta matéria”, refere. “Nós estamos a colocá-los em aterro e depois vamos comprar os fertilizantes para o solo”, acrescenta, sublinhando aquilo que acredita ser “uma má gestão de recursos”.
A boa notícia é que não somos obrigados a deitar fora estes biorresíduos (restos de comida, por exemplo). A compostagem doméstica pode ser uma solução e, de acordo com Susana Fonseca, é “uma das formas mais eficazes de reduzirmos a quantidade de resíduos orgânicos que saem das nossas casas.” Descrita pela vice-presidente da ZERO como “um processo relativamente simples”, a compostagem pode ser feita “no nosso quintal ou mesmo na nossa varanda”. O solo é quem mais beneficia desta prática, mas a população, especialmente as comunidades próximas de aterros, não fica nada atrás. “Estes resíduos são os que criam mais problemas, por causa dos cheiros, a atração de ratos e aves, por exemplo”, explica.
Apostar na prevenção
“Uma das formas mais eficazes de reduzirmos os resíduos que produzimos é começar a tentar reduzir o nosso consumo”. Além da reciclagem, reduzir o consumo próprio - e o desperdício - poderá ser uma maneira tão ou mais eficiente de minimizar o impacto ambiental do nosso lixo, indica Susana Fonseca.
Já se sentiu seduzido pelas promoções dos supermercados? Se sim, provavelmente não é o único. Fazer uma lista e pensar bem naquilo que é realmente preciso comprar, pode ajudá-lo. Pimenta Machado aconselha a população a ganhar o hábito de “planear antecipadamente as refeições de forma a comprar apenas as quantidades e os produtos necessários”. Susana Fonseca argumenta a favor “porque quando ficamos deslumbrados pelas promoções, muitas vezes o que compramos acaba por se estragar”.
Ser criterioso nas compras pode ajudar o ambiente, e podemos sê-lo a vários níveis. “Quando falamos em resíduos urbanos, os têxteis, os objetos que compramos para a casa e até o equipamento eletrónico fazem parte, portanto devemos pensar muito bem sobre a necessidade de comprar algo novo”, esclarece a vice-presidente da ZERO. No caso das roupas e dos móveis, podem ganhar uma segunda vida, se, como afirma, “o primeiro reflexo não for deitar fora”: “Estando em boas condições, podem ser doados ou vendidos em segunda mão”.
“As garrafas reutilizáveis” e os “nossos próprios sacos” devem substituir as embalagens descartáveis, diz Susana Fonseca, e mesmo as compras a granel - que devem ser “privilegiadas” - “funcionam bem se levarmos sacos”, caso contrário corremos o risco de estar a comprar uma pequena quantidade e a levá-la “dentro de um saco grande, que é pior do que se comprássemos um produto embalado”, refere. O presidente da APA reforça que “escolher produtos reutilizáveis é apostar na durabilidade”.
Se não pensa duas vezes antes de deitar um alimento fora, talvez o deva começar a fazer. “Nos produtos que são mais sensíveis precisamos de ter um cuidado a redobrar, mas muitos produtos vão para o lixo e ainda podem ser aproveitados”, afirma a vice-presidente da ZERO. Congelar ou pré-confecionar os alimentos que se podem vir a estragar evita “o desperdício para o ambiente e para os orçamentos familiares.” José Pimenta Machado adiciona mais um conselho à lista: “A aposta pode passar pelo reaproveitamento das sobras de refeições anteriores na confecção de novas receitas.”
As soluções que nos restam para além destas não são tão aliciantes. “Ou começamos a exportar resíduos ou regressamos às lixeiras”, alerta o presidente da APA. Isto num cenário em que, segundo os dados mais recentes de 2024, temos em média “14% de aterro disponível” e a maior parte dos nossos resíduos urbanos continua a ter os aterros como destino final.
O Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2030), aprovado pelo Governo, dita que, em 2035, apenas 10% dos nossos resíduos urbanos podem ser encaminhados para os aterros.
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