quinta-feira, 9 de setembro de 2021

The SECRET To Changing The World! (The Origin Of WRONGNESS) | Charles Eisenstein



Matemático formado pela Universidade Yale, o americano Charles Eisenstein escreve livros sobre economia que têm imagens idílicas na capa e nomes com clara inspiração na autoajuda – como O mundo mais bonito que nossos corações sabem ser possível, título de sua primeira obra em lançamento no Brasil. Eisenstein é um guru da "gift economy" – a oferta voluntária de bens e serviços, sem dinheiro envolvido nem expectativa de algo em troca. Em palestras ou no jornal britânico The Guardian, para o qual colabora desde 2012, o escritor torna-se mais ouvido conforme o modelo ocidental de sociedade entra em crise. "O normal já era", diz. "As pessoas não sabem o que fazer." Eisenstein veio ao país dar uma palestra no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, no dia 22 de novembro.

ÉPOCA — Que respostas sua visão de economia sem dinheiro apresenta para a enorme massa de desempregados que se formou depois da crise de 2008?
Charles Eisenstein — Desemprego é inevitável em nosso sistema, especialmente quando o crescimento econômico desacelera. Sabemos que o crescimento econômico precisa desacelerar, neste planeta, porque um planeta finito não pode acomodar um crescimento infinito. Ao mesmo tempo, por causa de avanços na tecnologia, cada trabalhador se torna mais e mais produtivo. Então temos cada vez menos trabalhadores fazendo cada vez mais produtos. No velho sistema, no qual ainda estamos, a única solução é também consumir cada vez mais. Se o consumo crescer rápido o bastante, todo mundo pode se manter empregado. Ou pelo menos a maioria pode se manter empregada. Mas isso está se tornando cada vez mais difícil. Então muita gente está se tornando desempregada. Ao mesmo tempo, muita gente não está se sentindo atraída pelo tipo de emprego disponível. Quando as pessoas perdem seu acesso ao dinheiro – e no Brasil muitas nem sequer tiveram acesso ao dinheiro –, precisam encontrar outras formas de cuidar de si mesmas e umas das outras.

ÉPOCA — Que formas de convívio estão surgindo em torno da falta de dinheiro?
Eisenstein — As favelas são um pouco um resultado disso. Num arranjo engenhoso, seus moradores não precisam de dinheiro para cuidar uns dos outros, pois todos sabem como arrumar comida e erguer uma casa. Não sou um especialista em como isso ocorre em cada lugar. Mas vi ocorrer, por exemplo, no Morro Vila Progresso, em Santos. As pessoas lá são financeiramente pobres, mas vi crianças brincando felizes ao ar livre. Ninguém ali gastou dinheiro com babás ou recreadores. Vi líderes comunitários ajudando uns aos outros com projetos de obras. Ninguém ali contratou um empreiteiro. Vi gente tocando música e dançando ao ar livre. Ninguém ali pagou para ir a um show. Tudo isso é uma forma de "gift economy". Nos Estados Unidos, onde eu moro, não vejo isso. Lá, você atravessa bairros inteiros sem ver crianças brincando na rua. Elas estão dentro das casas, na frente de algum computador. Ou estão em alguma atividade organizada, pela qual têm de pagar. Tudo se torna um produto, tudo se torna um serviço pago. Assim, não há comunidade. Ninguém cuida do próximo. Os moradores de Vila Progresso são pobres em vários aspectos, mas muito ricos em outros. Cada criança lá conhece a história de cada vizinho. Havia lá um homem bêbado, andando torto e se comportando mal. Uma criança me disse que ele havia sido deixado pela mulher, e que aconteceu isso e aquilo... Há uma espécie de riqueza cultural ali. Na América, não sabemos a história de nenhum vizinho. Cada pessoa que vemos é uma estranha. Não nos sentimos em casa, porque não fazemos parte de uma matriz de histórias. Logo, ficamos famintos por encontrar sentidos para a vida. Nos tornamos consumidores de histórias de políticos e celebridades. Por isso o discurso de Donald Trump é tão poderoso para nós.

ÉPOCA — Como explicar a vitória de Donald Trump?
Eisenstein — Trump diz que a América pode ser grande de novo. Diz que imigrantes são culpados pela criminalidade. Dá explicações bem simples que servem para muitos buscarem algum sentido, num mundo que está desmoronando. Apela para a nostalgia, para o antigo modo de viver... Há 30 anos, 40 anos, um americano conseguia sustentar a família inteira com seu salário de operário de fábrica. Hoje, esses empregos se foram. As pessoas estão revoltadas. Querem culpar alguém. Donald Trump oferece a eles alguém para odiar. A esquerda americana, por seu lado, oferece outro rol de culpados para odiar: os eleitores de Trump, porque eles são racistas, sexistas, são gente terrível. Dos dois lados há a mesma estratégia: encontrar um inimigo e despertar tanta indignação quanto possível, para assim poder derrotá-lo. É uma mentalidade de guerra.

ÉPOCA — Por que o sonho americano parece tão distante hoje?
Eisenstein — O sonho americano está em declínio há algumas décadas. Creio que se deve a uma profunda falência de nosso sistema econômico. Ele só funciona quando há crescimento, mas estamos ficando sem espaço para crescer atualmente. Quando o crescimento desacelera, o capital não consegue encontrar investimento produtivo suficiente a fim de manter as lacunas preenchidas. O capital precisa extrair riquezas de outro lugar. Uma forma é forçar outros países, como o Brasil, a converter seus recursos naturais em produtos para exportação. Mas isso não basta mais para manter a máquina de crescimento, pois estamos enfrentando resistência política e limites ecológicos. A era da dominância americana, que permitiu sustentar nossa elite e ainda produzir excedentes suficientes para as classes trabalhadoras, acabou. Agora temos de escolher se vamos permitir a nossas elites tornar-se mais e mais ricas ou se elas terão de compartilhar com todo mundo. Mas nem temos mais uma cultura política na qual a elite possa compartilhar. Todo o nosso sistema tributário, nosso sistema bancário, tudo está voltado em favor do "1 por cento", da camada mais rica.

ÉPOCA — A revolta contra o "1 por cento" tornou-se politicamente insustentável?
Eisenstein — Sim. Se Hillary Clinton tivesse sido eleita, possivelmente teríamos pela frente quatro anos de mesmice, uma mesmice cada vez mais nociva às pessoas e ao meio ambiente. Agora, o normal acabou. O normal já era. E as pessoas não sabem o que fazer. Encontram-se num estado de trauma, de choque, de confusão. Ninguém sabe o que vem pela frente. As pessoas ainda não admitem que o normal acabou. Poderemos ter grandes mudanças políticas nos próximos dois ou três anos.

ÉPOCA — Algum país já encontrou saída para o impasse deixado por esse fim da normalidade?
Eisenstein — Não vejo nenhum país 100% bem-sucedido como modelo, mas alguns estão fazendo coisas admiráveis. Butão, na Ásia, ou Costa Rica, na América Central. O Brasil é muito rico. Vocês deveriam se perguntar por que há tanta pobreza aqui, em um país tão rico em recursos naturais. Todo mundo aqui deveria estar feliz e ter uma vida confortável. Mas vocês também são parte de um sistema que drena recursos da coletividade em favor de muito poucos.

ÉPOCA — Quais são as lições do Butão?
Eisenstein — Eles estão questionando o desenvolvimento econômico como um objetivo necessário e positivo. Estão pensando: "Em vez de buscar prosperidade, vamos buscar a felicidade nacional. Isso inclui algum desenvolvimento econômico, mas também desistir de certos desenvolvimentos. Não vamos nos lançar à agroindústria, por exemplo. Não vamos permitir turismo demais, por saber que isso drenaria parte da felicidade de nosso povo". Não quer dizer que a gente deva copiar o Butão, mas que podemos aprender com suas ponderações sobre o que é realmente bom. Vivemos sob a ideologia de que o desenvolvimento é uma força historicamente inevitável e positiva. Mas vemos hoje que, após muitas décadas de desenvolvimento na América do Sul, as pessoas não estão necessariamente mais ricas ou felizes em aspectos importantes. A ideologia diz: "Isso é porque vocês ainda não se desenvolveram o bastante. Se ainda não está funcionando, vá mais fundo, até se tornar uma América". Mas olhe para a América de perto. Ela parece próspera. Tem grandes casas, grandes estradas, grandes coisas. Mas a miséria, a solidão e a alienação dentro desses casarões, a depressão, a violência doméstica... Isso não é um modelo para o mundo. Se isso é o ponto de chegada do desenvolvimento, então precisamos nos desenvolver em outra direção. Numa direção que não leve a casas afastadas umas das outras, sem espaço público, onde é necessário dirigir de um canto a outro, onde tudo é ilegal, onde crianças não brincam ao ar livre. Esquecemos nosso instinto comunitário. Todas essas coisas nos tornaram a nação mais pobre do planeta. Não estou dizendo que os países devem continuar onde estão. Mas que eles devem questionar tudo.

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