segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Trabalho precário - Portugal a caminho do Laos do Ocidente

Por Tiago Franco, 9 de Novembro
Enquanto as eleições do Benfica ocupavam boa parte do espaço mediático e das transmissões televisivas, mais de 100 000 trabalhadores saíram à rua para se manifestarem contra as alterações às leis laborais. Eu sou Benfiquista, daqueles que levam aquilo mesmo no osso, mas consigo perceber, acho eu, onde devem estar as prioridades de uma sociedade sob ataque.

Enquanto escrevo isto vejo um noticiário da CNN que abre com um direto, a partir de uma feira qualquer, onde a jornalista entrevista anónimos Benfiquistas a propósito do resultado de ontem. Às vezes acredito mesmo que temos o que merecemos.

As alterações ao código do trabalho, que foram passando entre burcas, futebol e imigrantes, serão, provavelmente, o momento que marcará a passagem de Montenegro pelo governo português e que, nos anos seguintes, ficará como a sua imagem de marca. Passos Coelho ficou colado, para a vida, à emigração dos professores. O Luís, da Spinumviva, ficará agarrado ao maior ataque aos trabalhadores desde Abril de 74. A propósito...algum dia teremos desenvolvimentos no caso dessa empresa extraordinária, que nunca teve conflitos laborais entre patrão e empregados?

O novo pacote laboral, para a minha geração pelo menos, deveria ser a primordial preocupação. Era este o debate que nos devia ocupar as horas televisivas. Era importante que os portugueses, que vivem do seu trabalho, percebessem o que está a ser alterado e de que forma isso os afecta.

O governo PSD-Chega vai conseguir ir para lá daquilo que seria o sonho molhado dos liberais em relação ao código do trabalho. Horários maiores, contratos mais precários e durante mais tempo. Facilitação do despedimento, maiores limitações às greves e ao trabalho sindical. Flexibilização de horários de trabalho nocturnos ou ao fim-de-semana. Possibilidade de fazer outsourcing (trabalho externo) para substituir trabalhadores despedidos (ou seja, incentivar mão de obra mais barata e precária).

Curiosamente...nem uma palavra sobre o aumento do salário mínimo. Em resumo, o novo código do trabalho far-nos-á mais pobres (se é que isso ainda é possível) e muito mais precários. Para quem não acompanha esta coisa dos sindicatos, pensem apenas nisto meus amigos...quando a CGTP e UGT dão a mão, é porque a coisa está mesmo preta.

Acho importante desmistificar aqui uma ou duas coisas que ouço, aqui e ali, dos liberais e radicais de direita, quando tentam defender estas medidas como um avanço em direção à Europa do norte. Meus amigos...há duas diferenças enormes, nisto do trabalho, entre Portugal e os países mais ricos a norte.
A primeira é o nível de formação da população e, como consequência disso, o tipo de trabalho desenvolvido.

Não é a mesma coisa flexibilizar as leis laborais num país cheio de indústrias ou hubs tecnológicos ou, noutro, que vive de serviços e turismo. A facilidade de encontrar novos empregos é muito maior no primeiro.

A segunda é que, ao contrário do que nos vendem, os sindicatos são fortíssimos nos países do norte e parceiros indispensáveis para a concertação social. Já para não falar da rede social de apoio. Portanto, os trabalhadores são protegidos e os sindicatos ouvidos.

Na minha área laboral é particularmente chocante perceber onde Portugal chegou nas últimas duas décadas. Deixámos de ser um país formador com potencial para passarmos a ser o hub da engenharia europeia do baixo custo. Já perdi a conta às multinacionais que vão para Portugal porque há "engenheiros bem formados, que falam inglês e trabalham 10h por dia por 1.000 e tal euros por mês". Este tipo de discussão é frequente e eu ouço-a envergonhado.

Aliás, é curioso, a propósito de um texto que aqui escrevi sobre deslocação de trabalho (meu) para o Vietname e, contas feitas, Portugal está em condições de competir com o custo do sudeste asiático. Algo absolutamente impensável em qualquer país da Europa civilizada.

O que Luís Montenegro e seus comparsas tentam é baixar, ainda mais, o nível já de si sofrível, deixando-nos à mercê dos baixos salários com a chantagem do despedimento ao virar da esquina. E mais do que isso, fazer com que a precariedade seja regra e o planeamento de uma vida familiar uma autêntica aventura.

Quem é que quer viver num país assim, pergunto. Quem é que fica, depois, surpreendido, que a imigração para Portugal se resuma a povos de países ainda mais miseráveis? Não é por demais óbvio que, em momento algum, o triunvirato PSD-Chega-Il poderá melhorar a qualidade de vida do português comum?

Aliás...qual é a diferença, nos dias de hoje, entre as políticas de Montenegro, Ventura ou Mariana Leitão?

É importante que compreendam o seguinte. Com a realidade do tecido empresarial português, a nossa formação e os empregos que a economia gera, este pacote laboral não nos leva para o norte europeu. Nem a Espanha chegamos, quanto mais ao norte.

Tudo o que podemos aspirar é continuar a formar gente que se vai embora, deixando para trás uma população envelhecida, pobre e com ódio ao vizinho do lado.

Esta é a grande luta que nos bateu à porta. Não são os tik-toks do Ventura, os paquistaneses da Uber ou a bola que foi ao poste. Temos que interromper, por uns tempos, a degustação de palha e focar no essencial.

Caso contrário, não nos poderemos queixar se, um dia, acordarmos no Laos do Oeste.

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