quinta-feira, 23 de março de 2023

Supermercados - roubo organizado


O governo anunciou ontem um plano para conseguir regular os preços dos alimentos, que apesar de a taxa de inflação em fevereiro ter recuado para 8,2% continuam a aumentar. Uma das ações passa por intensificar a fiscalização por parte da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), de forma a perceber "o que está na génese da diferença de preços", explicou ontem o ministro da Economia e do Mar, em conferência de imprensa. António Costa Silva referiu que podem estar em causa "práticas abusivas" e que, a existirem, "têm de ser sancionadas".

"O setor da distribuição e retalho está sempre do lado da solução e não engana os consumidores", garantiu, em reação, a associação que representa o setor, lamentando não ter sido escutada nem sequer ter sido informada da existência do relatório da ASAE. E assegura que o problema está no preço com que os produtos chegam a esta fase da comercialização, rejeitando a ideia de especulação na distribuição.

A acompanhar o ministro da Economia esteve o inspetor-geral da ASAE, Pedro Portugal Gaspar, que apresentou um relatório em que se revela que, desde 2022 e até fevereiro deste ano, o cabaz de bens essenciais subiu cerca de 29%, passando dos 74,9 euros em janeiro de 2022, para 96,44 euros no mês passado.

A ASAE começou a fiscalizar os preços de bens alimentares em súper e hipermercados em setembro do ano passado, levando a cabo operações que envolvem 38 brigadas e 80 inspetores. Desde o início das ações e até ontem, 9 de março, foram instaurados 68 processos-crime de especulação e 105 processos de contraordenação a 960 operadores económicos.

A tomada de posição do Executivo merece o aplauso da DECO Proteste, embora a associação não deixe de lamentar o facto de acontecer quando os preços da alimentação já pesam em demasia nos bolsos dos portugueses. "A monitorização que a DECO Proteste faz tem vindo a mostrar a situação que hoje é vista pelo senhor ministro", acusa Rita Rodrigues. A diretora de Comunicação e Relações Institucionais da associação diz que a iniciativa governamental é importante, mas "fiscalizar, monitorizar preços, reforçar a ASAE e conversar com o setor dos operadores é tudo aquilo que já deveria estar a ser feito há meses".

Rita Rodrigues apela ainda a uma intervenção da Autoridade da Concorrência, já que considera existir "um problema de transparência nos preços". "Este é um setor em que, em toda a cadeia, não há transparência", reforça, assumindo que apesar de a associação não ter uma solução que possa ajudar a baixar os preços rapidamente, "deveria ter existido um ritmo de fiscalização que permitisse não ter chegado a este ponto". E remete para a última análise da DECO Proteste a um cabaz com 63 produtos alimentares essenciais, que ontem valia 230,76 euros. A mesma cesta, a 9 de março de 2022, levava uma subida de 25,66%, ou seja, mais 47,12 euros. É o preço mais elevado desde que se começou a monitorizar este cabaz, a 5 de janeiro de 2022.

Durante a apresentação da estratégia do Executivo para combater a especulação nos preços, assente em seis pontos, António Costa Silva indicou ainda que o governo vai reunir com os operadores de forma a ouvir as suas explicações e verificar se existem discrepâncias que possam configurar práticas abusivas que, a confirmarem-se, terão uma resposta "inflexível" por parte do governo, sublinhou o ministro.

Ao mesmo tempo, o governo diz que vai analisar toda a cadeia de alterações de preços dos alimentos, começando na produção e passando pela distribuição, até quando finalmente os produtos são colocados na prateleira. A PARCA - Plataforma de Acompanhamento nas Relações na Cadeia Agroalimentar vai também ser convocada.

APED garante que setor está a "absorver custos"
Em comunicado, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) lamentou "que a ASAE tenha produzido um relatório do qual o setor não tem conhecimento nem foi convidado a dar contributo", embora tenha colaborado sempre com a agência. E diz que, perante as informações prestadas pelo ministro da Economia, "é preciso falar verdade aos portugueses e explicar com clareza todos os fatores que levam ao aumento de preços dos alimentos". A associação revela que esteve reunida com o governo na quarta-feira, tendo explicado o motivo da subida e o que se passa em toda a cadeia de valor.

Na conferência de imprensa de ontem, Pedro Portugal Gaspar disse que é necessário saber se existem indícios de prática de especulação porque, de acordo com os dados revelados pela ASAE, a margem média de lucro bruto da cebola, por exemplo, subiu mais de 50% e a dos ovos, laranjas, cenouras e febras de porco aumentou entre 40% e 50%.

A APED garante que a distribuição está a comprar os produtos cada vez mais caros aos fornecedores (indústria e produção) e que estes aumentos, no início da cadeia, "refletem a subida dos custos dos fatores de produção decorrentes dos aumentos do preço dos fertilizantes, rações e outros custos relevantes". A título de exemplo: o leite "está 75% mais caro nas lojas, precisamente o aumento que os fornecedores passaram para a distribuição" - sendo este um produto com margens mínimas. O ministro da Economia havia revelado que os custos com fertilizantes, combustíveis e eletricidade baixaram, não se podendo imputar a subida dos alimentos a estes fatores.

A APED reitera: "O setor da distribuição e retalho está sempre do lado da solução e não engana os consumidores", e que o negócio da distribuição alimentar se centra no volume e não na margem. A margem média do setor do retalho alimentar é, em todo o mundo, na ordem dos 2 a 3%, que compara com margens da indústria na ordem dos 15 a 20%, adianta. A associação assegura que o retalho alimentar não aumentou as margens de comercialização, tendo, ao invés, conseguido reinventar-se para "absorver o acréscimo generalizado dos custos operacionais, evitando que o ónus da inflação em geral para o consumidor fosse muito superior".

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