REACH: Entre a Protecção e a Burocracia Química
Quando foi criado em 2007, o REACH (Registration, Evaluation, Authorisation and Restriction of Chemicals) prometia uma revolução silenciosa: tornar o mercado europeu mais seguro para as pessoas e o ambiente, obrigando as empresas a provar que as suas substâncias químicas são seguras antes de as colocarem no mercado. O princípio era simples e poderoso — “sem dados, sem mercado” — e pretendia inverter a lógica que, durante décadas, permitiu a comercialização de produtos cujos riscos eram pouco conhecidos.
Quase duas décadas depois, o balanço do REACH é ambivalente. O regulamento é, sem dúvida, um dos mais ambiciosos instrumentos de política ambiental e de saúde pública da União Europeia. Graças a ele, milhares de substâncias foram avaliadas, algumas restringidas e outras substituídas por alternativas menos perigosas. Porém, o seu percurso tem sido marcado por contradições, entraves administrativos e dilemas éticos que merecem reflexão.
A promessa e o peso da burocraciaO REACH é um sistema complexo. Exige que as empresas recolham, testem e submetam à Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) extensos dossiês de informação sobre cada substância fabricada ou importada. Na prática, isso traduziu-se num fardo burocrático pesado, sobretudo para pequenas e médias empresas, que raramente dispõem de recursos técnicos e financeiros para cumprir todos os requisitos.
A boa intenção de responsabilizar a indústria acabou, por vezes, transformada numa teia de procedimentos administrativos, onde a transparência e a qualidade dos dados nem sempre acompanham o volume de informação exigido. Muitos dossiês submetidos contêm lacunas, atrasando as avaliações e comprometendo a eficácia do sistema.
O dilema dos testes em animaisUm dos pontos mais sensíveis do REACH é a questão dos testes toxicológicos em animais. Embora o regulamento promova métodos alternativos, a realidade mostra que, para muitas substâncias, ainda se recorre a ensaios dolorosos e dispendiosos. Organizações de proteção animal criticam o paradoxo de um sistema que pretende ser moderno e ético, mas que mantém práticas experimentais ultrapassadas em nome da segurança humana.
Competitividade e desigualdade globalA indústria química europeia argumenta que o REACH, ao elevar os padrões ambientais e de segurança, também aumentou os custos de produção e reduziu a competitividade face a países onde a regulação é mais branda. Alguns setores alertam para a deslocalização da produção para fora da Europa — um efeito colateral que, paradoxalmente, pode aumentar os impactos ambientais a nível global, ao deslocar a poluição em vez de a reduzir.
Além disso, a ausência de harmonização internacional dificulta o comércio e cria barreiras técnicas, já que outras regiões do mundo não adotaram sistemas equivalentes. O ideal europeu esbarra, assim, na realidade de uma economia global desigual.
A lenta substituição das substâncias perigosasOutro objetivo central do REACH era incentivar a inovação química verde. Mas a substituição de substâncias perigosas tem sido mais lenta do que o esperado. Muitas vezes, as alternativas introduzidas no mercado revelam-se apenas ligeiramente menos tóxicas — um fenómeno conhecido como regrettable substitution.
Este impasse mostra que o desafio não é apenas regulatório, mas também científico e económico: criar produtos verdadeiramente seguros requer investimento em investigação e vontade política para transformar cadeias produtivas inteiras.
Entre o avanço e a estagnaçãoApesar das suas falhas, o REACH continua a ser um marco global. Inspirou legislações fora da Europa e forçou um debate inadiável sobre a responsabilidade da indústria química. No entanto, permanece a necessidade de simplificar processos, melhorar a transparência e acelerar a substituição de substâncias perigosas.
Nomeadamente a fraca qualidade de muitos dossiers relativos a substâncias químicas registadas, implica que muitas substâncias continuam a ser usadas, sem que se tenha informação suficiente para avaliar a sua segurança para a saúde e o ambiente.
Também os processos de restrição de substâncias chegam a demorar mais de uma década para ser completado, com graves perdas para a saúde humana e para o ambiente.
A anterior Comissão Europeia tinha prometido rever o Regulamento REACH durante o seu mandato para o tornar mais eficaz. Contudo, essa promessa não foi cumprida. O atraso existe desde o primeiro trimestre de 2023 (31 de março de 2023), altura em que deveria ter sido publicada a proposta de revisão.
Em resumoO equilíbrio entre proteção ambiental, bem-estar animal e competitividade económica é delicado — e o REACH é o espelho dessa complexidade. É um exemplo notável de progresso regulatório, mas também um lembrete de que a transição ecológica exige mais do que boas intenções: precisa de coerência, inovação e coragem política.
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