Uma das características da encarniçada globalização neoliberal que continua a preponderar no mundo, é a progressiva submissão dos governos à lógica dos mercados. No caso português, a entrada na Comunidade Europeia, e depois na Zona Euro, transformou a política numa atividade mecânica, despida da responsabilidade pela liberdade e pelo risco que sempre acompanham as decisões tomadas com sentido estratégico. A política que prevalece, reduz-se a seguir o livro de instruções que nos é ditado por quem manda, por mais absurdas que sejam as regras e as ordens daí decorrentes.
Ao longo das últimas décadas, o Estado foi-se despindo das instituições destinadas a sondar caminhos de futuro. O pensamento estratégico tem sido substituído pela lógica do curto prazo. O tacticismo, muitas vezes difícil de separar do mero oportunismo, tem retirado às políticas públicas o horizonte de caminhos alternativos. Portugal entregou-se, de corpo e alma, a um projeto de integração europeia, pejado de problemas estruturais e de erros de software, perante os quais o país tem mantido uma atitude obediente e passiva.
Falta dramaticamente a Portugal a urgência de um plano B. Falta a lucidez que nos deveria mobilizar para pensar os cenários da segurança nacional, em sentido amplo e não estritamente militar, no caso de um muito provável agravar da situação europeia e internacional. Um dos mais agudos sinais dessa cegueira perante a necessidade de preparar o país para sobreviver num eventual cenário futuro marcado pelo declínio de instituições e soluções políticas multilaterais, consiste no modo como a política de ordenamento do território e conservação da natureza se tem degradado sem, aparentemente, existir nenhuma perspectiva de retorno.
Ainda no início deste mês de Julho foi aprovado um projeto hoteleiro para o Cabo Espichel. Trata-se de um empreendimento situado numa propriedade com 153 hectares, incluída na Zona Especial de Conservação (ZEC) Arrábida-Espichel e na vizinhança do Parque Natural da Arrábida. Estão previstos 58 unidades de alojamento, um total de 88 quartos e respetivas estruturas de apoio. Os impactos negativos deste projeto, situado em área da Rede Natura 2000, não podem ser separados da relação amplificadora com outros dois grandes projetos situados na Aldeia do Meco que, no conjunto, apontam para a construção de mais 1528 quartos.
Se pensarmos em grandes estruturas, como o previsto aeroporto do Montijo, a instalar na zona da Reserva Natural do Estuário do Tejo, ou em todos os empreendimentos de agricultura intensiva que têm sido aprovados em áreas integrando a Rede Nacional de Áreas Protegidas, percebemos que este desnorte na “gestão” das unidades de conservação da Natureza não constitui uma exceção, mas sim um padrão que veio para ficar. O que está em causa é uma grave corrupção do objetivo fundamental das políticas públicas de proteção ecológica. Em vez das áreas protegidas serem consideradas como bastiões intocáveis do capital natural de que o país necessita para garantir o seu futuro, as áreas protegidas têm sido consideradas pelo governo, com o assentimento do Ministério do Ambiente, como uma espécie de “banco de terras” a lotear pela melhor oferta.
A ultrapassagem da legislação em vigor tem ao seu serviço uma indústria de avaliação de impacto ambiental que funciona como um dócil instrumento dos donos de obra. Considerar o território (terrestre e marítimo) como mera mercadoria que pode ser delapidada – ignorando o facto de que esse território será a última barreira da sobrevivência nacional no quadro do inevitável agravamento da crise ambiental e climática – é um sinal do imenso declínio da ideia de Estado e de bem público na prática e na cultura políticas do Portugal contemporâneo.
Sem comentários:
Enviar um comentário