sábado, 11 de outubro de 2025

Política ecológica vs Ecologia política: entender para agir


Nos discursos sobre ambiente e sustentabilidade, termos como política ecológica e ecologia política aparecem com frequência — por vezes usados como sinónimos. Mas há diferenças importantes que convêm conhecer para pensar e agir de forma crítica e eficaz.

O que é política ecológica

A política ecológica é prática: refere-se às decisões, leis, regulamentos, políticas públicas ou privadas que visam incorporar preocupações ecológicas. Por exemplo:

  • Legislação para conservação de espécies ou de habitats;

  • Políticas de energias renováveis ou de eficiência energética;

  • Programas de redução de emissões de gases com efeito de estufa;

  • Políticas de gestão de resíduos e economia circular.

Ou seja, política ecológica lida com o que se faz para proteger ou restaurar o ambiente, com metas, instrumentos regulatórios, incentivos ou penalizações, e com a implementação prática.

O que é ecologia política

Ecologia política é reflexão e análise crítica: estuda como fatores como poder, desigualdade, economia ou cultura moldam as interações entre sociedade e natureza. Envolve perguntas como:

  • Quem decide sobre o uso da terra ou dos recursos naturais?

  • Quem lucra e quem sofre com os impactos ambientais?

  • Como formas de conhecimento e cultura (saberes locais, indígenas, campesinos) são valorizadas ou rejeitadas?

  • Que narrativas legitimam certas políticas ecológicas, enquanto marginalizam outras?

  • Como as estruturas globais (capitalismo, colonialismo, sistema internacional) influenciam crises ecológicas? 

A ecologia política procura revelar as relações de poder que estão por baixo das políticas ecológicas, ajudar a diagnosticar injustiças ambientais e indicar caminhos para transformações mais radicais e justas.

Por que a distinção importa

  • Políticas ecológicas bem-intencionadas podem falhar ou gerar injustiças se ignorarem quem é afetado: por exemplo projetos de conservação que deslocam populações locais, ou medidas climáticas que penalizam os mais pobres sem alternativas de adaptação.

  • Entender ecologia política ajuda a construir políticas que não só cuidam da natureza, mas promovem justiça ambiental e equidade social.

  • Serve também de base para a participação democrática, valorização de saberes diversos, e para que os agentes menos poderosos (comunidades, movimentos sociais) sejam parte da mudança — não apenas objeto dela.

Principais eixos de diferença

AspectoPolítica ecológicaEcologia política
Objetivo principalregulação, proteção, mitigação, implementação práticaanálise crítica, compreensão das estruturas de poder, justiça ambiental
Atores focadosgovernos, organismos internacionais, ONG, políticas públicascomunidades locais, movimentos sociais, académicos, grupos marginalizados, etc.
Questões centraislegislação ambiental, conservação, emissões, energia limpa, biodiversidadedesigualdade no acesso aos recursos, quem decide o uso da terra, imperialismo ecológico, narrativas dominantes, justiça ambiental, conflitos ecológicos


Autores e pensadores importantes da Ecologia Política

AutorContributo principal
Piers BlaikieUm dos fundadores da ecologia política. No livro The Political Economy of Soil Erosion in Developing Countries (1985), argumenta que a erosão do solo não é só resultado da má gestão ou população, mas está ligada a desigualdades sociais, estruturas políticas, poder. Wikipedia
Harold BrookfieldTrabalhou com Blaikie em Land Degradation and Society; focou nas interações entre uso da terra, práticas agrícolas, colonialismo e desenvolvimento; acrescentou dimensão histórica e de escala nas análises. Wikipedia
James C. ScottNão se define como ecólogo político, mas suas obras influenciam fortemente o campo: Seeing Like a State, The Art of Not Being Governed, etc. Ele analisa como o Estado, burocracias e práticas de poder simplificam e moldam a natureza e sociedades; sua atenção à resistência local, ao conhecimento prático (metis) é muito relevante para ecologia política. read.dukeupress.edu
Murray BookchinCriou a “ecologia social” (social ecology), uma filosofia política que vê os problemas ecológicos como inseparáveis dos problemas sociais: hierarquias, dominação, desigualdade. Propõe uma reestruturação social para uma democracia direta, comunitária, descentralizada. Wikipedia
Enrique LeffTrabalha com ecologia política, epistemologia ambiental, e conflituosidade socioambiental; por exemplo no livro Political Ecology: Deconstructing Capital and Territorializing Life. Ele aprofunda como saberes, poder e território se entrecruzam. SpringerLink
Tor A. Benjaminsen & Hanne Svarstad
No livro Political Ecology: A Critical Engagement with Global Environmental Issues (2021). Trabalham com estudos de caso, poder, justiça ambiental, conflitos em uso da terra, mitigação climática, Norte‐Sul. SpringerLink



Raymond L. BryantUm geógrafo-chave no campo, autor de Third World Political Ecology com Sinéad Bailey, entre outros, mostrando como mudanças ambientais distribuem benefícios e custos desigualmente. Wikipedia
Giorgos KallisEmbora mais ligado à economia ecológica, é importante para debates de degrowth, crítica do crescimento infinito, alternativas de desenvolvimento mais sustentáveis. Wikipedia


Outros autores relevantes: Nancy Lee Peluso, Michael Watts, Arturo Escobar, Richard Peet, , que tratam de colonialismo, direito à terra, práticas de resistência, justiça ambiental.
Artigos de revista como Journal of Political Ecology Wikipedia
 

Exemplos de articulação

Para tornar concreto, alguns casos ou estudos-que-se podem usar:

  • Em Portugal, artigos comparativos que relacionam ecologia política e justiça ambiental, p.ex. o artigo “Justiça Ambiental e Ecologia Política: Entre sinergias e Benefícios Mútuos…” da UTAD que examina como os debates de justiça ambiental se interligam com ecologia política. periodicos.unievangelica.edu.br

  • Na América Latina, Enrique Leff escreveu sobre “Political Ecology in Latin America: A field in construction”, apontando que a ecologia política emergiu como uma resposta aos conflitos pelo uso da natureza, à desigualdade territorial, e à necessidade de repensar as relações entre natureza, cultura e política. revistaschilenas.uchile.cl

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