A Declaração de Impacte Ambiental favorável condicionada, emitida à mina do Barroso, impõe a interdição da captação de água do rio Covas, um acesso à autoestrada 24 e os ‘royalties’ [alocação dos encargos de exploração], assim como os rendimentos da exploração da mina, “revertem todos em benefício do município”.
A mina de Lítio do Barroso, proposta para Boticas, em Vila Real, obteve uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
Num comunicado divulgado esta quarta-feira, a APA disse que decidiu viabilizar ambientalmente a exploração de lítio na mina do Barroso, emitindo uma DIA favorável, mas que integra um "conjunto alargado de condicionantes".
A mina do Barroso, que a empresa Savannah quer explorar, tem uma duração estimada de 17 anos, a área de concessão prevista é de 593 hectares e é contestada por associações locais e ambientalistas e a Câmara de Boticas.
Autarca de Boticas reage com tristeza e preocupação
O presidente da Câmara de Boticas, Fernando Queiroga, reagiu com tristeza e preocupação à declaração e afirmou que o concelho não "está à venda".
Para o autarca, a mina "vai pôr em causa o investimento que Boticas tem seguido e que é baseado na agricultura, na pecuária e no turismo".
"Não pensaram nas pessoas, no concelho, no território e acima de tudo no selo que temos e que é único do Barroso Património Agrícola Mundial", salientou, acrescentando ainda não entender "como é que possível fazer um investimento desta envergadura contra as pessoas".
De acordo com a APA, a mina do Barroso obedecerá "a exigentes requisitos ambientais" e incluirá, ainda, "um pacote de compensações socioeconómicas, tais como a alocação dos encargos de exploração ('royalties') devidos ao município de Boticas e, entre outros benefícios locais, a construção de um novo acesso que evite o transtorno das populações.
"São medidas. Compensatórias já não lhe quero chamar porque o que vai destruir se calhar não compensa. O concelho de Boticas não está à venda e, portanto, não é destruindo e colocando novas situações que nós estamos de acordo", afirmou o autarca.
Na sua opinião, o projeto a ser concretizado "vai destruir muito, mas muito, o concelho de Boticas".
A consulta pública do reformulado Estudo de Impacte Ambiental (EIA) da mina do Barroso terminou em abril com 912 participações submetidas através do portal Participa.
"E nem um mês depois já tem o parecer emitido, isto quer dizer que as mais de 900 opiniões que foram dadas garantidamente não foram tidas em linha de conta, nem sequer olharam para elas, não tenho dúvida nenhuma", sublinhou.
Fernando Queiroga disse que a câmara vai, agora, analisar o que pode fazer ou a quem recorrer para travar este projeto.
Associação repudia declaração
Após a notícia, a associação Unidos em Defesa do Barroso (UDCB) repudiou a declaração e prometeu continuar a lutar contra as minas a céu aberto.
A associação afirmou, em comunicado, que repudia "veementemente" esta decisão, que considera "um desrespeito pelos direitos ambientais, humanos e sociopolíticos" e prometeu que continuará a "defender a natureza e proteger as populações da ameaça de minas a céu aberto".
Segundo salientou, o projeto da Savannah prevê a construção de "quatro minas a céu aberto, numa área de quase 600 hectares, em terrenos maioritariamente baldios e muito próximos das aldeias de Covas do Barroso, Romainho e Muro, consagradas Património Agrícola Mundial".
"A concretizar-se, este seria o maior projeto de mineração de lítio a céu aberto na Europa", salientou.
A UDCB mostrou-se "perplexa" pela aceitação deste projeto, "consistentemente rejeitado por especialistas ao longo de dois anos", e frisou que "face aos irremediáveis e devastadores impactos ecológicos, ambientais e socioeconómicos do projeto", considerou "inaceitável que a APA legitime um projeto desta natureza".
A associação citou a página 15 da DIA em que se afirma que "o conjunto das referidas afetações diretas e indiretas, incluindo os impactes residuais, a par dos impactes cumulativos potenciais, impostos pela elevada pressão de projetos sobre a área de estudo, pode comprometer a classificação de Património Agrícola Mundial" e ainda "considera-se ainda que não existe compatibilidade e possibilidade relevante de integração paisagística do presente projeto no território, sobretudo, tendo em consideração a sua classificação".
"A 1.ª vez que um projeto de lítio em Portugal tem uma DIA favorável"
Em comunicado, a empresa Savannah salientou que "esta é a primeira vez que um projeto de lítio em Portugal tem uma DIA favorável" e referiu que, após esta decisão pela APA, pode "iniciar a próxima fase de desenvolvimento do projeto ao nível do licenciamento ambiental".
A APA refere que o projeto foi "alterado substancialmente face à proposta inicial, salvaguardando as suas dimensões ambientais (na dimensão da proteção dos cursos de água, da salvaguarda da biodiversidade ou da gestão de resíduos, entre outros)".
A DIA impõe a alocação da "parcela devida dos 'royalties' ao município de Boticas e o desenvolvimento do 'Acesso Norte', que ligará Carreira da Lebre ao Nó de Boticas/Carvalhelhos da A24".
A decisão ambiental emitida incorpora um conjunto alargado de medidas a cumprir pela Savannah Lithium, entre as quais a APA destaca a interdição de captação de água no rio Covas, a definição de uma zona de proteção, com o mínimo de 100 metros de largura, para cada lado do limite do leito do rio Covas.
Ainda a definição do período de desmatação entre 1 de setembro e 15 de março, isto é, fora da época crítica de nidificação da avifauna da região, da época de reprodução do lobo ibérico e das demais espécies da fauna, bem como a criação de um corredor que permita e promova a circulação de lobos entre alcateias.
A empresa terá que desenvolver e aplicar um plano de ação, no qual deverão também ser aprofundados os mecanismos de compensação da área do Barroso Património Agrícola Mundial.
Quais são as medidas compensatórias?
Entre as medidas compensatórias a aplicar estão um Plano de Compensação do Património Cultural, o qual deverá incluir um estudo histórico e etnográfico dos vales dos rios Beça e Covas, face à importância do Barroso enquanto Património Agrícola Mundial, um programa de apoio aos criadores de gado, um Plano de Compensação de Carvalhal (habitat 9230), um Plano de Compensação de Gralha-de-bico-vermelho.
Inclui ainda a criação e manutenção de um centro de reprodução de mexilhão-de-rio (Margaritifera margaritifera) no rio Beça, um projeto de compensação do regime florestal e de áreas de povoamentos florestais.
No comunicado, a APA refere que o "aproveitamento do lítio, quando feito em condições ambiental e socialmente responsáveis, tem a potencialidade de gerar uma oportunidade económica nos territórios onde os jazigos minerais se localizam, assim como de promover o cluster industrial associado, potenciando a transição energética, criando emprego e valor acrescentado nacional".
Assim, acrescentou, "perante a potencialidade de ocorrência deste mineral no nosso território, importa assegurar as condições para a valorização deste recurso do domínio público, assegurando a necessária salvaguarda dos requisitos ambientais".
A empresa submeteu o EIA da mina do Barroso em junho de 2020 e, dois anos depois, o projeto recebeu um parecer "não favorável" por parte da comissão de avaliação da APA, mas, ao abrigo do artigo 16.º do regime jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), o projeto foi reformulado e ressubmetido a apreciação.
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