quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Guia para desmontar 24 mentiras sobre a vacina da Covid-19

Das teorias da conspiração sobre 5G e chips implantados nas vacinas às dúvidas mais sensatas sobre a rapidez com que foram criadas e a sua eficácia em diferentes estirpes do coronavírus, um conjunto de cientistas dá respostas sobre as vacinas.

Desde o início da pandemia da Covid-19 até ao final de 2019 contabilizaram-se mais de 82 milhões de infetados e cerca de 1,9 milhões de mortes. Um ano depois do início da pandemia estamos num dos piores momentos e alcançar a imunidade de grupo de forma natural não é uma opção viável, como prova a tentativa da Suécia. E o vírus não parece que vá desaparecer por si só.

Felizmente, pela primeira vez desde o início da pandemia e graças ao esforço sem precedentes de cientistas e laboratórios de todo o mundo, contamos com algo graças ao qual se conseguiu vencer outras doenças infecciosas no passado: as vacinas.

Até este momento, grande parte das pessoas estavam à espera avidamente da vacina da Covid-19. Contudo, agora que há várias vacinas aprovadas para uso e que a campanha de vacinação começou em vários países, há certos grupos que olham para esta vacinação com dúvidas e desconfiança.

Ter dúvidas sobre o que não se conhece é completamente normal e é um dos motores que move a ciência. Porém, estas dúvidas acabam por levar a informação falsa e logros que se espalham como um rastilho nas redes sociais de maneira melhor ou pior intencionada. Por isso, e porque o melhor antídoto face à desinformação é a informação precisa e fiável, criámos o guia seguinte onde explicamos a maioria das mentiras que encontrámos sobre as vacinas para a Covid-19.

1- “As vacinas de ARN mensageiro modificam o nosso genoma”

Falso. Até ao momento, e com os conhecimentos que temos de biologia molecular e celular, não há provas de que as vacinas de ARN mensageiro consigam modificar o nosso genoma. E as razões são muitas, incluindo:

1.1- O ARN mensageiro degrada-se muito facilmente e não tem tempo para quase nada.

1.2- O ARN mensageiro não chega a encontrar-se com o ADN.

1.3- O ARN das vacinas não se integra no ADN.

1.4- Até agora não se encontrou rastro de nenhum coronavírus no nosso genoma.

2- “Foram feitas demasiado rápido”

A velocidade da que foram criadas, fabricadas e administradas as primeiras vacinas surpreendeu tanto que isto causou ceticismo sobre a sua segurança. A verdade é que se cumpriram todos os protocolos e fases habituais nestes procedimentos. Para além disso, todos os resultados dos ensaios clínicos são públicos e podem ser consultados. As principais razões pelas quais estas vacinas foram desenvolvidas mais rapidamente que outras são as seguintes:

2.1- Existe uma grande quantidade de informação sobre vírus semelhantes. Os coronavírus SARS-CoV-1 e MERS-CoV são conhecidos desde 2002 e 2012, tal como a estrutura genética ou o papel das proteínas comuns dos coronavírus.

2.2- Estão a usar-se protótipos de vacinas pré-existentes. Por exemplo, as vacinas de Oxford ou da Johnson & Johnson são baseadas em adenovírus que se usaram já noutras vacinas, por exemplo a do vírus Ébola.

2.3- Há sobreposição das fases clínicas. Realizaram-se estudos em paralelo de fase 1 e de fase 2 para conhecer, entre outras coisas, a dose ideal da vacina e o tempo que dura a memória imunitária nos voluntários.

2.4- Começou-se a fabricação em grande escala de milhões de doses antes de ter a aprovação das agências reguladoras.

2.5- Fez-se um investimento económico sem precedentes tanto por parte de instituições públicas como privadas.

2.6- Foi fácil conseguir milhares de cidadãos voluntários.

3- “As vacinas não são seguras”

Falso. As vacinas aprovadas passaram todo o processo normal de desenvolvimento de uma vacina, incluindo uma fase experimental pré-clínica em animais e as diferentes fases clínicas I, II e III. Para além disto, depois da sua aprovação entram na fase IV ou de farmovigilância, na qual se continua a estudar a sua segurança. Até ao momento vacinaram-se já milhões de pessoas e não se detetaram efeitos adversos de gravidade que ponham em causa a sua segurança.

4. “Uma enfermeira desmaiou depois de ser vacinada”

Em várias redes sociais tornou-se viral um vídeo no qual uma enfermeira chamada Tiffany Dover desmaiou durante uma conferência de imprensa minutos depois de receber a vacina da Pfizer/BioNTech num hospital dos Estados Unidos. Até há fontes que asseguram que a enfermeira faleceu pouco depois de vacinar-se.

É verdade que a enfermeira desmaiou durante a conferência de imprensa. Porém, a própria enfermeira explicou numa entrevista posterior que sofre do que se conhece com síncope vasovagal que causa desmaios em resposta a um factor desencadeador que pode ser ver sangue, algumas dores, como um pontapé ou a picada de uma agulha, ou um elevado stress emocional.

5. “A vacina da Covid-19 torna-te positivo ao HIV”

Há algum tempo atrás, o governo australiano anunciou a suspensão do desenvolvimento de uma das suas vacinas por falsos positivos ao HIV (o vírus que provoca a SIDA) durante a fase 1. Contudo, isto não tem nada a ver com as vacinas aprovadas e até tem uma boa explicação:

O surgimento de falsos positivos de HIV teve lugar porque na vacina que se estava a desenvolver na Austrália utilizaram um pequeno fragmento de uma proteína de HIV para dar uma maior estabiliade à proteína do coronavírus que iria atuar com antigénio (a proteína S). O problema é que, neste caso, o sistema imunitário dos vacinados, para além de gerar anticorpos contra a Covid-19, também gera anticorpos contra o HIV porque reconhece esse pequeno fragmento estabilizador como algo estranho contra o qual há que lutar.

E gerar anticorpos contra o HIV não seria algo bom? Não realmente, porque é conhecido que essa resposta não serve para evitar contágio mas poderia sim interferir com o diagnóstico de HIV dando falsos positivos. Surgiriam falsos positivos de HIV porque nestas provas o diagnóstico positivo consiste em identificar a presença de anticorpos contra o HIV.

6. “As vacinas contêm células de fetos abortados”

Falso. Circulam pelas redes sociais vários vídeos nos quais se asseguram que estão a ser usadas células de fetos abortados para investigar vacinas contra a Covid-19, gerando uma grande polémica. Porém, a realidade é que a criação de medicamentos ou vacinas não se utilizam fetos nem embriões em si.

O que se utilizou em algum momento durante o desenvolvimento de algumas destas possíveis futuras vacinas contra a Covid-19 são linhas celulares derivadas de tecidos humanos muito específicos de há décadas atrás (algumas seriam derivadas de fetos, outras de diversos cancros ou tumores por exemplo).

As linhas celulares são células de um tipo único (especialmente células animais) que se adaptaram para crescer continuamente em laboratório e que se usam habitualmente em investigação.

Isto pode gerar confusão mas é importante destacar que trabalhar com uma “linha celular” não é o mesmo que trabalhar com as células originais. Para além disto, estas linhas celulares utilizam-se principalmente na fase pré-clínica da vacina para fazer algumas comprovações em laboratório. Assim, nenhuma das vacinas usadas contém células de fetos abortados.

7. “A variante do Reino Unido surgiu porque foram os primeiros a serem vacinados”

Falso. O Reino Unido começou a campanha de vacinação em 8 de dezembro, convertendo-se no primeiro país ocidental a distribuir uma vacina contra a Covid-19 (a vacina da Pfizer/BioNTech). Porém, a variante identificada no Reino Unido já estava a circular pelo menos desde setembro. Muito antes de começar a vacinação.

8. “Se nos vacinámos, já podemos andar sem máscara e fazer uma vida normal"

Não. Em primeiro lugar, a imunização acontece em duas etapas (duas doses) e é necessário completar as duas para ter uma imunização completa. Em segundo lugar, a produção de anticorpos e a resposta celular demora algum tempo a acontecer. Para além disso, este tempo de latência varia entre populações e até entre indivíduos. Por isso, não devemos considerar-nos imunes ao vírus antes de tempo e expor outras pessoas ao vírus.

Por outro lado, até ao momento, o que se descreveu é que as vacinas podem prevenir os sintomas da Covid-19, especialmente os mais graves, mas ainda não se viu com profundidade se a vacinação pode prevenir a infeção. O que sabemos até ao momento é que ao vacinar-nos estamos protegidos da doença mas podemos infetar-nos e infetar outros. Por isso é importante continuar com as medidas de proteção: máscara, lavagem de mãos, distância de segurança e boa ventilação, sobretudo neste primeiro ano de vacinação.

9. “Para quê vacinar-nos se não protege da infeção e podemos continuar a contagiar outros?”

Até ao momento não se sabe se a vacina protege da infeção mas sabe-se que evita as formas mais graves de Covid-19. Para muita gente isto pode parecer pouco, mas é um passo muito importante. Prevenir os sintomas mais graves da doença pode prevenir que o sistema sanitário entre em colapso e assim evitar muitas mortes. Para além disto, o facto de que não se tenha estudado se a vacinação protege da infeção não significa que não se tome. Viu-se em diversos modelos animais que alguns dos candidatos a vacina podem proteger da infeção.

10. “As farmacêuticas conduzem os processos em segredo e não publicam os dados”

Falso. O desenvolvimento das várias vacinas aprovadas até ao momento passou por um processo rigoroso no qual se publicaram absolutamente todos os dados de cada uma das etapas que se levaram a cabo.

Tivemos de tudo, inclusive notas de imprensa, relatórios detalhados e artigos publicados em revistas de prestígio. Aqui podemos consultar os dados das vacinas da Pfizer/BioNTech, Moderna e Oxford/Astrazeneca

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11. “Vacinar-nos pode provocar Covid-19”

Falso. Os efeitos adversos da vacinação são os habituais nestes tratamentos: febre, dor articular ou cansaço. São também alguns dos sinais e sintomas não específicos da Covid-19, obviamente em muito menor grau. Para além disto, as vacinas aprovadas apenas utilizam alguns genes ou proteínas do vírus para gerar uma resposta imunitária. Assim, não existe a possibilidade de que possamos infetar-nos apenas com a vacina.

12. “As vacinas não servem porque há gente que se vacina e ainda assim se infeta”

Para ter uma maior proteção com as vacinas aprovadas é necessária a aplicação de duas doses com um intervalo de tempo. Por exemplo, a primeira dose da vacina da Pfizer confere proteção face à Covid-19 grave de 52,4% e aumenta até 95% depois da segunda dose. Para além disto, o organismo precisa sempre de uns dias depois da vacina até que se gere resposta imunitária. Assim, as pessoas podem infetar-se nessa janela temporal entras as diferentes doses e sempre existirão esses 5% nos quais a vacina não funciona. Um número muito baixo em comparação com os 95% que estarão protegidos.

13. “Se nos vacinarmos podemos ficar estéreis”

Falso. Até ao momento não há provas científicas de que nem o vírus nem a vacina interfiram no metabolismo hormonal a níveis perigosos nem no desenvolvimento de tecidos necessários para a reprodução.

14. “Os cientistas usam muito a frase 'não há provas' porque não sabem nada"

Falso. Em ciência utilizam-se as frases “não há provas", "os resultados sugerem", "é possível que", "parece" porque falam do que se conhece e não se baseiam em opiniões ou crenças. Para dar um exemplo: "é possível que o sol amanhã expluda em mil pedaços e destrua toda a vida conhecida? Até ao momento não há provas científicas de que isso vá acontecer."

15. “Querem-nos usar como cobaias”

Falso. As vacinas passaram todas as fases necessárias para a avaliação da sua segurança de forma satisfatória. Para além disso, já se vacinaram milhões de pessoas e não se encontraram efeitos adversos que levem a duvidar da sua segurança.

16. “Com a vacina implantam-te um chip”

Falso. Em algumas redes sociais comenta-se que Bill Gates vai colocar um chip na vacina que permitirá o rastreamento de pessoas. Esta fraude tem a sua origem num vídeo no qual Bill Gates fala da possibilidade de, no futuro, se usarem certificados digitais em algumas vacinas usando micro-partículas, algo que não tem nada que ver com nenhum micro-chip. Na atualidade não é possível a implantação de nenhum chip com a vacina. Para além da sua componente principal (ARN mensageiro), a vacina consiste em sais, lípidos e açúcares.

17. “Não tenho de vacinar-me porque já estive doente”

Falso. Os diversos grupos de investigação ainda não têm dados suficientes para responder quanto tempo dura a proteção de quem desenvolve anticorpos depois de ter adoecido.

18. “A vacina tem luciferase”

Falso. As luciferases são proteínas muito usadas nos laboratórios porque são inócuas e têm a capacidade de brilhar em certas condições. Em geral, servem para visualizar melhor as reações quando se fazem experiências em laboratório porque são muito fáceis de detetar. Mas nenhuma das vacinas aprovadas contém luciferases.

19. “É melhor esperar para ver o que vai acontecer”

Falso. O benefício da vacina supera em muito o risco de ter algum efeito adverso. A probabilidade de que nos infetemos com o vírus contagiando outros, adoeçamos e desenvolvamos sintomas graves de Covid-19 que podem até levar à morte, é maior que os possíveis efeitos secundários que possa ter a vacina. Neste caso não se aplica que “o remédio vai ser pior que a doença”, daí ser tão importante que nos vacinemos, para proteger-nos a nós e aos nossos entes queridos.

20. “O 5G é a causa do coronavírus e vai-se agravar com a vacina”

Falso. Durante a pandemia compartilhou-se que os países com maior número de antenas 5G eram aqueles com mais incidência de Covid-19. Isto foi desmentido pouco depois porque não se viu essa mesma correlação em países asiáticos ou africanos. De facto, o 5G constituirá um progresso muito importante para a prática médica ao invés de ser um inconveniente para a nossa saúde.

21. “Para quê vacinar-nos por causa de um vírus que 'apenas' mata 1% dos infetados?”

Visto assim, 1% pode não parecer muito mas é um número enorme quando falamos de vidas de milhões e milhões de pessoas infetadas. Entraríamos numa casa com mais 99 pessoas sabendo que uma irá morrer de seguida? Falar sobre números é fácil quando não nos afeta diretamente.

22. “Ninguém conta a 'receita' das vacinas”

Falso. Devido à recente e compreensível inquietude da população sobre a segurança da vacina, as empresas e a FDA tornaram públicos todos os componentes da vacina, como se de uma lista de ingredientes se tratasse, para que todas as pessoas possam consultar. Aqui´podemos encontrar um resumo dos ingredientes das principais vacinas ou aqui os ingredientes da vacina da Pfizer. Em resumo, para além do componente principal (ARN mensageiro por exemplo), a vacina contém sais, lípidos e açucares.

23. “As vacinas não servem porque o vírus está em mutação”

Falso. É verdade que os vírus têm mutações porque é a forma que têm de evoluir. Porém, os coronavírus são dos vírus de ARN que menos mutações têm porque têm atividade corretora de erros que os vai corrigindo quando o vírus se multiplica.

Ainda assim, as mutações e variantes são muito habituais e vão continuar a aparecer variantes novas. As vacinas que estão disponíveis até ao momento baseiam-se na proteína S (Spike) completa do SARS-CoV-2. Dentro desta proteína há vários sítios que provocam a resposta imunogénica. Uma variante com uma mudança pontual pode mudar um destes sítios mas não todos. A vacina cobre mais zonas e continuará a ser eficaz nos intervalos requeridos.

Para além disso, nem sempre as mutações dão lugar ao surgimento de variantes serotípicas. Ou seja, ainda que tenham uma sequência diferente, estas mudanças não são suficientemente grandes ou importantes para que o nosso sistema imunológico o reconheça como algo diferente, um serotipo novo. Até ao momento não se identificaram serotipos distintos do vírus da Covid-19 mas é preciso estarmos atentos para a possibilidade de ocorrerem. A ser assim, haveria simplesmente que atualizar as vacinas.

24. “Se as máscaras e o distanciamento social são eficazes, para quê vacinar-nos?”

As medidas de proteção são indispensáveis para diminuir a probabilidade de contágio mas não são suficientes para evitar que o vírus continue a infetar. O objetivo das vacinas é gerar uma imunidade de grupo que nos permita voltar à normalidade, algo que não se consegue através das medidas sanitárias.

Jose M Jimenez Guardeño, investigador no Departamento de Doenças Infeciosas do King's College London; Alejandro Pascual Iglesias do Instituto de Investigación Sanitaria do Hospital Universitario La Paz (IdiPAZ); Ana María Ortega-Prieto, investigadora no King's College London; Francisco Javier Gutiérrez Álvarez investigador no Centro Nacional de Biotecnología (CNB – CSIC); Javier Cantón, Professor de Biotecnologia de coronavírus no Campus Internacional para la Seguridad y Defensa (CISDE); José Angel Regla Nava investigador de virologia no La Jolla Institute for Immunology; Jose Manuel Honrubia Belenguer investigador no Centro Nacional de Biotecnología (CNB – CSIC).


Artigo publicado no The Conversation. Traduzido por  Carlos Carujo para o Esquerda.net

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