Por Lourenço Pereira Coutinho (Lisboa, 1973) é doutorado em História Institucional e Política Contemporânea e Investigador Integrado do CHAM- Nova FCSH.
Portugal, uma semana fechado em casa. A realidade assemelha-se cada vez mais à ficção científica. As ruas estão semidesertas, as pessoas andam isoladas e evitam-se, a maioria do comércio e restaurantes estão fechados, e as notícias e conversas esqueceram o futebol, as tricas políticas, e a vida dos vizinhos. No meio do silêncio e da reclusão forçada, existem muitos gestos de generosidade e solidariedade: de médicos, enfermeiros, bombeiros, igrejas, forças armadas e de segurança, do governo e da oposição, de voluntários e gente que quer ajudar. Vivemos um tempo que eu só conhecia dos livros de História.
Das vezes que fui ao supermercado, ao banco e à farmácia, vi as pessoas a esperar com paciência pela sua vez, sem discussões ou atropelos, conscientes do comportamento cívico que é exigido a cada um de nós. Penso que é gratificante para todos constatar esta solidariedade, civismo, e vontade de ultrapassar uma crise, que há poucos meses seria difícil de imaginar. Aliás, estes exemplos têm-se repetido pelo mundo, governos, oposições, e populações unidos na defesa da nossa vida e da humanidade. Infelizmente, tem de haver sempre uma nota dissonante. Donald Trump consegue sempre superar-se em estupidez, até mesmo num momento como este. A insistência na ideia do “vírus chinês”, e a tentativa de comprar à Alemanha a patente de uma vacina em exclusivo para o Estados Unidos (algo referido pela Chanceler Merkl e pelo laboratório), são mais uma prova da sua amoralidade. Para ele, tudo é business.
Boçalidades de Trump à parte, esta crise faz-nos também pensar sobre os nossos hábitos e estilos de vida. No ano 1000, a população humana era de cerca de 300 milhões; no inicio do séc. XIX, era já de cerca de 1 bilião de pessoas. Um século depois, era de 2 biliões e, na década de 1980, de 4 biliões. Hoje, é de cerca de 7 biliões e, em 2050, poderá atingir os 11 biliões. Haverá recursos para tantos seres humanos viverem de forma digna e sustentável? Ou as assimetrias vão acentuar-se cada vez mais? E será que as pessoas vão continuar a aglomerar-se em grandes centros urbanos, com vidas cada vez mais apressadas, exigentes e robóticas?
Esta crise vai dar-nos ensinamentos, e ajudar-nos a repensar as nossas vidas. Perceber que o teletrabalho é uma solução que resulta, que nos permite ganhar qualidade de vida, e reduzir a concentração e poluição nos grandes centros urbanos. Vai também ajudar-nos a perceber que podemos abdicar do consumismo desenfreado, e que os gestos de solidariedade e abnegação valem mais que o último telemóvel, umas férias de sonho, ou jantar no restaurante da moda. Definitivamente, o nosso paradigma vai ter de mudar. Que, ao menos, esta terrível crise sirva para nos fazer pensar nisso.
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