Jane Goodall morreu há umas semanas, aos 91 anos, depois de uma vida inteira consagrada ao conhecimento e à defesa do mundo vivo. A sua figura permanece como uma das mais luminosas pontes entre ciência e ética, entre humanidade e natureza. Pioneira na primatologia e na conservação, transformou o nosso olhar sobre os animais e, por consequência, sobre nós próprios.
Em 1960, uma jovem inglesa sem formação universitária formal instalou-se na Reserva de Gombe Stream, na Tanzânia, para viver entre chimpanzés selvagens. Ninguém o tinha feito antes. Observando-os com paciência e empatia (qualidades então tidas como pouco “científicas”) descobriu um universo de emoções, laços e comportamentos que espelham os nossos. Viu chimpanzés fabricarem e utilizarem ferramentas, caçarem, brincarem, chorarem e guerrearem. Como diria mais tarde: “Aprendi que o que nos separa dos chimpanzés é muito menos do que aquilo que nos une.”
Essas descobertas abalaram as fundações da biologia e da antropologia, abrindo espaço a uma nova compreensão da evolução da vida. Mas Jane não se limitou à observação. Da ciência fez nascer um compromisso: proteger o que estudava. Fundou um instituto Jane Goodall que tem desenvolvido programas de conservação integrados: restauro das florestas, reabilitação de chimpanzés órfãos e envolvimento das comunidades locais na gestão sustentável dos seus territórios. Criou também o movimento Roots & Shoots, hoje presente em mais de uma centena de países, inspirando jovens a agir em favor dos animais, das pessoas e do planeta.
Ao longo de mais de seis décadas, percorreu o mundo como uma peregrina da esperança, incansável na denúncia da destruição ecológica e na defesa da dignidade de todas as formas de vida. “Cada um de nós faz a diferença. A questão é: que tipo de diferença queremos fazer?” - repetia, com a serenidade e a convicção de quem via na ação quotidiana a semente da mudança.
Embora no início do seu trabalho não tivesse formação académica formal, Louis Leakey reconheceu o seu talento e ajudou-a a obter financiamento para as primeiras expedições. Em 1962, foi admitida na Universidade de Cambridge para realizar um doutoramento em etologia, sem possuir uma licenciatura, um feito raro à época. A partir daí, tornou-se símbolo de uma nova forma de fazer ciência: uma ciência que observa com rigor, mas também com empatia. Nos últimos anos, tornou-se uma das vozes mais consistentes em defesa da esperança. “Quero que compreendam que somos parte do mundo natural. E mesmo quando o planeta parece escurecer, ainda há esperança. Não a percam.”, declarou na sua mensagem do Dia da Terra de 2025.
Como Mensageira da Paz da ONU, insistiu que “nunca poderá haver paz no mundo enquanto não aprendermos a viver em harmonia com a natureza, e uns com os outros.” No dia internacional da paz de 2025, apelou a uma nova consciência global face à violência, ao clima e às migrações, lembrando que a paz verdadeira é inseparável da justiça ecológica.
O seu legado é vasto e vivo. Jane trouxe a natureza para o centro da consciência humana, diluindo fronteiras entre o humano e o não-humano, entre a ciência e a compaixão. A sua vida recorda-nos que conservar não é apenas proteger espécies ou paisagens: é preservar o milagre relacional que sustenta o mundo. E, nesse gesto, ela ensinou-nos - com ciência e ternura - a ser mais humanos.

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