A anunciada intenção do Governo de extinguir o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), redistribuindo as suas competências pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), representa um retrocesso preocupante na política de conservação da natureza.
A conservação da natureza exige uma visão estratégica que ultrapasse fronteiras administrativas e compromissos limitados a cada região. A biodiversidade e os ecossistemas não obedecem a fronteiras locais. Integram um património comum cuja proteção decorre em grande medida de responsabilidades assumidas por Portugal no quadro europeu e internacional, incluindo a Estratégia da Biodiversidade 2030 e o Pacto Ecológico Europeu, bem como as obrigações decorrentes da Convenção sobre a Diversidade Biológica da ONU e dos seus Acordos de Kunming-Montreal sobre o Quadro Global da Biodiversidade 2030. Gerir espécies e ecossistemas protegidos apenas a nível regional é abdicar da coerência científica e política necessária para cumprir estas obrigações partilhadas. É indispensável existir uma instituição da administração central do Estado com uma visão nacional, e supra-nacional, da conservação da natureza para garantir a salvaguarda de espécies e habitats que, embora abundantes localmente, são raros e estratégicos no contexto nacional, europeu e global.
O ICNF, apesar das suas limitações operacionais e orçamentais, é a única entidade pública com uma visão nacional das prioridades de conservação da natureza, capacidade técnica e científica para gerir áreas protegidas, conservar habitats e espécies, e promover uma silvicultura sustentável. A sua extinção não resolve os problemas que enfrenta – pelo contrário, agrava-os, fragmentando competências e diluindo responsabilidades. É fundamental a administração central do Estado manter esta capacidade técnica e esta visão nacional, e a salvaguarda dos interesses de Portugal nas negociações internacionais neste domínio.
A APA tem outra vocação e um foco principal na gestão da água, na defesa do clima e atmosfera, e na monitorização e licenciamento ambientais, enquanto as CCDR são estruturas político-administrativas regionais, com missões de desenvolvimento territorial que frequentemente conflituam com os imperativos da conservação da natureza.
Mais grave ainda é o risco de politização. O ICNF, apesar de ser um instituto público, tem mantido uma relativa autonomia técnica, essencial para resistir a pressões locais, políticas e de interesses económicos. Ao colocar a gestão da natureza nas mãos de estruturas regionais, mais expostas a lógicas de proximidade, e com uma visão parcelar do território nacional, abre-se a porta à erosão dos critérios científicos e visão integrada que devem nortear a proteção ambiental. É uma medida que descredibilizará o país e poderá colocar em risco financiamento europeu.
Pensemos no exemplo de uma espécie protegida – o sobreiro. O montado de sobro cobre cerca de 30% da região do Alentejo, menos de 10% do território nacional e menos de 0,5% do território da União Europeia. Tendo a CCDR Alentejo por missão desenvolver a sua região, poderá este organismo regional ter a mesma independência e sensibilidade que o ICNF para avaliar a relevância do abate de sobreiros para se construir uma estrada, um empreendimento turístico, um data centre ou uma exploração agrícola intensiva? É evidente que não, dados os conflitos de interesses a que estará exposta.
Reformar o ICNF, tornando-o mais eficiente, reforçando a sua presença no território e melhorando a sua articulação com outras entidades, faz todo o sentido. Extinguir este instituto é abdicar de uma visão integrada da conservação da natureza, substituindo-a por uma abordagem dispersa, vulnerável e, em última instância, menos eficaz. A natureza e os serviços dos ecossistemas, essenciais a vida humana neste planeta, não se defendem com estruturas administrativas fragmentadas. Defende-se com instituições fortes, tecnicamente capazes, independentes e comprometidas com o interesse público. O ICNF, com todos os seus defeitos, é uma dessas instituições. Extingui-lo, ou reduzi-lo a um departamento da APA, será um erro histórico.
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