sábado, 3 de junho de 2023

Como os abutres estão a mudar as montanhas da Europa


Os abutres sempre desempenharam um importante papel na paisagem, removendo os cadáveres, tanto de animais selvagens como de gado em regime extensivo, prevenindo a propagação de doenças e a contaminação do solo e da água. Quase todos os agentes patogénicos são destruídos pelo sistema digestivo dos abutres. Um bom exemplo disso mesmo é que uma das espécies, o abutre-preto, alimenta-se com frequência de carcaças de coelhos-bravos, diminuindo o risco de contágio das doenças que têm causado o declínio desta espécie, nomeadamente a mixomatose e a febre hemorrágica.

O abutre-preto (Aegypius monachus) é a maior ave de rapina da Europa, com uma envergadura que pode chegar aos três metros. A nível global, a espécie está avaliada como ‘quase ameaçada’, embora em Portugal esteja criticamente em perigo e em Espanha esteja vulnerável.

A degradação do seu habitat natural e a consequente perda de locais de alimentação e de nidificação são uma das principais ameaças, mas também as linhas de eletricidade, os parques eólicos e a redução de fontes de alimento (sobretudo devido à obrigatoriedade de remover os cadáveres de animais de gado que morrem no campo), são fatores que têm provocado o declínio de uma espécie que, em tempos, abundou no continente europeu.

No entanto, um projeto de recuperação fez regressar o abutre-preto à Bulgária, país onde desde 1985 estava considerado localmente extinto.

A reintrodução da espécie arrancou em 2015, pela mão de três organizações não-governamentais do Ambiente (ONGA) búlgaras: a Green Balkans, a mais antiga do país, a o Fundo para a Flora e Fauna Silvestres e a Sociedade para a Proteção das Aves de Rapina. Com o nome ‘Vultures Back to LIFE’, a iniciativa foi cofinanciada pelo programa europeu LIFE+ e contou com parceiros da Suíça (Vulture Conservation Foundation), da Alemanha (EuroNatur) e de Espanha (Junta de Extemadura).

A iniciativa pretende devolver os abutres-pretos aos céus búlgaros e criar uma ligação entre os núcleos na Bulgária e na Grécia, a única população da região balcânica, sendo que se quer também promover a interconexão com outras populações na Crimeia, nos Alpes e na Península Ibérica, promovendo a diversidade genética dessas populações.

Em meados de 2022, as ONGA importaram 72 abutres-pretos juvenis de jardins zoológicos europeus, que foram depois libertados na região oriental das Montanhas dos Balcãs e no parque natural Vrachanski Balkan, no noroeste da Bulgária.

Os resultados das primeiras libertações, que aconteceram entre 2018 e 2022, foram divulgados num artigo publicado na revista ‘Biodiversity Data Journal’.

Ivelin Ivanov, da Green Balkans e principal autora, explica que atualmente já existem dois núcleos distintos de abutres-pretos e que já começaram a reproduzir-se, argumentando que os “resultados satisfatórios” desta primeira fase do projeto de reintrodução podem ser uma razão para alterar a classificação da espécie na Bulgária, de ‘extinto’ para ‘criticamente ameaçado’.

Apesar das boas notícias, a equipa de especialistas acautela que é preciso continuar a monitorizar a espécie e aplicar medidas de gestão que permitam a persistência dessa nova população no país. Para que se possa afirmar, com certeza, que o abutre-preto, realmente, voltou a estabelecer-se na Bulgária, é necessário que os dois núcleos comecem a gerar perto de dez crias por ano e que as aves nascidas localmente passem a reproduzir-se sem assistência, algo que se espera que seja alcançado até 2030.

Sem comentários: