sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Milhazes, PCP, o certo e o errado

Por Gustavo Carona

E, se fosse ao contrário, irias? Então é porque provavelmente não deverias ir. Parece simples, mas não é. A trama adensa-se. Para mim nada mais divide o Homem do que o certo e o errado e, perante a dúvida, a pergunta mais útil e julgadora de carácter é: “E se fosses tu?”

As posições do PCP de assumidos negacionistas da guerra e por vezes mais putinistas do que Putin não podem ter o mesmo peso na cabeça dos portugueses do que uma discussão sobre para onde vai o aeroporto ou o IVA das touradas. Se queremos dizer ao mundo que a opinião pública conta, que é o mesmo que dizer que a minha opinião conta, e que sobre questões globais o chavão “eu não posso fazer nada” é mentira, então o José Milhazes tem razão.

Penso que a arte tem o seu mais profundo valor, quando se sustenta no humanismo. E devemos à cultura a nossa existência. Não acredito que um músico seja indiferente à mensagem que passa com a sua arte. E aqueles que vão lá estar na Quinta da Atalaia pagos ou a pagar estão a dizer-nos a todos com a sua festa: “Nada me interessa o morticínio que se está a passar na Ucrânia. Nada me interessa que bombardeiem maternidades, nada me interessa que violem mulheres, homens e crianças ucranianas, nada me interessa que por causa desta guerra milhões estejam em risco de morrer à fome em África.” Porque é isto que o regime de Putin representa, assim como quem o apoia.

Quando igrejas, mesquitas, templos e sinagogas celebravam em salas vazias, o PCP levou uma multidão para a celebração do 1.º de Maio. Não me parece que alguém vá mudar a teimosia intelectual do PCP, e, por isso é que se pede a quem não tem medo de mudar de opinião que não feche os olhos ao seu divertimento, às atrocidades que, para além de qualquer margem de dúvida, estão a ser escondidas por um partido que nem sequer consegue usar a palavra “guerra”.

Não tenho qualquer sentimento anticomunista, e admiro até bastante Jerónimo de Sousa e outros representantes do PCP, porque os sinto e vejo a lutar por causas que me são queridas e são justas, mas a linha dos direitos humanos foi ultrapassada, e o maior responsável é Putin e quem o aclama.

Dino d’Santiago merece um destaque por vários motivos. É das maiores estrelas ascendentes da música em Portugal, mas, para além disso, acho-o uma pessoa adorável que ainda tem o dom de ser um activista anti-racismo poderosíssimo que consegue fazer a sua luta sem fazer sangue. É um dom ser forte sem ser bélico. Cerra e bem o seu punho contra a violência racista de ontem, hoje e amanhã. E tem aí todo o meu apoio.

Mas aqui não. Cantaria num comício nazi? Cantaria num comício do Chega? Cantaria para os Ku Klux Klan? Cantaria para alguém que dissesse que Cabo Verde não deveria existir? Então porque canta para quem quer fazer a Ucrânia desaparecer do mapa, sem qualquer sentimento ante as vidas humanas que se perdem nesta ambição colonialista? Eu não percebo.

A democracia, a igualdade, o humanismo, tudo isso e muito mais está a ser atacado, à bomba, diariamente, e os que supostamente nos deviam fazer senti-lo nada se importam com isso?

A luta é a mesma, é por quem está a sofrer e não devia. Não interessa a cor, não interessa em que parte do mundo. “Mas pela minha causa ninguém fez nada?”, ouve-se o contra-argumento de alguns artistas, por exemplo, em português do Brasil. Sem qualquer ironia, acho interessante analisar esta réplica, porque tem fundamento. Talvez ainda não tenham morrido dos dois lados da guerra, no total, tantos como morrem no Brasil todos os anos por morte violenta, números nas dezenas de milhares. Entramos em comparações, terreno legítimo mas perigoso, o que me leva a concluir que quem está do lado certo consegue ter espaço no coração para todos os temas que despertam o nosso humanismo.

“Ser pela paz” é uma falácia, quando há um agressor e um agredido, como o seria entre um violador e a sua vítima. Ser neutro dá sempre força ao agressor.

Os massacres na Ucrânia continuam e vão continuar, e não são diferentes dos dias em que todos saíam à rua com bandeiras da Ucrânia, e, neste imediatismo e superficialismo em que vivemos, eu só queria que a arte estivesse sempre do lado do humanismo e que pensássemos que todos nós temos escolhas, e o que nos define é o certo e o errado.

Milhazes está certo. Putin, o PCP e quem com eles canta estão errados. E a nossa opinião conta.

Sem comentários: