O Tratado da Carta da Energia (TCE) constitui uma perigosa ameaça para o clima, por outorgar às empresas petrolíferas, de gás e de carvão o direito de processarem estados num sistema de justiça privada, quando estes tomam medidas em prol do clima, que possam afectar os seus lucros esperados.
O TCE protege excessivamente o investimento directo estrangeiro das empresas de combustíveis fósseis, através de um sistema de justiça privada (ISDS) que se sobrepõe aos estados e às leis nacionais, e tem feito os governos pagarem milhares de milhões de dólares em indemnizações quando tentam proteger o ambiente ou defender os seus cidadãos da pobreza energética.
O mais recente exemplo em que o TCE é usado contra legislação em favor do clima, é o processo arbitral apresentado pela gigante de energia alemã RWE, devido à decisão do governo holandês em Dezembro de 2019, de proibir até 2030 a produção de energia a partir do carvão. Por essa mesma razão, a empresa Uniper Benelux ameaçou interpor um processo judicial contra o governo holandês, exigindo uma indemnização de mais de mil milhões de euros.
O TCE tem potencial para bloquear a acção climática dos governos, pois basta a ameaça de recurso ao mecanismo ISDS associado a este tratado, para intimidar os governos na tomada de medidas de redução da utilização de combustíveis fósseis (o conhecido chilling effect). Esse foi o caso da Lei francesa para pôr fim à exploração de combustíveis fósseis.
Com este tratado, não são as empresas poluidoras quem têm de pagar à sociedade pelos danos ambientais provocados: ao invés, são elas que exigem indemnizações pagas pelos contribuintes se os governos ousarem agir para proteger o ambiente.
Além disso, o TCE é incompatível com o Acordo de Paris, porque actualmente protege muitíssimo mais emissões do que as possíveis para a UE cumprir o seu orçamento para alcançar o alvo de 1,5ºC. No TCE, estão já protegidas, no período de 2018 até 2050, 148 Gigatoneladas de CO2 ou equivalente. Ora, para evitar uma subida de 1,5ºC, o volume total de emissões associado à UE é de 30 Gigatoneladas – ou seja, a União Europeia apenas poderia emitir 20% das emissões actualmente protegidas pelo TCE.
Por tudo isto,
- a Comissão Europeia, que apresentou uma proposta de reforma no início de 2020, considera agora o tratado ultrapassado e incompatível com o Acordo de Paris - nomeadamente no que toca às cláusulas de protecção dos investidores, alterações climáticas e transição para energias renováveis - e já pôs publicamente a hipótese de abandonar o TCE.
- o Parlamento Europeu aprovou uma histórica alteração à Lei do Clima, incluindo a cláusula: "pôr fim à protecção dos investimentos em combustíveis fósseis no contexto da modernização do Tratado da Carta da Energia" (Emenda 143/Artigo 8º-A).
- 428 cientistas e líderes climáticos apelaram em carta aberta aos estados signatários do Tratado da Carta da Energia que se retirem do TCE, por se tratar de um importante obstáculo a uma transição energética que evite a dependência dos combustíveis fósseis.
- 30 milhões de Jovens europeus enviaram aos ministros do Conselho uma carta pedindo-lhes que se retirem do TCE.
- a Federação Europeia para as Energias Renováveis aderiu ao pedido de retirada da UE do TCE, declarando que o TCE protege os investimentos em combustíveis fósseis e impede os objectivos do Pacto Ecológico Europeu e as metas do Acordo de Paris.
- o Grupo de Investidores Institucionais sobre Alterações Climáticas apelou aos membros do Conselho da UE para apoiarem o fim da protecção dos investimentos fósseis.
O processo de modernização em curso revelou-se um fracasso e a urgência da acção climática não se compadece com o prolongamento desse processo, já que a unanimidade exigida é inatingível quando grandes produtores de combustíveis fósseis dele fazem parte.
Por tudo isto, os peticionários apelam a que:
- seja realizado um debate no Plenário da Assembleia da República sobre as barreiras do TCE para a concretização dos objectivos de Portugal em termos de neutralidade carbónica;
- o Governo de Portugal se una publicamente ao Governo de França no pedido que este fez à Comissão Europeia para que trabalhe no sentido de uma saída coordenada dos Estados-Membros da UE do Tratado da Carta da Energia e que deixe de ser cúmplice das empresas de carvão, petróleo e gás que bloqueiam a transição para um sistema de energia limpa.
Saiba mais: https://energy-charter-dirty-secrets.org/pt/
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