A pegada ecológica da extração e tratamento de metais raros é superior à dos combustíveis fósseis. O processo tem um grande consumo de água e de reagentes químicos altamente poluentes, destrói ecossistemas e polui o ar. Temos de encontrar tecnologias mais produtivas e soluções eficazes de reciclagem e reutilização destes metais
Os combustíveis fósseis fizeram a economia do século XX, tanto quanto os metais raros farão a economia do século XXI, por serem a matéria-prima chave das duas transformações deste século: a digital e a da sustentabilidade. Todos os nossos gadgets eletrónicos e de comunicação de uso quotidiano, assim como a geração de energia eólica ou solar, bem como a mobilidade elétrica, estão profundamente dependentes desse grupo de 17 elementos raros. Sem eles, o mundo parava e seria impossível alcançarmos o Acordo de Paris sobre o clima, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e o Pacto Ecológico Europeu.
Não é por acaso que se diz que os metais raros são o novo petróleo. A título de exemplo, só no primeiro trimestre deste ano, o irídio valorizou 131 por cento, superando de longe a valorização de 85 por cento da bitcoin, tendo atingido o valor de seis mil dólares a onça, mais do triplo da cotação do ouro. Já a procura de lítio espera-se que aumente 15 vezes nos próximos anos, sendo que o valor global dessa indústria já ascende a 45 mil milhões de dólares.
Obviamente, no domínio dos metais raros, a riqueza não está no Médio Oriente, mas sim na China, que detém as maiores reservas e atualmente assegura 75 por cento da produção global. Os Estados Unidos, por seu turno, dependem da China para 80 por cento das suas importações de metais raros – sendo que a China é bastante mais ambiciosa económica e geopoliticamente do que os países do Médio Oriente, procurando não vender apenas a matéria-prima, mas sim a tecnologia que a incorpora.
A descarbonização do planeta parece ser (e bem) consensual entre cientistas, políticos, jovens, idosos, ecologistas e, até, empreendedores de Silicon Valley. Porém, entre tanto consenso e entusiasmo, parecem ignorar-se os seus impactes, nomeadamente, que a pegada ecológica decorrente da extração e tratamento de metais raros é superior à dos combustíveis fósseis. Mais concretamente, o processo envolve um consumo de água brutal, reagentes químicos altamente poluentes, destrói paisagens e ecossistemas, e polui o ar. Para se ter uma noção da escala de destruição, são necessárias 16 toneladas de rocha para se obter um quilo de Cério, 50 toneladas para um quilo de Gálio, e 1200 toneladas para um quilo do metal mais raro: o Lutécio.
Mas o desafio não se coloca apenas ao nível dos metais raros. O exemplo do cobre é eloquente. Desde os primórdios da Humanidade, estima-se que tenham sido extraídas e transformadas cerca de mil milhões de toneladas de cobre. Ora, a manter-se a taxa atual de crescimento da procura, será necessária a mesma quantidade nos próximos 30 anos. E, quanto à sua pegada ecológica, a maior mina de cobre do mundo (no Chile) consome dois mil litros de água por segundo – ficando situada num deserto onde não chove há 500 anos.
A rápida transição para economias verdes e digitais, a par do aumento mundial da população e das classes médias, irá provocar um aumento exponencial do consumo de metais raros. Assim, é imperativo que, ao longo desta década, se encontrem materiais de substituição (renováveis), tecnologias mais produtivas e soluções eficazes de reciclagem e reutilização destes metais. Mas não basta. Será necessário, também, redistribuir melhor a riqueza e diminuir a pressão do consumo, por exemplo, incentivando soluções de economia da partilha no acesso aos bens.
Como escreveu Paul Valéry, para aprender a ser marinheiro é preciso já ter sido náufrago. Para que esta década seja mesmo a da transição para a sustentabilidade, há que começar por reconhecer a nossa condição de náufragos. Só assim teremos o olhar holístico, realista e determinado que o futuro nos exige.
João Wengorovius Meneses
Secretário-geral do BCSD Portugal
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