Na Europa, a consciência da necessidade de providenciar água de qualidade aos cidadãos foi uma das grandes mudanças da segunda metade do século XIX, fruto da compreensão das relações da água com a saúde e de que esta relação tem efeitos na produção económica. Em consequência, foi considerada necessária a modernização dos sistemas de captação, tratamento e distribuição de água.
Em alguns países europeus, além de uma rede de fontes públicas, criaram-se redes de abastecimento urbano, o que levou ao abastecimento público em larga escala, muitas vezes suportado por uma taxa de utilização.
A existência desta taxa é justificada pelos gastos obrigatórios em obras de construção e manutenção das captações e das redes de distribuição, bem como com os tratamentos da água.
No entanto, essa taxa transformou-se no centro da disputa pela gestão e distribuição da água, pondo em conflito o poder público e as empresas privadas – a taxa existe para cobrir os gastos resultantes da sua disponibilização ou é um fator do lucro num negócio que transaciona um bem essencial? As empresas privadas ou semiprivadas, parcerias público privadas incluídas, sempre se posicionaram no sentido de que a água poderia e deveria ser um negócio.
Este conflito sofreu evoluções.
Às vezes, por imposição das entidades financeiras que intervêm nos países que estão em crise económica, as suas redes de água foram privatizadas, como na Grécia, nos últimos anos.
Mas a verdade é que o movimento em sentido inverso, de municipalização ou nacionalização, se tem vindo a impor como reação aos efeitos perversos verificados em resultado dos processos de privatização da água.
Na verdade, contrariamente ao apregoado para a sua concretização, a privatização teve como consequências o encarecimento das tarifas de consumo, serviços inflacionados, ineficientes e com investimentos insuficientes.
As vozes contra a privatização da água multiplicam-se. Paris, Budapeste, Bamako (Mali), Buenos Aires, Maputo (Moçambique), La Paz e outras 260 cidades remunicipalizaram os serviços de gestão e fornecimento de água.
“Outro exemplo…é o de Berlim, onde o governo privatizou 49,99% do sistema hídrico em 1999. A medida foi extremamente impopular e, após anos de mobilização de moradores e um referendo em 2011, ela foi revertida por completo em 2013…, mas, por outro lado, o Estado precisou pagar 1,3 bilhão de euros para reaver o que antes já lhe pertencia”.
Em Portugal, o assunto é de uma enorme atualidade. Os resultados dos processos de privatização de sistemas de gestão da água têm vindo a ser fortemente contestados pelas populações, quer a nível urbano, como em Viana do Castelo, quer a nível rural, como no conflito que opõe a Associação de Beneficiários do Mira a pequenos agricultores e à Junta de Freguesia de Santa Clara.
Mas há luz ao fundo do túnel: processos de resgate de concessões de água e saneamento atribuídas a entidades privadas já tem sido realizados. Por exemplo, em Mafra, com efeitos a partir de 1 de setembro de 2019, ou, mais recentemente, em Paredes.
O problema da seca no Algarve implicará rever a gestão, quer por associações de regantes, quer das Águas do Algarve, e não se compadece com a criação de novos negócios como as centrais de dessalinização.
Conscientes da gravidade da situação e dos perigos que se perfilam no horizonte várias associações e movimentos criaram um plataforma – A PAS- Plataforma Água Sustentável, constituída por A Rocha, Água é Vida, CIVIS, FALA, Faro 1540, Glocal Faro, LPN, ProBaal, Quercus e Regenerarte.
Estamos em crer que a consciência da importância da água como um direito inalienável dos povos é cada vez mais forte e premente.
Autoras: Alice Pisco e Rosa Guedes são membros da Glocal Faro
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