sábado, 9 de janeiro de 2021

O risco económico da década: a deflação

A deflação tornou-se o fantasma que ameaça as economias mais ricas do planeta e nenhuma sabe como deve ser enfrentada ou, menos ainda, como pode ser vencida.


Ao longo da década de 1970, a inflação média anual nas economias mais desenvolvidas foi de 10%. Na década passada, essa média anual foi inferior a 2%, e todas as políticas postas em prática para chegar a essa meta fracassaram. Em alguns casos, incluindo na Alemanha, os preços reduziram-se, e a zona euro tem sofrido um risco permanente de deflação que assusta o BCE. A deflação tornou-se o fantasma que ameaça as economias mais ricas do planeta e nenhuma sabe como deve ser enfrentada ou, menos ainda, como pode ser vencida.

O poder da deflação

Sabe-se pouco sobre como funcionam economias desenvolvidas em deflação, as experiências têm sido limitadas. Quando o FMI fez um estudo sobre este perigo, só registou o caso da Itália em 1912, da Suíça em 1996 e em 2001, do Japão em 1986 e, depois, na longa década que vai até 2013. Pior, enquanto durou, o Japão não soube o que fazer: nem injeções de liquidez, nem reduções de impostos, nem discursos inflamados conseguiram mudar a tendência. O que se compreendeu com este exemplo é que a deflação pode ser uma armadilha prolongada.

Alguns economistas otimistas apontam que a deflação é o efeito da queda duradoura dos preços do petróleo. É certo que a oferta tem aumentado (com o fracking) e a procura diminuído (com a diversificação de usos energéticos). Essa seria uma boa nova se correspondesse a uma alteração estrutural do modo de uso da energia, mas estamos ainda muito longe desse objetivo. Em todo o caso, nem o preço do petróleo é hoje determinante da média da inflação nem este fator se alterará a curto prazo. Pelo contrário, a deflação parece estar mais diretamente relacionada com a queda estrutural da procura agregada e com o mar de liquidez que abunda nas economias desenvolvidas, tanto pelo aumento da poupança quanto pelas excecionais medidas públicas que determinam taxas de juro baixas, o “eterno zero”, criando assim um padrão de comportamento que se pode prolongar no tempo.

Considerando a profundidade da recessão mundial de 2020, que o FMI estima agora ser da ordem dos 5%, ou a maior desde a II Guerra Mundial (a crise de 2009 provocou uma redução do PIB mundial de 0,1% ou 50 vezes menos do que a que agora vivemos) e, portanto, esta drástica redução da procura, as condições para a deflação agravaram-se. Como as autoridades monetárias só conseguem responder a esta crise baixando os juros de referência (o prometido e necessário aumento de investimento está por concretizar), as condições para a deflação são autossustentáveis.

A ameaça da deflação

A deflação alimenta-se de quatro processos perigosos. O primeiro é o adiamento de decisões de consumo, tanto mais que, mesmo sendo o juro baixo, a poupança aumenta, dada a incerteza decorrente da crise. Além disso, algumas despesas tornam-se agora impossíveis (turismo).

O segundo é o aumento do peso das dívidas, beneficiando os emprestadores. E toda a economia moderna se baseia na gestão das dívidas.

O terceiro é que, temendo a redução dos preços dos seus produtos, as empresas reduzem o investimento e o emprego, tanto mais que não podem utilizar o efeito ilusório da inflação para conter os salários reais.

No entanto, é a quarta consequência que é a mais perigosa. A redução duradoura dos juros distorce a aplicação das poupanças, ao promover a busca do risco (o investimento ou o depósito bancário deixam de ser alternativas motivadoras), deslocando os capitais para o mercado financeiro. Assim, o preço das ações e de outros títulos dispara, como se verifica neste paradoxo de termos a maior recessão de 80 anos e os recordes históricos das bolsas de valores. A bolha agiganta-se e atrai os capitais como se fosse um buraco negro no firmamento.

Deste modo, acentua-se a desigualdade. Os beneficiários desta economia vudu são os detentores de títulos financeiros, que enriquecem como Midas: as cinco maiores empresas tecnológicas valorizaram-se em 56% ao longo de 2020 e os seus acionistas são quem menos pesa na procura global. Ora, como o investimento é reduzido, a euforia financeira alimenta-se a si própria, enquanto durar. Estando os bancos centrais paralisados, não podem aumentar os juros, pois provocariam uma catástrofe nas dívidas públicas. Portanto, a deflação e o delírio financeiro estão para durar. Não são boas notícias.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 31 de dezembro de 2020

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