quarta-feira, 22 de julho de 2020

Reportagem: Invasor e superpredador do Tejo está a dizimar espécies nativas





O siluro (Silurus glanis) é uma espécie originária da Europa Central e pode atingir mais de 2,5 metros de comprimento e mais de 100 quilos de peso. Foi detectado pela primeira vez na Península Ibérica no Rio Ebro, em Espanha, em 1974. Na parte espanhola do Tejo, a primeira identificação data de 1998 e na parte portuguesa apenas foi observado em 2014, embora se julgue que tenha chegado em 2006. Os investigadores estimam que a espécie tenha sido introduzida no Tejo espanhol por pescadores alemães que os queriam pescar nas águas do rio ibérico, escreve Luciano Alvarez.

Na zona de Santarém, em 2017, foi capturado o maior espécime conhecido no Tejo português. Tinha 58 quilos e quase dois metros. Já o maior predador apanhado na Europa foi encontrado em 2015, no rio Ródano, em França: tinha 2,73 metros e pesava 130 quilos.

Em 2017, os investigadores do Mare – Centro de Ciência do Mar e Ambiente da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que estudam as espécies não naturais nos rios portugueses, iniciaram uma investigação sobre a presença do siluro no Tejo. Nessa altura, a população era calculada em centenas e as capturas às dezenas. Hoje não têm dúvidas em falar em “dezenas de milhares” de espécimes. Há três anos, os biólogos diziam que podia vir a ser uma ameaça para as espécies nativas. Hoje já não têm dúvidas: “Estão a dar cabo de todas espécies autóctones”, garante Filipe Ribeiro, um dos investigadores do Mare que coordena parte da investigação às espécies não naturais dos rios portugueses.

“Calculamos que, entre margens, exista um siluro por metro de rio. Se se tiver em conta que o Tejo português tem cerca de 120 quilómetros e, em alguns casos, distâncias entre margens com centenas de metros em alguns casos, têm-se uma ideia do número de espécimes no rio. São dezenas de milhares e estão a devorar tudo”, acrescenta este biólogo de 45 anos, especialista em peixes de água doce e espécies invasoras e que continua a acompanhar a evolução dos siluros no Tejo.
Milhares de novas crias todos os anos

Filipe Ribeiro acentua que “o mais preocupante são espécies nativas do Tejo que estão a ser dizimadas”. “Daqui a muito pouco tempo corremos o risco de ter o Tejo sem nenhuma das suas espécies autóctones e que, hoje, já têm uma fraca expressão no rio”, alerta.

Para demonstrar os estragos que este superpredador está a causar no Tejo Filipe Ribeiro explica que, de acordo com estudos científicos europeus, para sobreviver cada siluro necessita de comer 2% do seu peso. Se calcular este peso médio em dez quilos, cada peixe necessita de comer 200 gramas por dia. Se se multiplicar estas 200 gramas por 10 mil espécimes chagamos ao impressionante número de duas toneladas por dia.

Igualmente impressionante é a sua capacidade de reprodução. Uma fêmea jovem de um metro faz uma desova de cerca de 80 mil ovos uma vez por ano. Calcula-se que apenas 1% das crias, cerca de 800, chega à idade adulta. Se se multiplicar por 10 mil são cerca de 8 mil novos espécimes por desova a invadir o rio.

“Estamos a falar de ter uma espécie de leão dentro de água, que tudo come e que a ele ninguém o come em Portugal [em alguns países do centro da Europa o siluro é consumido], porque não há tradição e é um peixe muito feio. Estamos a falar de uma praga, de um predador de topo”, afirma o biólogo do Mare.

O pesadelo dos pescadores

Carlos Serras, 57 anos, deixou o Tejo na madrugada de quinta-feira, já passava da 1h. A norte do cais de Vila Velha de Rodão, no distrito de Castelo Branco, largou no rio 14 redes de pesca.

Não esperam uma grande pescaria. Durante a noite, a barragem espanhola de Cedilho, a norte de Vila Velha de Rodão, libertou uma grande massa de água para o Tejo português. Com ela vieram, lamas, algas, troncos de árvores e outro lixo, que sujaram as redes e fiz com que os peixes delas não se aproximem.

Ao fim de cerca de duas horas apanhou apenas dois lúcios percas, outra espécie invasora do Tejo, mas com valor comercial, já que é consumida na região.

Da água não tiraram nenhuma espécie nativa, nem nenhum siluro, que se transformou num pesadelo para os pescadores.

O mestre Serras pesca no Tejo há mais de 30 anos e, de forma profissional, há cerca de 20. O siluro é um pesadelo para ele. Apanhou o primeiro há dez anos, junto à barragem de Cedilho.

“Os primeiros eram peixes pequenos, para aí com cinco quilos. Algum tempo depois, os que ia apanhando já pesavam dez quilos e não paravam de crescer. O maior que apanhei tinha 44 quilos e 1 metro e 80 de comprimento”, conta.

Aumentou o tamanho e a quantidade. Há duas semanas, em apenas dois dias, apanhou 75 destes superpredadores. “Tenho dias, muitos dias, que tiro mais de 200 quilos desta praga do rio. Já tive dias em que tinha o fundo de um barco de oito metros cheio de siluros”, revela, mostrado que fotografias que ilustram estas situações, não fosse alguém pensar que era mais uma conversa de pescador um bocadinho exagerada.

“A praga” usa-a para colocar como isco nas gaiolas de pesca ao lagostim do rio. Ainda assim, é “um isco ruim”, já que, por deixar pouco sabor na água, não atrai o lagostim.

Em relação aos estragos que os siluros estão a fazer no Tejo e em especial às espécies nativas é ainda mais pessimista que os investigadores:

Diminuir a população “já”

“Há uns anos apanhavam-se barbos e bogas aos milhões. Hoje não se apanha um. E agora está também a dar cabo dos lagostins que, hoje, representam cerca de 70% da facturação de um pescador profissional. É uma coisa monstruosa.”

Carlos Serras que está a ver “a praga a crescer de dia para dia” e diz mesmo que, “se não fizer nada, qualquer dia só há siluros no Tejo”.

E aqui, investigadores e pescadores concordam – é “preciso agir já” e começar a reduzir as populações de siluros no Tejo. Ambos dizem que uma primeira solução poderia passar pelo Governo pagar aos pescadores uma verba por cada quilo de siluro capturado. Carlos Serras diz mesmo que o pagamento de um euro por quilo de siluros capturado “já seria um incentivo motivador”.

Os biólogos que estudam a espécie já aprenderam algumas coisas sobre o seu comportamento, que podem que podem contribuir para reduzir as populações.

Graças a telemetria que fazem há três anos – neste momento há 25 espécimes que têm transmissores acústicos colocados no corpo – já perceberam que, no final da Primavera, reúnem-se grupos em determinados locais das albufeiras das barragens.

“Ainda não percebemos porquê, mas o conhecimento deste facto seria uma possibilidade para, com pouco esforço, fazer grandes capturas e reduzir a população”, explicou ao PÚBLICO Bernardo Quintela, também biólogo do Mare e especialista emigrações e movimentações de peixes.

Todos concordam que estes superpredadores são hoje um problema muito grave no Tejo e que precisa de ser combatido já, até porque o problema pode expandir-se a outros rios. Os siluros já foram confirmados no Douro espanhol e já chegaram aos investigadores portugueses relatos de avistamentos no lado do rio português, embora ainda sem confirmação cientifica.

Créditos da Reportagem: jornal “Público”

Repórteres: Luciano Alvarez ( texto) e Daniel Rocha (fotos)

Nota: as fotografias que ilustram a Reportagem não são do repórter fotográfico Daniel Rocha.

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