O livro Energy Transitions: Global and National Perspectives, de Vaclav Smil, é uma obra fundamental para compreender a natureza, o ritmo e a complexidade das mudanças energéticas ao longo da história. Smil propõe uma leitura empírica e histórica das transições energéticas, recusando tanto o otimismo tecnológico desmedido como o catastrofismo ambiental. A sua principal contribuição reside em mostrar que as transições energéticas são processos lentos, cumulativos e profundamente enraizados nas estruturas económicas, tecnológicas e sociais. Ao longo dos séculos, nenhuma fonte de energia substituiu completamente a anterior: a madeira, o carvão, o petróleo e o gás coexistem, sobrepondo-se e adaptando-se a novas funções. Essa constatação leva Smil a rejeitar as narrativas políticas e mediáticas que anunciam uma rápida substituição dos combustíveis fósseis por energias renováveis.
A força da abordagem de Smil está na combinação entre dados quantitativos, rigor técnico e análise histórica comparada. Ele descreve com detalhe como a evolução das fontes de energia moldou o desenvolvimento das civilizações — desde a dependência da biomassa nas sociedades agrícolas até à centralidade do petróleo na era moderna. A energia, para Smil, é o motor invisível da história económica e o principal fator que condiciona a escala e o ritmo das transformações sociais. Esta perspetiva interdisciplinar, que cruza ciência, economia, geografia e tecnologia, confere ao livro um carácter único e profundamente educativo.
No entanto, Smil é também conhecido pelo seu ceticismo face às promessas de uma transição verde rápida. Ele alerta que as infraestruturas energéticas têm uma enorme inércia física e económica: são sistemas caros, duráveis e interdependentes. Mudar de paradigma energético, portanto, não é apenas trocar carvão por solar ou petróleo por eólica, mas reconfigurar todo um sistema industrial, de transportes e de consumo. O autor critica as projeções políticas e mediáticas que subestimam o tempo, o investimento e a complexidade desse processo. Para ele, a verdadeira transição energética exige tanto inovação tecnológica quanto mudança de comportamento e redução de consumo.
Contudo, esta visão realista e fundamentada também tem limitações. Vários críticos apontam que Smil tende a ser excessivamente prudente, subestimando o potencial de inovação tecnológica e a capacidade de ação coletiva em contextos de emergência climática. O seu enfoque é mais descritivo do que normativo — oferece uma análise detalhada das transições passadas, mas não propõe um modelo político ou social para acelerar as mudanças necessárias. Além disso, o determinismo histórico que permeia a obra pode ser visto como um entrave à imaginação política: o facto de as transições anteriores terem sido lentas não implica que a atual, sob pressão climática global, tenha de repetir o mesmo padrão.
Apesar dessas reservas, Energy Transitions mantém uma relevância incontestável. Num tempo em que discursos de descarbonização proliferam, Smil oferece uma perspetiva sóbria e fundamentada sobre o que realmente significa transformar o sistema energético mundial. A sua lição essencial é que a transição energética é necessária, mas não instantânea: requer tempo, planeamento, investimentos maciços e, sobretudo, uma nova cultura de sobriedade e eficiência. Mais do que um manual de políticas, o livro é um convite à lucidez — à compreensão de que não há soluções mágicas, mas apenas o trabalho paciente de reestruturar as bases materiais da civilização moderna.
Em suma, Vaclav Smil desafia tanto o pessimismo quanto o idealismo, propondo uma leitura realista da história e do futuro da energia. Energy Transitions continua a ser uma obra de referência porque recorda que a energia é o eixo invisível da sociedade e que compreender as suas transições é compreender a própria história do desenvolvimento humano.
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