Azinhal (Quercus rotundifolia) |
Nós, cidadãos, que nos preocupamos com o futuro da floresta
nacional, considerando que:
• A área florestal com gestão pública, responsabilidade do
Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), é de 525.400 ha.
São património público, e por isso têm gestão plena do ICNF, apenas 55.000 ha.
Chamam-se Matas Nacionais e estão sob o Regime Florestal Total. As restantes
áreas são constituídas essencialmente por terrenos comunitários (baldios), bem
como alguns terrenos particulares e autárquicos, que estão no Regime Florestal
Parcial e são geridas pelo ICNF através desse regime num sistema de gestão
partilhada com os seus legítimos proprietários.
• O Regime Florestal, “consciencializado e assumido como
princípio de Direito e plasmado na lei [notável] em 1901 e 1903”, e que define
o uso florestal como uso imperativo (PARDAL 2014), tem sido a base de uma
política florestal esclarecida que se quedou nos 525.400 ha referidos, porém,
embora a legislação esteja em vigor e toda área de gestão pública atual se
enquadre nele, ele tem vindo a ser incorretamente desconsiderado e pouco
promovido.
• Portugal é um dos países do mundo com menor percentagem de
floresta pública (2% e 55 mil ha, ou 0,055 milhões ha), e definitivamente
aquele que tem menos floresta pública na Europa. Manda o bom senso perguntar
aos nossos vizinhos espanhóis (27% e 7,396 milhões ha) e franceses (11% e 1,702
milhões ha) porque lhes convém que o Estado disponha de uma percentagem elevada
da área florestal.
• Os Serviços Florestais já haviam sido criados em 1886,
todavia, foi no âmbito da grande reforma de 1901 que os modernos Serviços
Florestais e Aquícolas (SFA) foram criados. Estes serviços fizeram um trabalho
notável durante quase um século, com muitos períodos áureos e outros não tão
felizes. Importa referir alguns bons um pouco esquecidos: a partir dos finais
dos anos 30 do século passado começavam a estruturar-se no seu seio as
competências para a conservação da natureza. Tendo surgido em 1956, dentro dos
SFA, o Serviço de Caça, Pesca, Regime Florestal e Protecção da Natureza, que
cria a primeira área protegida de Portugal Continental (Reserva Ornitológica do
Mindelo). Nos finais da década de 60, fez-se a identificação das principais
áreas a proteger, a maior parte das quais veio a estar na origem na
constituição de parques naturais e foi ainda no interior dos SFA que surgiu a
iniciativa da criação, em 1970, do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Nesses
tempos, em 1948, surge na sociedade civil um silvicultor, Prof. Carlos Baeta
Neves, que cria a Liga para a Protecção da Natureza (LPN). Tendo sido a
primeira Organização Não Governamental de Ambiente a ser criada na Península
Ibérica. Por falta de estratégia e visões esclarecidas, as competências nas
áreas da conservação da natureza foram, sem medo da sua ineficiência, retiradas
dos serviços florestais até que “em 1996 a estrutura [da instituição florestal]
foi desmantelada e regionalizada, com o pressuposto de criação de uma empresa
pública [ENGEF] para a gestão das áreas a cargo do Estado” (AFN 2012). “A
proposta viria a ser submetida pelo Governo a parecer do Conselho Económico e
Social, entidade que ‘rejeita frontalmente a alienação do património florestal
do Estado, ainda que a favor de uma empresa pública’ e que questiona os
objetivos marcadamente produtivistas da abordagem seguida no Projeto” (AFN
2012). Conclusão: foi em 1996 que se destruiu por fim os Serviços Florestais
centenários de Portugal Continental para se criar o NADA.
• Temos consciência que o futuro da floresta em Portugal não
se resolve exclusivamente por alcançar a boa gestão das áreas de Regime
Florestal existentes atualmente. A maior parte da área florestal em Portugal é
privada, pelo que, noutro âmbito, terão de ser encontradas soluções para o
ordenamento dessa floresta. Entendemos que, se voltarmos no imediato a gerir
efetivamente no terreno 525.400 ha de área florestal, estaremos no caminho
certo e um pouco mais próximos de resolver o problema da floresta em Portugal.
• A Comissão Técnica Independente no seu relatório
“Avaliação dos incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em Portugal
Continental”, de março de 2018, faz uma total razia à atuação do ICNF (e
designações anteriores) em Portugal Continental desde, pelo menos, 1981 até aos
dias de hoje (CTI 2018).
• A CTI (2018) refere que o ICNF está numa grave situação;
que não assegura a proteção das Matas Nacionais; que as áreas florestais sob
sua responsabilidade ardem ainda mais que as restantes; que o facto de ter
ardido 34% da totalidade da área de Matas Nacionais em 2017 é demasiado
evidente e grave; que a instituição é um constrangimento para o setor florestal
quando deveria ser o seu principal promotor; que esta nunca assumiu a
degradação de um património público [e comunitário] de ½ milhão de hectares;
que a má gestão de um bem público [e de um bem comunitário] constitui um
péssimo serviço; que é nas florestas sob sua responsabilidade que é mais grave
o problema das invasoras lenhosas [acácias] em Portugal.
• Deveria ser ainda mais crescente a importância da caça e
da pesca desportiva em águas interiores como atividades económicas de relevo no
interior do país, nomeadamente na vertente turística, porém, muitas dos nossos
rios e albufeiras encontram-se depauperados por falta de gestão aquícola
efetiva, nomeadamente devido à inexistência de regras de pesca específicas e
dinâmicas, para cada massa de água, conjugada com uma total falta de
fiscalização. A gestão da caça, embora tendo melhorado muito nas zonas de
gestão privada, está longe da capacidade que poderia representar e, sobretudo
no aspeto turístico, não houve capacidade para organizar e desenvolver um
turismo cinegético capaz de valorizar realmente o potencial existente em muitas
regiões do interior do país.
• O problema da instituição florestal em Portugal não é
exclusivamente político. A situação só chegou a este estado de extrema
gravidade devido também à evidente incúria de seus dirigentes que nunca se
insurgiram e que, por acomodação, a deixaram apodrecer.
• A existência de áreas florestais sob gestão pública faz
sentido. Dada a sua natureza ecológica, não foi encontrada até agora nenhuma
forma melhor de explorar florestas de baixa produtividade senão
transformando-as num uso imperativo florestal de utilidade pública. Todos os
países com governos democráticos bem sucedidos nesta matéria, sejam de esquerda
ou de direita, chegaram à mesma conclusão (PEDRO BINGRE com. pessoal). O facto
da nossa instituição florestal em Portugal ter sido desmantelada nos últimos 40
anos e se encontrar atualmente ao nível da de um Estado Falhado fará parecer
lógico alegar que o serviço público florestal não funciona e que a gestão
pública florestal em Portugal deve ser de vez entregue a privados. Ocorre que
temos a vantagem de termos uma recente história florestal rica e bem sucedida,
temos ainda o mundo à nossa volta com excelentes exemplos do que é um bom
serviço público florestal. Portugal tem-se fechado sobre si mesmo e se revelado
ignorante em politicas florestais; devemos antes procurar copiar aquilo que
funciona lá fora e atualizar aquilo que já funcionou entre nós. Temos de
assumir humildemente que somos atualmente um dos piores países do mundo em
termos de políticas e governança florestal - os factos estão aí, duros, mas
reais: 112 pessoas mortas e 442 mil ha ardidos apenas em 2017. Alternativas,
provenientes da ignorância e do imediatismo, nos parecem por isso
aventureirismos por testar ou fracassos a não repetir.
Requeremos à Assembleia da República:
1. Que refunde um
novo Serviço Florestal e Aquícolas (ou outra designação) em Portugal
Continental, criando no seu seio uma estrutura com capacidade idêntica à que
tiveram os Serviços Florestais e Aquícolas em Portugal nomeadamente no que
respeita: 1) à efetiva capacidade de gestão, plena e partilhada, das áreas de
Regime Florestal, com serviços próximos das comunidades locais, com dinamismo e
célere capacidade de decisão, com técnicos, guardas florestais e operacionais
qualificados e motivados, com estrutura, equipamento, capacidade de
investimento alargada e autonomia financeira; 2) à efetiva gestão de recursos
aquícolas dos nossos rios e albufeiras, com viveiros, repovoamento piscícola
adequado, e fiscalização; 3) ao efetivo apoio à gestão dos recursos
cinegéticas, estimulando e garantindo o apoio a um verdadeiro turismo
cinegético internacional; 4) que desenvolva o sector da silvopastorícia,
promovendo o desenvolvimento de uma atividade moderna capaz de contribuir para
a criação de espaços resistentes aos incêndios através de áreas de pastagens
renovadas com capacidade de sustentar uma economia pastoril; 5) que desenvolva
e aperfeiçoe os serviços de gestão dedicados à conservação da natureza, que
garantam o desenvolvimento da biodiversidade e em especial a recuperação das
espécies ameaçadas e em risco de extinção, que sejam harmonicamente
complementares da economia dos espaços rurais, do turismo de natureza e,
sobretudo, para a melhoria das condições de vida das respetivas populações; 6)
que sirva para apoiar permanentemente (extensão rural) as áreas de Regime
Florestal Parcial e nomeadamente, nas áreas comunitárias, dinamizar e apoiar a
constituição de assembleias de compartes e respetivos conselhos diretivos; 7)
que reponha a Estação Florestal Nacional (pesquisa aplicada à floresta) e que,
entre outras linhas de pesquisa, retome urgentemente os programas de
melhoramento florestal, articulando-se com o CENASEF (Centro Nacional de
Sementes Florestais); 8) que se dedique à correção de regimes torrenciais
(controlo de erosão) e por fim ao lazer e recreio nomeadamente através da
reabilitação dos parques de merendas.
2. Que, tendo em vista a refundação dos referidos serviços,
promova um profundo debate que envolva um pequeno grupo, a requerer pela AR, de
pensadores de políticas florestais, de pensadores de planeamento regional, de
silvicultores experientes e com mundo, e de representantes das áreas
comunitárias. Que discutam várias alternativas de modelos de gestão pública
(benchmarking) tendo como premissa que “não pode haver uma condução correta da
floresta e da conservação dos recursos naturais sem serviço público, mas este,
para existir, tem de estar aplicado à exploração rentável dos recursos
naturais, tendo nessa rentabilidade o principal alicerce da sua existência”
(PARDAL 2014).
3. Que sejam feitas estimativas dos investimentos
necessários nas várias áreas de gestão de recursos naturais. Em particular, na
área de produção florestal sejam feitos, no imediato, inventários florestais
(se não os houver recentes) e a finalização do mapeamento dos 525.400 ha de
terrenos de Regime Florestal, para servir de base de trabalho para que os
melhores técnicos, a requerer pela AR, de planeamento florestal, de SIG e de
economia florestal, possam calcular as reais necessidades financeiras dos novos
Serviços Florestais, tendo em conta as despesas (estrutura e investimentos) e
as receitas (cortes e demais recursos naturais).
4. Que se cubram as necessidades financeiras deste
imperativo projeto de investimento florestal recorrendo ao Orçamento de Estado,
à União Europeia e/ou ao Banco Mundial (o que já ocorreu em anterior projeto
florestal, de 1980 a 1987, lançado pelo então Secretário de Estado das
Florestas Prof. António Azevedo Gomes).
5. Que garanta que a orgânica que vier a ser definida seja
resultado de um amplo consenso político, capaz de garantir a sua estabilidade a
muito longo prazo (100 anos).
6. Que garanta que os prédios rústicos em estado de abandono
e pertencentes a proprietários desconhecidos, e que não respondem à chamada,
sejam integrados nas Matas Nacionais em Regime Florestal Total (publique-se uma
nota - ad perpetuam rei memoriam - que sirva de base à negociação caso
futuramente apareçam os legítimos proprietários) (PARDAL 2017). Desta forma “ampliando
o património público” conforme “compete ao Estado” pelo artigo 8.º da Lei de
Bases da Política Florestal (Lei n.º 33/96). Segundo BEIRES (2013) o problema
não está quantificado, porém sugere uma estimativa grosseira de 10% do
território se encontre nesta situação, e refere ainda: “importa deixar claro
que estas terras sem dono conhecido ocorrem quase sempre em zonas marginais ou
de incultos florestais, sendo muito raras ou inexistentes em terras agrícolas”.
Os vários trabalhos em curso, nomeadamente o Cadastro Simplificado, legislado
recentemente, vos permitirá a localização desses prédios rústicos, de forma a
seguirem a política referida.
7. Que assegure que se os proprietários de uma ZIF, que
viram todo o seu património florestal ardido e que por isso ficaram sem
recursos financeiros para alavancar novamente a gestão florestal, possam
recorrer ao Governo para submeter a mesma ao Regime Florestal Parcial. Tendo o
Estado a obrigação (conforme lei do Regime Florestal) de arborizar e explorar
através dos Serviços Florestais (ou, liberdade nossa, de entregar os apoios
financeiros necessários ao mesmo fim), de dar apoio contínuo técnico e de
polícia à ZIF, salvaguardando para o Estado uma parte dos lucros líquidos da
mata. A gestão manter-se-á privada e em sede de ZIF sendo supervisionada pelos
Serviços Florestais com base no plano de exploração aprovado, num sistema de
gestão partilhada que garantirá, a muito longo prazo, a utilidade pública
florestal.
8. Que rejeite a privatização ou municipalização das Matas
Nacionais e a municipalização dos terrenos comunitários, no todo ou em parte, a
não ser a devida à expropriação por motivos de utilidade pública.
9. Que entenda que refundar é promover uma mudança radical.
A instituição que nascerá deve ser transparente e responsável pelo cumprimento
de objetivos, devendo a escolha dos seus novos dirigentes ocorrer por
meritocracia.
10. Que assegure que as áreas de Regime Florestal geridas
pelos Serviços Florestais voltem a ter a capacidade própria de proteção,
deixando de fazer depender a extinção do fogo apenas em terceiros (CTI 2018).
11. Que garanta que nas áreas de Regime Florestal geridas
pelos Serviços Florestais sejam rentabilizadas através da produção de lenho, da
resinagem (nomeadamente à vida), da produção de cogumelos, da caça, da pesca
desportiva, da apicultura, da silvopastorícia e/ou outros recursos naturais
numa óbvia gestão harmoniosa com a conservação da natureza. E que se recuperem,
e se tire proveito, das Casas dos Guardas Florestais e outro importante
património construído (sem alienação) para o apoio a essa gestão.
12. Que assegure que as receitas das licenças de caça e de
pesca e as receitas da gestão das Matas Nacionais revertam na totalidade para
os Serviços Florestais, bem como a parte da receita que lhe é devida nas áreas
Regime Florestal Parcial, e que estas sejam aplicadas na gestão do Regime
Florestal e no seu fomento.
13. Que reponha os Guardas Florestais no Ministério da
Agricultura, com as funções de polícia, fiscalização e apoio à gestão dos
recursos florestais, como sempre sucedeu desde, pelo menos, 1886 até 1998/2006
(respetivamente: competência exclusiva de polícia / transferência para a GNR no
Ministério da Administração Interna).
14. Que invista na reflorestação das vastas áreas ardidas e
áreas atualmente incultas do Regime Florestal, sobretudo com espécies
autóctones, incluindo o pinheiro bravo, promovendo as espécies folhosas sempre
que tecnicamente aconselhável e promovendo a erradicação de espécies invasoras
lenhosas exóticas, nomeadamente as acácias.
Resumo: que a Assembleia da República dote com urgência o
país de uns novos Serviços Florestais e Aquícolas (ou outra designação), com a
mais conveniente estrutura orgânica, apoiado num corpo técnico competente desde
o nível dos guardas florestais até aos seus mais altos dirigentes, que seja
capaz de, adotando uma visão moderna de conservação dos recursos naturais e da
biodiversidade, dirigir e coordenar a gestão dos recursos florestais de
Portugal Continental de modo a que estes contribuam na sua plenitude para a
nossa economia e para o desempenho das funções sociais e do bem estar das
populações rurais que deles dependem. Para tanto, será necessário que ocorra um
investimento elevado para recuperar as perdas dos últimos anos e um orçamento
anual capaz de suportar tal estrutura, dentro do Ministério da Agricultura,
podendo-se recorrer não apenas aos recursos disponíveis no Estado português,
mas também a outras fontes de financiamento existentes para estes fins.
Com respeitosos cumprimentos, os peticionários.
(atenção: deve obrigatoriamente colocar o seu nome COMPLETO
e o nº do seu BI).
BIBLIOGRAFIA:
AFN, 2012. Estratégia para a Gestão das Matas Nacionais. AutoridadeFlorestal Nacional. Páginas 33 e 45
BEIRES, R. S.; GAMA AMARAL, J.; RIBEIRO, P., 2013. O cadastro e a propriedade rústica. Fundação Francisco Manuel dos Santos. Páginas
83 e 84
CTI, 2018. Avaliação dos incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em Portugal Continental. Comissão Técnica Independente.
Páginas 195-201 e 239-240
PARDAL, SIDÓNIO, 2014. A Politíca Florestal no Nosso País.In Questões Atuais de Direito Local. AEDRL – Associação de Estudos de Direito
Regional e Local.
PARDAL, SIDÓNIO, 2017. Apontamento para uma política florestal.
2 comentários:
Bom dia João Soares, quem me mandou esta página foi um amigo meu. E que surpresa. Eu sou o primeiro peticionário. Fiquei muito contente de ver publicada a petição no seu blogue. Entre em contato comigo que posso lhe enviar um cartaz que fiz. E podemos trocar ideias. É também associado da LPN. gcastelbranco.eng.florestal@gmail.com
Obrigado. Um Bom 2023.
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