1. UM JARDIM MULTIFUNCIONAL
por Paulo Araújo, Campo Aberto- Público, 11/06/04
Todos os domingos, ao princípio da tarde, se junta muita gente à entrada do
Hospital de Santo António para visitar os seus doentes. O estacionamento é
caótico e não parece haver qualquer esforço em discipliná-lo: afinal, também os
agentes da lei têm direito a descansar ao sétimo dia. Com as alterações viárias
recentemente ocorridas, passou a ser fácil o acesso da Cordoaria ao Hospital.
Resultado: é ver aquele larguíssimo passeio que delimita o jardim, paralelo à
alameda dos plátanos, preenchido com automóveis, alguns deles pisando mesmo a
relva; e, para completar o quadro, os condutores mais afoitos sobem ao próprio
jardim e estacionam na alameda, à sombra dos plátanos. Haverá quadro mais
eloquente do nosso irrecuparável atraso civilizacional?
2. MUTILAÇÕES RITUAIS
por Paulo Araújo, Campo Aberto - Público, 11/06/04
As jovens tílias da rua D. Manuel II, frente ao edifício Cristal Park, entraram
finalmente na idade adulta: sofreram, em plena Primavera, a primeira poda da
sua vida. Depois de uma juventude despreocupada, em que desenvolveram copas
frondosas, e quando se preparavam para florir, sabem agora que a vida não é
para brincadeiras: toca a aparar a cabeleira, que ninguém lhes perdoa a beleza.
Daqui em diante irão crescer em conformidade com as regras municipais:
disformes e debilitadas. A seu tempo serão diagnosticados como seriamente
doentes e abatidas em nome da segurança pública; logo virão outras para cumprir
o mesmo triste ciclo. As muitas ruas arborizadas do Porto podiam ser bonitas;
mas o que temos, em muitas delas, são árvores grotescas e débeis, vítimas
periódicas de mutilações rituais.
PODAS CAMARÁRIAS
por Raul Rodrigues,ASPA - ASSOCIAÇÃO PARA A DEFESA, ESTUDO E DIVULGAÇÃO DO PATRIMÓNIO CULTURAL E NATURAL (Braga)- Entre Aspas,26/01/04
Estas podas deveriam ser banidas porque são manifestamente prejudiciais, quer para a saúde das árvores, quer para o bolso do contribuinte. As árvores assim podadas perdem o seu porte natural e, portanto, a sua beleza. Quando se elimina uma grande quantidade das suas reservas armazenadas nos ramos e troncos, as árvores ficam debilitadas e, consequentemente, mais vulneráveis ao ataque de pragas e doenças.
O que é a mutilação das árvores? A mutilação é uma poda indiscriminada dos ramos das árvores, deixando apenas alguns troncos ou mesmo apenas o simples tronco principal da árvore. Trata-se de uma prática de poda bastante difundida e, ao mesmo tempo, a mais perniciosa para a saúde e longevidade das árvores. Apesar da generalidade dos especialistas em podas de árvores condenarem esta prática, ela continua a ser uma prática comum na nossa cidade.
Várias são as "falsas" razões para se justificar a mutilação das árvores: necessidade de se reduzir o tamanho da árvore quando esta é demasiado grande para o local onde foi implantada; receio das árvores grandes constituírem um perigo, etc., etc. A mutilação não é um método viável para reduzir a altura da árvore nem tão pouco para reduzir o risco de queda, antes pelo contrário, a mutilação fará uma árvore mais perigosa a médio e longo prazo (Ex: Av. Central, Traseiras do edifício da Câmara Municipal de Braga, Mata do Bom Jesus, Av. Imaculada Conceição).
Consequências da mutilação das árvores: esta prática elimina uma grande parte da copa das árvores chegando nos casos mais drásticos à eliminação total. Como consequência, a superfície fotossinteticamente activa (as folhas que são como que uma fábrica de alimento das árvores) é parcial ou totalmente eliminada, pelo que a árvore fica bastante debilitada (pode passar fome). Esta gravidade da poda, estimula um tipo de mecanismo de sobrevivência, no sentido da árvore se recompor do traumatismo sofrido, recorrendo para tal às suas reservas energéticas. Se a árvore não dispõe de tais reservas em abundância, ficará gravemente debilitada, podendo em muitos dos casos morrer (lódãos, na Av. Imaculada Conceição). Uma árvore debilitada, fica mais vulnerável ao ataque de pragas e doenças, sendo que alguns insectos acabam por se aproveitarem destas debilidades e instalar aí as suas colónias, acelerando nalguns casos a morte das árvores (Ex: Tílias da Av. Central).
Sem folhas, (durante cerca de meio ano nas nossas condições) uma árvore decapitada fica completamente desfigurada e debilitada, e jamais recuperará por completo a sua forma natural. A decapitação é uma prática incoerente com a fisiologia das árvores, cientificamente errada e socialmente inaceitável.
A mutilação acarreta riscos. Como resposta aos cortes violentos, as árvores recorrem a um mecanismo de sobrevivência que as levam a produzir múltiplos rebentos causando um grande desgaste. Os novos rebentos crescem muito rapidamente, podendo nalgumas espécies alcançar 6 metros no primeiro ano. Infelizmente, estes novos ramos têm tendência para esgaçar com facilidade, principalmente por acção de ventos fortes. Neste caso, vira-se o feitiço contra o feiticeiro, em que a mutilação vista como uma forma de proporcionar segurança, torna-se numa forte ameaça para os transeuntes.
A mutilação sai cara. O custo com a mutilação, não se limita apenas aos encargos com mão-de-obra e maquinaria. Se a árvore sobrevive, necessitará de outra poda dentro de poucos anos, voltando novamente a ser severamente castigada. Se a árvore morre, será pura e simplesmente abandonada no local até que a natureza ou alguém se encarregue de a retirar de lá.
Responsabilidade civil. Outro custo das árvores podadas violentamente ao longo de vários anos tem a ver com a responsabilidade civil. Estas árvores com maior propensão ao esgaçamento, podem constituir um risco não negligenciável, pelo que qualquer dano provocado pela queda de um ramo de uma árvore mutilada poderá levar a um veredicto de negligência nos tribunais.
É errado o conceito tão difundido no que respeita a vantagens ou benefícios que significa a poda para a árvore. No que respeita à poda do arvoredo urbano, há vários conceitos e práticas erróneas, que se transmitem de geração em geração, sem que haja coragem ou vontade política de pôr cobro a tais situações.
Nalgumas espécies, quando se utiliza erradamente uma técnica de poda, observa-se normalmente o aparecimento de podridões (como consequência da contaminação por fungos oportunistas). Este processo é irreversível, leva ao declínio prematuro e frequentemente à morte das árvores.
OS TOUROS EM BARRANCOS E AS ÁRVORES EM COIMBRA
Carlos Noronha,OzOlivais Diário das Beiras, 31/08/2000
Na minha opinião a tradição é um direito das populações e deve ser preservada.
As características peculiares das comunidades definem-se pelas suas atitudes e comportamentos, de carácter repetido, ao longo dos tempos.
Nos últimos anos, na cidade de Coimbra, têm-se verificado um conjunto de comportamentos que, pelo seu caracter repetido e sistemático, iniciam um processo de construção de uma "nova tradição". A forma como as gentes de Coimbra, ou aliás, os seus representantes, se têm relacionado com as árvores têm constituído não mais do que uma interessante forma de tradição: a interessante e peculiar Arte de "Lidar" as árvores e as zonas verdes da cidade - "Árvores de morte".
Atendemos a alguns ilustres exemplos desta verdadeira Arte:
A "arte da poda radical" tem possibilitado, nos últimos anos, a existência de verdadeiras esculturas dinâmicas pelas ruas e praças da cidade, como por exemplo a Av. Afonso Henriques e Praça da República. Até alguns pequenos Plátanos na Quinta das Flores também já foram sujeitos àquela arte.
Uma outra técnica mais peculiar, pois requer uma maior atenção do observador ao nível do solo, é a omissão das caldeiras (área de terra na base das árvores por onde estas captam água e nutrientes) ou a construção de uma caldeira com o perímetro de cada tronco. Estas "artes de lidar as árvores" podem-se observar nas árvores da Rua Antero de Quental e da Av. Navarro.
Em Coimbra consegue-se fazer das árvores verdadeiros bens do mobiliário urbano. Na baixa da cidade, Praça Velha, está prevista uma rearrumação de árvores com cerca 20 anos.
Temos assistido ao aparecimento de alguns pequenos movimentos de cidadãos que têm tentado, sem grandes resultados, impedir que o desenvolvimento desta "nova tradição". No que se refere ao projecto de construção de um parque de estacionamento na Praça da República, Uma comissão cívica "Salvemos a Praça" tenta evitar que assistamos a uma verdadeira e peculiar demonstração desta recente tradição Coimbrã, ou Lide das árvores de morte.
Mas os aficcionados destas lides de morte poderão estar descansados que a tradição tem-se cumprido e continuará a cumprir-se em Coimbra. Recentemente com o desbaste de um número considerável de árvores nas margens do rio numa zona que agora se denomina de "Parque Verde"! e, em breve, com construção de um hotel de 5 estrelas numa zona considerada, há apenas uns meses, como reserva ecológica nacional.
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