quarta-feira, 19 de abril de 2023

ZERO alerta para 6 pontos negativos na exploração de lítio no Barroso



Termina hoje, dia 19 de abril, a consulta pública relativa ao Estudo de Impacte Ambiental do projeto de ampliação da Mina do Barroso (MdB), na sua versão do projeto reformulado apresentado no âmbito do Artigo 16.º do Regime jurídico da avaliação de impacte ambiental, após parecer desfavorável da Comissão de Avaliação devido à identificação de potenciais impactes negativos muito significativos em fatores ambientais como recursos hídricos, sistemas ecológicos, paisagem e socioeconomia.

A ZERO reconhece que, neste momento, é uma prioridade o combate às alterações climáticas que afeta milhões de pessoas, inclusive na Europa, e a eletrificação da sociedade tem atualmente na tecnologia com base no lítio um importante aliado na transição energética. Contudo, não deixa de ser verdade que a mesma não pode justificar uma extração de recursos minerais a qualquer custo. Mesmo que Portugal tenha potencialmente a maior reserva de lítio em território europeu, a eventual exploração não poderá de forma alguma avançar sem que sejam devidamente acautelados os impactes sociais, económicos e ambientais e o passivo ambiental que ficará no território para as gerações futuras. Para além disso, não poderemos defender uma exploração predatória que vise única e exclusivamente retirar no mais curto espaço de tempo os recursos mineralógicos, sem garantir que todo o ciclo de transformação seja assegurado em território nacional, criando uma cadeia de mais valias que dificilmente se consegue com a mera instalação de uma mina.

A ZERO apresenta seis pontos negativos no projeto de exploração de lítio do Barroso

Da análise que a ZERO efetuou, e com base na qual elaborou um parecer negativo ao Estudo de Impacte Ambiental, destacam-se seis pontos:
  1. A incomodidade e impactes sobre a vida das pessoas continua a ser uma preocupação. Uma exploração mineira desta natureza, a menos de 1.000 metros do aglomerado populacional, levanta muitas dúvidas relativamente ao nível de incomodidade. O cumprimento da legislação e a amenização dos problemas com a redução da laboração da mina com um limite máximo em algumas das cortas para as 23 horas, garantindo horas de descanso é positivo, mas não é suficiente, porque cumprimento da legislação não significa ausência de incomodidade. A lavaria continuará a laborar 24 horas por dia. O estudo refere que “importa assinalar que a extensão no tempo destes efeitos de perturbação e a sua continuidade diária podem contribuir para um agravamento da qualidade de vida e saúde da população”.
  2. O impacto na paisagem é muito significativo. No estudo é referido que as áreas a intervencionar no âmbito do projeto são muito reduzidas no contexto da região do Barroso, nomeadamente na área classificada de Património Agrícola Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), dado que as intervenções da fase de construção são maioritariamente temporárias e reversíveis, sendo as suas áreas de implementação recuperadas e os seus usos repostos. Para além do impacte visual durante um período que pode chegar a perto de 17 anos, resta saber qual o impacto que este projeto terá na imagem da região.
  3. O passivo ambiental, resultante da localização dos rejeitados da lavaria, levanta muitas dúvidas. É positiva a alteração ao nível da sequência de exploração de forma a que as escombreiras sejam depositadas nas primeiras cortas a serem exploradas, permitindo abandonar a ideia iniciar de criar duas lagoas e alegadamente possibilitar a reabilitação da maioria das linhas de água. Contudo, permanece a preocupação com a instalação de rejeitados da lavandaria, cuja estrutura com 13,9 Mt numa extensão de 28,4 ha, atingirá uma altura de 85 metros. Embora estejamos na presença de resíduos da lavaria, que serão alvo de desidratação antes da sua deposição em local impermeabilizado e com canais de drenagem, em caso de acidente devido a anomalia ou qualquer outro fenómeno estocástico, devido à orografia do local e à proximidade de linhas de água, poderão existir consequências imprevisíveis sobre o comportamento destes sedimentos de granulometria fina. Esta é uma situação que, em termos de localização, continua a suscitar-nos imensas dúvidas quando ao cumprimento das melhores práticas na exploração mineira.
  4. A preocupação com a disponibilidade hídrica nesta nova versão do projeto mantém-se. Abandona-se a extração direta do rio Covas, mas constroem-se várias barragens, embora sejam apelidadas de reservatórios de água, para garantir o abastecimento e necessidades da exploração mineira. Fica a ideia de que o consumo anual de água na ordem dos 330 000 m3 poderá exigir que, no período de estio, obrigue à diminuição da laboração da lavaria para garantir o caudal ecológico na linha de água principal, o rio Covas. Num cenário de alterações climáticas, em que os fenómenos de seca são cada vez mais comuns e prolongados no tempo, aliados a eventuais problemas na disponibilidade de água subterrânea na aldeia de Covas do Barroso (decorrente da exploração nas cortas mais próximas da aldeia), levanta-se a grande preocupação quanto ao impacte deste projeto nos recursos hídricos desta área.
  5. A compensação na componente ecológica centra-se muito em estudos académicos. É apresentada a concretização de um conjunto de planos de monitorização nos primeiros 5 anos, nomeadamente o Plano de monitorização para a truta, o Plano de monitorização do lobo e o Plano de monitorização da flora – este último numa Estratégia Ambiental de Offsetting, baseada nos princípios de compensação da biodiversidade com o objetivo de desenvolver um ganho. Fica a questão sobre qual o real impacto destes planos de monitorização. A compensação ambiental faz-se com investimento efetivo no terreno na conservação de valores naturais, muito para lá de meros investimentos em estudos académicos.
  6. O Plano de Partilha de Benefícios e um Plano de Boa Vizinhança é algo imposto e não negociado com os interessados. É positiva a intenção de partilha de benefícios, contudo e tratando-se de um plano que já está pré-formatado, com um conjunto de iniciativas a implementar, dificilmente se consegue perceber qual o alcance do plano e o que de positivo ficará e perdurará após o encerramento da MdB. Nunca existiu um processo participativo na construção de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento local que poderia ser alavancado por parte dos elevados lucros expectáveis gerados pela exploração da MdB e que resulte numa mais valia a longo prazo.
Em suma, no projeto reformulado, mantém-se a ideia de que todos os impactes são mitigáveis, são recuperáveis e que no final ficará tudo ainda melhor, com a criação de uma nova paisagem a um nível local, ainda que potencialmente melhor em termos ecológicos e de biodiversidade no período pós-exploração mineira, e com um retorno muito positivo para o Município e comunidades locais.

Para a ZERO, este é mais um exemplo de um projeto que, desde o primeiro momento, descurou o diálogo com as populações e não acautelou a qualidade de vida de quem vive nas imediações da área de concessão da mina. Para além disso, existe uma grave falta de visão estratégica e planeamento sobre os investimentos, retorno positivo e a sua sustentação no pós-exploração que verdadeiramente contribua para o desenvolvimento regional e a melhoria da vida dos cidadãos deste território, que serão de certa forma sacrificados face a um desígnio nacional e europeu.

Na verdade, estamos em presença de um projeto que tem evidentes impactes ambientais, muitos deles cuja alegada reversibilidade é muito duvidosa, pelo que jamais se pode afirmar que estamos perante um suposto projeto de “Mineração Verde” (Green Mining), um conceito falacioso e tecnicamente errado que apenas poderá ser suportado por uma narrativa de “greenwashing” numa atividade que a própria indústria reconhece que inevitavelmente gerará um considerável passivo ambiental para as gerações futuras.

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