Por Wagner Brenner
“Sinalização” é um fenómeno interessante. Por exemplo: um Rolex mostra as horas exatamente com a mesma eficiência de um Casio. Mas quem usa um Rolex não está interessado apenas nas horas, mas sim em sinalizar um poder aquisitivo. É um consumo ostentatório.
Todos nós fazemos isso, o tempo todo. Praticamente cada vez que nos manifestamos diante de alguma pessoa ou grupo, estamos sinalizando alguma coisa. Seja por palavras, atos ou bens de consumo. As vezes, até quando não nos manifestamos estamos sinalizando alguma coisa.
A sinalização é nossa forma de dizer ao mundo “eu sou assim”. E isso existe desde que o mundo é mundo.
Mas a coisa fica um pouco mais complexa quando avançamos para a “sinalização de virtude”.
Sinalização de Virtude
A sinalização de virtude é um “neologismo que descreve a ação, prática ou busca sistemática de expressar publicamente opiniões ou sentimentos que são tidos como virtuosos por determinados grupos com o objetivo de demonstrar o bom caráter, valor ou a correção moral de sua posição num determinado assunto” (wkp).
Tudo certo, não fosse o fato de que, muitas vezes, parecer acaba ficando maior do que o ser. Exemplo: alguém que se apresenta como defensor do meio-ambiente mas que no fundo está mais interessado em projetar essa imagem do que de fato defender o meio ambiente.
O propósito primário é parecer um ambientalista, mas não necessariamente, ser um ambientalista.
É uma espécie de apropriação de imagem com o intuito de criar uma persona que não necessariamente existe na vida real. É um ato de sinalização de virtude, mas sem o virtuosismo de fato.
História do conceito
Embora tenha aparecido anteriormente em trabalhos académicos religiosos em 2010 [1] e 2011,[2] o jornalista britânico James Bartholomew costuma receber o crédito por ter originado o termo "sinalização de virtude" em um artigo no The Spectator em 2015,[3] que mais tarde reivindicou o crédito por sua criação em artigos posteriores.[4]
Os psicólogos Jillian Jordan e David Rand argumentam que a sinalização de virtude é separável da verdadeira indignação em relação a uma crença particular, mas que, na maioria dos casos, os indivíduos que são sinalizadores de virtude estão de fato experimentando simultaneamente um verdadeiro ultraje.[5] O linguista David Shariatmadari argumenta, no The Guardian, que o próprio ato de acusar alguém de sinalização de virtude é um ato de sinalização de virtude em si, e que seu uso excessivo como um ataque ad hominem durante debates políticos tornou-o um termo político sem sentido.[6]
A Sinalização de Virtude e as Redes Sociais
Com a chegada das redes sociais passamos a nos manifestar de forma diferente diante do mundo. Ao invés da nossa presença física, nos fazemos presentes virtualmente através de textos, imagens e audios. E se você já leu livros e assistiu filmes na sua vida, sabe como esses apoios são muito mais férteis para se criar personagens do que a vida real.
O meio digital oferece a possibilidade das pessoas se transformarem em Spielbergs delas mesmas. É fácil criar um personagem, um avatar, uma skin (ou várias) no mundo virtual do que no real. Não é raro, por exemplo, uma pessoa introvertida na vida real e extrovertida nas redes.
Os antropólogos digitais até criaram uma nova expressão para este fenómeno: o dividualismo. Éramos “indivíduos” (ou aquele que é indivisível, a unidade mais básica de uma sociedade) e estamos virando “divíduos”, por conta da multiplicidade de personagens de nós mesmos.
Claro, tem o lado bom: o mundo é nosso palco e plateia e podemos nos manifestar de formas diversas como bem nos convier. Podemos experimentar ser um pouquinho do que ainda não somos e assim ir moldando uma personalidade mais rica e plural, quase que por tentiva e erro.
Mas tem o lado ruim também: a simples sinalização de uma persona, sem a correspondência no real, fica ficcional. E com o tempo se transforma em ilusão, fumaça.
Nossos super-homens e nossas mulheres-maravilha são fantásticos… mas não salvam o mundo de verdade. São apenas projeções, são ficcionais. E da mesma maneira como existem os heróis anónimos que fazem coisas incríveis todos os dias sem que ninguém enxergue, passamos a ter os heróis populares e influentes, mas sem qualquer ato heróico genuíno.
Sinalização de virtude virou moeda de rede. Mecanismo de sobrevivência e de alpinismo social. Uma maneira de subir a hierarquia no Instagram, no LinkedIn, etc. Os personagens atuam em forma de post e são remunerados com likes e seguidores. E que com o tempo, e por incrível que pareça, acabaram ganhando um valor em din din de verdade.
A sinalização de virtude como ferramenta de consumo
Bom, agora o teatro virtual e virtuoso complica.
Enquanto estamos falando de pessoas e de como estamos aprendendo a nos relacionar de formas novas usando acertos e erros para progredir, tudo muito válido. Mas quando se trata de uma marca, a sinalização ganha um propósito comercial e vira ferramenta de marketing.
Um arco-íris na embalagem passa a sinalizar algo que vai muito além de uma característica intrínseca do produto e pode ser interpretado como uma ampliação de propósito da marca. Mas também, como uma apropriação de causa com fins comerciais.
E da mesma forma como acontece entre humanos nas redes, a possibilidade de uma sinalização de virtude de uma marca ser ficcional é possível. Dado o volume da estratégia no mercado, diria até que é mais do que possível: é provável.
Não podemos generalizar. É claro que muitas marcas e seus produtos e serviços tem uma proposta e um propósito que se alinham perfeitamente com algumas causas e podem ajudar a levantar bandeiras.
Mas seria ingenuidade acreditar que é sempre esse o caso.
Marcas, por definição, pegam carona em tudo o que possa incrementar seu apelo. É parte fundamental do marketing e do modelo de negócio dos bens de consumo. E sinalização é a alma da comunicação e da imagem de marca.
Cabe a nós, aqueles que consumem, compreender o quanto de verdade há nisso tudo.
Quando o Tarcício Meira fumava o cigarro no comercial da década de 70 todo mundo sabia que ele estava sendo pago para fazer isso e mesmo sabendo que se tratava de uma atuação, existia ali um poder de influência. Hoje o mix da influência é bem mais complexo e não é tão fácil distinguir o que é real ou não.
Causas geram defensores ferrenhos e associar consumo de marcas com militância é fórmula extremamente rentável.
Pelo menos até o ponto em que a sinalização da virtude fica maior do que a virtude em si. Aí o tiro pode sair pela culatra e os verdadeiros defensores das causas podem perceber a carona comercial em coisas que devem e precisam ser tratadas como questões por uma sociedade melhor e não serem diminuídas e banalizadas por uma intenção bem mais mundana e comercial.
Enfim, o texto acabou ficando longo e se você ainda está aqui comigo, agradeço e fico contente porque algo nisso tudo lhe interessa. Sinalização sempre existiu, mas está tomando proporções importantes e merece nossa atenção e reflexão.
Pessoalmente prefiro aquela boa intersecção entre a sinalização de coisas que realmente praticamos. Nem que a gente comece pela vaidade de projetar uma imagem mas que, em algum momento, isso vire algo na prática.
Parecer é legal. Mas SER… é incrível.
Referências
1. Pyysiäinen, lkka (2010). Religion, Economy, and Cooperation
2. Bulbulia, Joseph et al (2014). «Why do religious cultures evolve slowly? The cultural evolution of cooperative calling and the historical study of religions»
3. Bartholomew, James (18.04. 2015). «The awful rise of 'virtue signalling'». The Spectator.
4. Bartholomew, James (18.10.2015). «I invented 'virtue signalling'. Now it's taking over the world». The Spectator.
5. Jordan, Jillian; Rand, David (2019). «Opinion | Are You 'Virtue Signaling'?». The New York Times
6. Shariatmadari, David (20.01. 2016). «'Virtue-signalling' – the putdown that has passed its sell-by date». The Guardian
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