Ana Teresa Matos comprou uma propriedade nesta vila para poder pensar o mundo rural de maneira diferente. E também para compreender as vantagens das antigas técnicas agrícolas.
Atravessar o Folgosinho e seguir em frente. Continuar a subir a serra. Sempre a subir, até se chegar aos casais. Aqui, no topo dos montes, estão os Casais de Folgosinho.
A 900 metros de altitude existe um panorama em tudo semelhante à nossa imagem romântica da paisagem cultivada na serra da Estrela. Um misto de agricultura e natureza em estado selvagem. Ana Teresa Matos, de 29 anos, está aqui há três. Veio em busca de um sonho: procurar melhorar a nossa relação com estes ecossistemas.
Este é um território montanhoso que se desenvolveu em torno do Mondego. Espalhados por estes montes, de matos e lameiros, estão gerações de agricultores que se dedicaram ao pastoreio e ao cultivo. Existe nesta região um equilíbrio delicado entre o homem e a natureza. Uma harmonia que se estende pelos campos de centeio, passa pelos cursos de água e pela vegetação autóctone que resiste, numa coexistência entre homem, fauna e flora. Ana conhece esta paisagem há muito. Acompanhava o pai, que, na primavera, se mudava para esta região para estudar um vírus na lagartixa-de-montanha. O biólogo e virologista vinha para o planalto central da serra da Estrela e trazia a filha, ainda criança.
A pequena assistente foi-se habituando à paisagem, a conhecer este meio ambiente e transformando-se numa admiradora deste equilíbrio tranquilo. Tendo crescido numa aldeia em Mafra, passou a vida em peregrinação para estudar em Lisboa. Sempre que ia para a universidade e percorria o itinerário em direção à capital, "olhava para a poluição, para o ruído, e ficava com dores de cabeça. Só pensava "vou estar o dia todo a respirar isto"", diz a propósito desses tempos. Desde a faculdade que foi desenhando um percurso para si: "Em Biologia comecei a ter noção dos problemas do mundo natural."
Foi ganhando a perceção de que o tipo de respeito pelo mundo natural e que tinha dominado a agricultura até à revolução industrial desapareceu com a introdução de máquinas e o consumo desenfreado de combustíveis fósseis. A paisagem, outrora dominada por arvores autóctones e pelos grandes herbívoros que de forma natural controlavam matos e fertilizavam os terrenos, foi-se degradando.
Num esforço para melhor compreender a floresta no nosso país, estudou Engenharia Florestal na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Estava a aproximar-se do território que desejava trabalhar e nela foi crescendo uma ideia: é possível fazer as coisas de forma diferente.
Quando chegou a altura, vendeu um lote de terra na aldeia natal e comprou um terreno aqui: cem hectares em pleno parque natural. Depois de muito anos de sobrepovoamento e desmatamento da serra da Estrela, o século XX foi de várias tentativas de reflorestação pouco respeitadoras da herança natural do território. Além disso, a migração da população e o progressivo abandono das terras de cultivo levou a que existisse um descontrolo no ordenamento deste território. Mas Ana Teresa acredita que ainda é possível captar algum do conhecimento na comunidade.
Interessa-lhe a preservação de uma "agricultura ancestral, ligada à natureza, e que não recorre a químicos ou indústria". Se há uns anos "existiam ainda vacas e cavalos a trabalhar a terra, hoje em dia só se veem tratores", o que implica um grande impacto na compactação dos solos e no consumo de combustíveis fósseis.
Na sua propriedade, nos Casais de Folgosinho, quer pensar o mundo rural de maneira diferente. Quando conversámos tinha acabado de semear centenico (uma espécie de centeio de primavera) e andava a terminar o projeto para reflorestar a propriedade com carvalhos e castanheiros. Tem intenção de vedar o terreno, para que os animais de grande porte, como cavalos e vacas, possam por ali vaguear à semelhança dos seus antepassados. Estes grandes herbívoros, em liberdade, numa zona de floresta autóctone, podem trabalhar a favor do controlo de materiais combustíveis, enquanto fertilizam a terra e preparam os prados para os ovinos: "O restauro passivo não requer muito trabalho, é deixar evoluir a natureza", explica.
Este é um esforço para reconstruir um ecossistema sustentável para homem, fauna e flora. Um meio ambiente com defesas para enfrentar pragas e outras catástrofes, sejam elas naturais ou provocadas pelo homem, como os incêndios. Com os vizinhos, espera compreender as vantagens das antigas técnicas agrícolas, como fazer o pão e como trabalhar o leite das ovelhas bordaleiras, que pastoreia. Aqui em Casais de Folgosinho está em curso um projeto que se esforça para demonstrar que não temos de andar sempre na busca do lucro e dos resultados económicos. Como Ana Teresa Matos defende, "é preciso andar um bocadinho para trás, para seguirmos todos em frente".
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