segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Entrevistando Frei Betto: O PT deve uma Autocrítica?


Frei Betto afirmou que a esquerda brasileira precisa relembrar que o “capitalismo não é humanizável e precisa ser superado, de preferência pela via democrática, mas, se não for possível, pela via revolucionária”. Ele criticou as tentativas de “aprimorar o capitalismo”, que levaram a alianças e concessões, finalmente fracassando. 

Para o intelectual católico, a referência a se seguir é Cuba, país que provou “ser possível conquistar soberania e independência dos Estados Unidos”. Por isso, ele defendeu que “não podemos de forma alguma abrir mão da solidariedade à Revolução Cubana”.

Ele elogiou a postura do presidente Díaz-Canel durante as manifestações que ocorreram na ilha no último mês, por prontamente ter se disposto a conversar com os manifestantes que estavam em seu legítimo direito de expressar seu descontentamento, “que é natural com as dificuldades que Cuba vem enfrentando por conta do bloqueio”. Frei Betto também elogiou a capacidade de crítica e autocrítica do Partido Comunista Cubano ao longo do tempo, com processos de retificação, renovação de lideranças e revisão de princípios.

“O conjunto do povo cubano passou por processos intensos de crítica e autocrítica e nós temos que imitá-los. A autocrítica não nos enfraquece. Temos apenas que ser coerentes com os nossos princípios”, reforçou.

'Devemos politizar as políticas públicas'
Ser coerente com os princípios, na opinião do escritor, é abandonar a burocratização e retornar ao trabalho de base, principalmente o Partido dos Trabalhadores. Segundo ele, o PT não só se descolou dos movimentos de massa, como gerou uma contradição: “Os movimentos populares se partidarizaram, deixaram de ser instrumentos de pressão. Precisam preservar a sua autonomia”.

Ele avaliou que, para se desburocratizar, a esquerda, de forma geral, deve ampliar seus mecanismos internos de democracia, para que a militância tenha mais capacidade de gerência das legendas, para que possam se renovar.

“Considero os governos do PT os melhores da nossa história republicana, mas cometemos o equívoco de não aproveitar o nosso governo para realizar alfabetização política. As políticas públicas geravam promoção social, mas não mobilizavam a população”, ponderou também Frei Betto.

Ele comparou os programas Fome Zero e Bolsa Família: “O Fome Zero era um programa emancipatório, o Bolsa Família, compensatório. Fui contra desmontar o Fome Zero porque incluía todo o trabalho político que o Bolsa Família não inclui. A consequência disso se refletiu na facilidade com que o golpe foi dado”. 

O frade dominicano defendeu seu retorno caso haja um novo governo de esquerda, “até porque o Brasil voltou ao mapa da fome”. “Toda família beneficiada por políticas do governo federal tinha que ter como condicionante o pertencimento a sindicatos ou movimentos populares, algum tipo de engajamento político”, propôs.

'EUA acabaram com a Teologia da Libertação'
Frei Betto analisou o fenómeno da popularização das igrejas pentecostais e neopentecostais na América Latina. Segundo ele, houve uma ação deliberada e grande financiamento dos Estados Unidos “para varrer a Teologia da Libertação da América Latina”, considerada ainda mais perigosa que o marxismo, “por sua capacidade de mobilização”.

Esse fator, somado ao clericalismo da Igreja Católica, em que as cerimônias se centram todas no sacerdote, “sem valorizar o trabalho dos leigos”, permitiu que as igrejas estadunidenses, sobretudo a neopentecostal, pudessem "legitimar e sacramentalizar o capitalismo, como se ele fosse condizente com a vontade de Deus”.

“E aí você vê as igrejas evangélicas, que é para onde vai o porteiro, a empregada, e eles são bem acolhidos, fazem festas com os novos membros, algo que a Igreja Católica não faz. Nesse mundo anónimo das grandes cidades, as pessoas precisam desse apoio. E nós, os cristãos de esquerda, nem sempre soubemos fazer esse trabalho de acolhimento”, reconheceu.

Apesar disso, Frei Betto advertiu a esquerda de evitar o embate com o fundamentalismo para não afastar ainda mais essa base. “Só se consegue desmontar o fundamentalismo religioso com o que ele mesmo usa de arma, a Bíblia. Porque o fundamentalista tem uma visão muito literal da Bíblia, mas ela é uma metáfora”, explicou.

O que a esquerda deveria fazer é o trabalho de acolhimento exercido pelas igrejas evangélicas: “Chegam aqui de outros estados totalmente desamparados, sem emprego, sem ter onde morar até serem acolhidos pela igreja evangélica. Então esse é um trabalho que temos que fazer. Mas, vale dizer, que existem igrejas evangélicas progressistas, elas só não têm tanto espaço porque quem tem dinheiro são as conservadoras reacionárias”.

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