Por Daniel Deusdado
1.O cerco de Lisboa, o fim dos ingleses, agora o fim dos alemães, a seguir os outros que também não vêm, os números que vão continuar a crescer em Julho... e de repente todos os negócios que vivem do verão estão já a bater no fundo de forma mais violenta do que em 2020. O que é inacreditável. Como é possível termos conseguido atravessar o ano passado, com prudência e sem vacina, e perder o pé quando estamos a semanas de uma imunidade provável às variantes conhecidas? A resposta é cada vez mais evidente: uma minoria é suficiente para sequestrar a sociedade. Não que as pessoas queiram contrair covid, mas o risco económico é baixíssimo - a doença é pouco grave em 98% dos casos.
É neste paradoxo que temos de começar por analisar a batalha subterrânea sobre o teletrabalho. Os números começam a aparecer. Os empregadores (74%) pretendem fazer voltar os trabalhadores aos escritórios a tempo inteiro, segundo o Dinheiro Vivo de ontem. Ao mesmo tempo, uma sondagem do Jornal de Negócios revelava que apenas 13% dos trabalhadores defendem o trabalho presencial na íntegra.
Ora, como os números mostram, há potencialmente muita gente a querer que o teletrabalho vá continuando. Daí a tranquilidade aparente com que se juntam milhares de pessoas nas ruas sem medo das consequências, ou se organizam aniversários ou casamentos com dezenas ou centenas de pessoas sem testagem prévia. "Vai ficar tudo bem". Não fica, como se vê.
2. A acrescentar a esta deriva, não pode ser pior o exemplo do Euro de futebol. A UEFA, totalmente indiferente à variante Delta e à vida de milhares de pessoas, não se contentou com o negócio televisivo e uma presença de um terço da lotação dos estádios. Enche-os, à boleia de uma indiferença coletiva que tem uma rede de luxo: Estado Social europeu e serviços nacionais de saúde. Eis o cúmulo a que chegamos.
A UEFA está, aliás, a hipotecar o regresso do futebol pós-verão com o crescendo da pandemia, liquidando os próprios clubes, de novo, provavelmente com estádios vazios. Um egoísmo atroz. Em paralelo, as atividades sequestradas pela minoria irresponsável - turismo, restauração, atividades culturais e, particularmente, a música -, definham sem apelo nem agravo. Como é possível?
3. Há um outro problema que recusamos enfrentar. Não é possível continuar a fazer de conta que os ajuntamentos noturnos podem ser indefinidamente tolerados porque se trata de "gente nova". Pois, isto tem custos humanitários brutais: vamos acelerar a vacinação até aos 18 anos (ou até 12 anos...!) por causa desta desresponsabilização enquanto a vacinação nos países mais pobres nos faz corar de vergonha.
Esta semana o Painel de Informação da UNICEF assinalava que das 2,54 mil milhões de doses produzidas até agora, apenas 88 milhões (3%) foram enviadas para 131 países através dos mecanismos de apoio Covax - e apenas 36 milhões através de doações. Porque não há vacinas. Ou seja, as populações de risco de países inteiros ficam à espera, enquanto corremos a vacinar a malta do "social".
É preciso dizer isto de forma clara: há muita gente nos países ricos a brincar com a vida dos outros. São seres humanos que morrem porque os seus países não têm dinheiro (ou poder) para lhes dar uma vacina a tempo. É importante que as novas gerações (e os negacionistas) compreendam o luxo em que vivem. Pede-se contenção por uns meses, não uma eternidade. Não podemos esperar um mundo melhor demitindo-os de assumirem as suas responsabilidades. Os do "gueto" estão a morrer enquanto mantemos, apesar de tudo, uma vida normal.
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