Tornou-se numa das caras mais conhecidas no que toca a guiar o Governo pela situação epidemiológica do país. Na Faculdade de Ciências, lecciona Dinâmica Populacional, Modelos Biomatemáticos e Epidemiologia de Doenças Transmissíveis. Esta terça-feira, o epidemiologista anunciou que deixará de fazer apresentações nas reuniões do Infarmed.
Sofia Neves 9 de Fevereiro de 2021, 18:49
Foto O epidemiologista Manuel Carmo Gomes RUI GAUDENCIO
Já levava quase 25 anos a estudar a epidemiologia de doenças transmissíveis quando a covid-19 apareceu na China. Em 2020, Manuel Carmo Gomes acabou por se tornar numa das caras mais conhecidas no que toca a guiar o Governo pela situação epidemiológica do país e a aconselhar, a cada momento, sobre o que deve ser feito para controlar a epidemia em Portugal.
É com base nos dados que são transmitidos nestas reuniões que o Governo tem decidido que medidas adoptar para travar um crescimento exponencial de casos e, consequentemente, perceber quando é que essas medidas podem ser aligeiradas. Na última reunião antes do segundo confinamento geral ser decretado, o epidemiologista previu que nas últimas semanas de Janeiro o país ia chegar a 14 mil casos diários de infecção e 150 mortes diárias, cenário que acabou por se verificar. Esta terça-feira, depois de mais uma reunião no Infarmed, foi anunciado que o professor da Faculdade de Ciências deixará de participar nas sessões que juntam especialistas, políticos e parceiros sociais.
Carmo Gomes tem uma Licenciatura em Biologia e um Mestrado em Probabilidades e Estatística, ambos pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e um Doutoramento em Biologia pela Universidade Memorial of Newfoundland, no Canadá.
É, desde 1985, professor na faculdade onde tirou a licenciatura e o mestrado. Lecciona três disciplinas: Dinâmica Populacional, Modelos Biomatemáticos e Epidemiologia de Doenças Transmissíveis. Segundo descreve o próprio no perfil que tem online, a investigação que desenvolve tem dado “especial atenção” a doenças como o sarampo, papeira, rubéola, tuberculose e à doença meningocócica.
Carmo Gomes diz ainda que “a ligação do trabalho à sociedade” tem-se centrado na Comissão Técnica de Vacinação (CTV), uma comissão técnico-científica independente que tem funções consultivas junto da Direcção Geral de Saúde. Esta comissão acompanha continuamente a vacinação em Portugal e no mundo e emite pareceres relativos à introdução de novas vacinas ou alterações no Programa Nacional de Vacinação, por exemplo.
O epidemiologista também faz parte da Comissão Técnica de Vacinação contra a covid-19. Cabe a este grupo — composto por cerca de dez especialistas — dar pareceres técnicos sobre as estratégias de vacinação, sobre as vacinas, recomendar prioridades, aconselhar sobre medidas de excepção, entre outras coisas.
Apresentação dura antes de anunciar que deixa de participar nas sessões do Infarmed
Ao PÚBLICO, pouco depois de anunciada a decisão, o epidemiologista rejeitou a ideia de que a decisão de deixar de fazer apresentações no Infarmed está relacionada com o seu desacordo com a política que tem sido seguida pelo Governo.
Horas depois, em entrevista à SIC Notícias, sublinhou que “não vai abandonar de maneira nenhuma o país ou os dirigentes que têm tido a seu cargo a difícil tarefa de tomar decisões em circunstâncias difíceis” — e justificou a decisão de não voltar a fazer apresentações nas reuniões por uma questão de agenda.
“Tenho estado na Comissão Técnica de Vacinação covid-19, que é muito exigente e que reúne mais do que uma vez por semana. Requer um acompanhamento cuidado porque está muita literatura a sair acerca da imunidade e da eficácia das vacinas. E eu não tenho conseguido dar aos meus colegas o acompanhamento que gostaria”, referiu.
Além disso, Manuel Carmo Gomes diz que só contava que as aulas começassem no fim deste mês, algo que afinal irá acontecer nos próximos dias. “Foi a gota de água, o dia só tem 24 horas. Eu já tinha dito à senhora ministra que com o início das aulas ia ter dificuldade em estar nos três locais ao mesmo tempo”. O epidemiologista avançou que continuará a assistir às reuniões e a esclarecer dúvidas que surjam, mas diz que, a cargo das apresentações, deverá estar outro colega da Faculdade de Ciências. “Não terei a responsabilidade de fazer apresentações, que consome muito tempo e é difícil de conciliar com as minhas outras actividades”.
Nesta última reunião, o epidemiologista foi duro nas críticas às estratégias adoptadas pelo Governo para travar a terceira vaga da covid-19. Carmo Gomes afirmou que as medidas são tomadas com atraso, numa tentativa de “andar atrás da epidemia”, contribuindo para uma polarização da opinião pública sobre as restrições aplicadas para conter o vírus.
“A forma como temos vindo a lidar com a epidemia consiste em ler os indicadores – que normalmente chegam com sete dias de atraso –, adoptar medidas em resposta que parecem ser as adequadas à situação, depois levamos uma semana a 15 dias para ver o resultado das medidas, normalmente as medidas não são suficientes e continuamos nisto”, criticou. “Temos de ter uma resposta agressiva, estabelecer linhas vermelhas. Se estas forem ultrapassadas, temos de agir de forma muito agressiva relativamente à epidemia.”
"Testagem é a nossa arma principal"
O professor da Faculdade de Ciências tem sido um dos grandes defensores da testagem em massa, medida que voltou a defender nesta reunião.
Dando o exemplo da Dinamarca como uma resposta “forte e agressiva”, Carmo Gomes mostrou como o Governo dinamarquês aumentou “brutalmente” a testagem após uma subida do número de casos, algo que em Portugal não foi feito, face à mesma subida, registada após o Natal. “Enquanto em Portugal andamos atrás da incidência, a Dinamarca conseguiu manter a percentagem de testes positivos relativamente baixos, devido a esta resposta”, explicou. Para manter o controlo da epidemia após o período de confinamento, explicou, é essencial aumentar a testagem do vírus, como fez a Dinamarca. “Penso que a testagem é a arma principal que devemos usar e não o confinamento”, disse.
A meio de Janeiro, em entrevista ao PÚBLICO, numa altura em que o país registava quatro dias com novas incidências na ordem dos 10 mil casos, Manuel Carmo Gomes dizia temer que Portugal tivesse atingido o máximo de capacidade de testagem e que existissem muitos mais casos por despistar.
“O que eu defendo é uma haja um alargamento dos critérios de testagem que permitam que quando o número de casos começa a baixar o número de testes não baixe. E podemos discutir várias estratégias para fazer isso, mas é necessário que nunca baixemos o nível de testagem só porque os casos estão a baixar. Se mantivermos um nível muito alto de testagem, se o subirmos até, temos a garantia de que podemos identificar os novos casos o mais depressa possível, de preferência ainda assintomáticos, e quebrar as cadeiras de transmissão”, disse esta terça-feira na entrevista à SIC Notícias.
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